sábado, 15 de setembro de 2012

O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde - VEGA Editora - Opinião

O retrato é por definição a representação de uma figura elaborada a partir do modelo vivo. A difusão da arte de retratar acompanha os anseios da corte e da burguesia urbana de projectar as suas imagens na vida pública e privada, mas que retrato? É certo e sabido que qualquer pessoa deseja ficar bem no seu retrato, aliás a arte de pousar deve ser tão importante quanto a astúcia do retratista.


No entanto, a época da corte e dos anseios burgueses é agora outra, mas não deixam de ser conhecidas as famosas sessões fotográficas onde todos anseiam ficar bem representados e se possível com o melhor aspecto de sempre, afinal um retrato ou uma fotografia é um elemento perene. Um registo que se deseja que fique muito além da nossa própria duração.


Mas serão essas as aspirações do belo Dorian Gray?
Será que o seu desejo não é ainda mais grandioso?
Dorian Gray não quer que o seu retrato seja a fina flor da sua imagem, afinal o retrato estará numa parede, o dele ou o de qualquer outra pessoa, Dorian Gray quer ser ele a sua melhor representação, a sua beleza é o seu cartão de visita. O seu charme é um dom, uma entrada permanente para as festas e os eventos que lhe trarão os melhores conhecimentos e influências.
Dorian Gray (e não pensem que repito o seu nome ao acaso, repito-o para não ferir o seu narcisismo) é afinal Dorian Gray, reconhecido pela beleza, charme, juventude, orgulho, inocência, desejo e fama que o caracterizam. E é isso o mais importante a manter.

Afinal um retrato não será apenas a nossa aparência? Aquela que programamos e que queremos ver projectada num retrato? Quantos de vós gostam de fotos espontâneas? 
Quantos de nós gostamos, imediatamente depois do clique, apreciar a nossa aparência, postura, beleza, jeitos e trejeitos que tentamos encaixar nos que são correctos e expectáveis para a sociedade ou acontecimento em que estamos inseridos!?!?!

O melhor do livro é isto mesmo, fazer-nos pensar na nossa imagem, aparência e correspondência à realidade. A que somos e aquela em que nos vêem. 

Oscar Wilde encerra na sua escrita uma luta constante entre aquilo que poderá ser uma crise existencialista e ao mesmo tempo um modo de afirmação, expondo de forma atribulada e camuflada a homossexualidade. 

São páginas e páginas de divagações, dúvidas constantes que se espelham até aos nossos dias. Eternas questões.
"(...) não consigo ver qualquer semelhança entre você, com esse rosto rude e enérgico, o cabelo escuríssimo, e este jovem Adónis que parece feito de marfim e pétalas de rosa (...) é certo que o meu caro amigo tem um ar intelectual, mas a verdadeira beleza acaba onde começa a expressão intelectual."

"(...) é triste pensar nisso, mas não há dúvida de que o génio dura mais que a beleza. E isto explica o facto de nos esforçarmos tanto para nos cultivarmos de modo tão exagerado. Na luta feroz pela existência, queremos possuir algo de duradouro e, por isso, atafulhamos as nossas mentes de inutilidades e factos, na esperança absurda de conservar o nosso lugar."

As especulações e certezas de Harry podem deixar-nos, a nós mulheres, boquiabertas, é um misto de franqueza e pragmatismo, fruto de uma época, que no entanto continua em análise e é sempre interessante de discutir.

"Meu caro Dorian (...) há apenas duas espécies de mulheres: as simples e as pintadas. As mulheres simples são muito úteis, se quisermos obter reputação de respeitabilidade. (...) As outras mulheres são encantadoras, cometem, porém, um erro. Pintam-se para parecer jovens."

Poderia continuar e percorrer todo o livro, mas depois não vos restavam surpresas com os relatos e devaneios perdidos por estas linhas desconcertantes, por isso para finalizar, eis esta deixa sobre o estado que tantas vezes sentimos, o de conflito.

"O conflito é ser obrigado a estar em harmonia com os outros. O que é importante é a nossa própria vida. (...) Além disso, o individualismo tem realmente um objectivo mais elevado. A moralidade moderna consiste em aceitar o modelo da própria época. Considero que uma forma da mais grosseira imoralidade é o facto de qualquer homem de cultura aceitar o modelo da sua época."

É nessa imoralidade que nos é apresentado Dorian Gray!
É incrível como uma obra que data de perto de 1890 possa ser tão actual.





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