sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

«O teu rosto será o último» de João Ricardo Pedro - Opinião

O teu rosto será o último e um autor à espera de uma maioria absoluta!

No outro dia no café, alguém dizia: "não faças confusões, ela lê, já ele junta palavras! (...) se tu lhe perguntares de que é que trata um livro que ele acabou de ler, ele não te sabe explicar!?"

Perceberam o contexto? É isso que eu tenho sentido ao ler o livro de João Ricardo Pedro.

Durante dezenas de páginas senti-me a juntar palavras, em alguns casos, já só quase letras. Depois o tempo avançou, as palavras ganharam vida, separei-me da asneirada, ignorei a quase estrutura de conto e descobri (acho eu!) o fio condutor nesta leitura perturbada, imaginária, cinematográfica e recheada de episódios quase a roçar o sobrenatural.

O teu rosto será o último, é tanto o último, como o primeiro, é tanto um todo, como as partes. Um rosto, um nome, histórias vividas, sentidas, no meio de tantos outros rostos, de tantos outros nomes, de tantos incógnitos que a guerra, o regime, a política, a família tendem a escondem, mas que a arte, a cultura e a palavra conseguem trazer à tona e reavivar a memória até daqueles que não viveram tais histórias e estórias. São palavras, quase que descoordenadas, meio ao género de «caos organizado» que embelezam a escrita deste autor e fazem dele um exímio contador de estórias.

Este não é um livro sobre o pré ou o pós 25 de Abril, a guerra em África ou as dificuldades em Portugal, é sim um livro sobre a liberdade de emoções, de sensações e do impacto do amor, acompanhado de uma enorme musicalidade, não está em causa se Bach ou Mozart.

“Não fui eu que comecei a tocar piano. Foram as minhas mãos.” 

É esta expressividade simples, mas igualmente bruta, onde as asneiras perduram e que são elas que nos chamam à realidade. 

"(…) além dos cabelos brancos, o pai parecia-lhe profundamente triste. Mas, pela primeira vez, era uma tristeza que Duarte compreendia. Uma tristeza que não era apenas um olhar vago, uma certa maneira de fumar, um alheamento, um azedume. Era uma tristeza que se materializava em sinais inequívocos. Palpáveis. Na pele. Na carne. Nos olhos. Nas mãos."

A simplicidade combina com as descrições ardilosas e ao mesmo tempo pragmáticas, capazes de destapar assuntos tão sérios, daí que dispensava o uso recorrente a tanta asneira, a meu ver, o único factor de cansaço nesta pequena maravilha.

Até chegar ao fim, você nunca saberá o que vai encontrar, pois está na presença de um livro louco, surpreendente e quase desorganizado, ou aparenta ser.

*

Caso queiram conferir algumas das coisas que se diz do autor, da obra e do prémio:

Reportagem RTP
Site Leya - Prémio e Entrega do Prémio
Entrevista - Bibliotecário de Babel

Boas leituras

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