sábado, 4 de outubro de 2014

Um Homem Singular, Christopher Isherwood - Opinião


"O acordar começa com o dizer existo e agora. Então, aquele que acordou mantêm-se por instante deitado, de olhar fixo no tecto e em si próprio, até ter reconhecido o eu e, a partir daí, deduzido eu existo, eu existo agora."

Mas como existimos agora quando nos falta o que nos dá ânimo... O que nos alimentou o coração, a alma, a motivação, os dias... os anos, a vida... mas que agora deixou de existir.

"(...) Mas o agora não significa simplesmente agora. Agora é também uma recordação fria, um dia a mais do que ontem, um ano a mais do que o anterior."

George Falconer é um homem preenchido de anteriores agoras que se transformaram em agoras vazios. Perdido nos gestos que foram com a morte súbita de Jim, o seu companheiro por quase duas décadas, George tenta reaprender gestos e hábitos que lhe permitam uma vida social de acordo com aquilo que é esperado e aceite para um professor de inglês, de meia idade, na Califórnia  da década de 60.

Há todo um distanciamento, uma análise e uma frieza com que George tenta analisar a sua vida, o seu quotidiano, querendo assim, alienar-se da morte, das saudades e da falta que o companheiro lhe faz.
Mas esse distanciamento poderia comparar-se a abandono e esquecimento face a uma vida conjugal com aquele que foi o amor da sua vida, mas não é bem isso que Geo quer, mas tem igualmente dificuldade em querer deixar-se surpreender com as peculiaridades que a vida ainda lhe reserva.

Em "Um Homem Singular", encontramos um livro singular, pleno de humor, inquietude, solidão e amor, mas sem esquecer o lado político, o lado guerrilheiro e até militante, perante diversas causas, analisando, quase de forma satírica, o social de 60, que ainda, em tanto, se projecta na actualidade.
Um livro assumidamente homossexual, onde o poder reside no amor, demonstrando que a questão de género não é o que importa discutir. Importa sim aceitar o amor!
Pegando na análise politica e social, a referência às minorias e aos medo e incompreensão dos europeus, são duas passagens de releitura obrigatória e que merecem sempre um sorriso e um esgar.

Quase no final do livro há uma conversa que faz o click final, é o trigger para a redenção da personagem. Há amor, há recordações, ou seja, passado, mas aceitar perder e superar, não é desrespeitar ou esquecer o passado, é com isso construir e ser capaz de seguir em frente. Claro que todo o desenvolvimento seguinte poderá ter diversas avaliações, dependendo sempre para onde queremos olhar.

É também impossível olhar e sentir este livro sem pensar na adaptação ao cinema por Tom Ford e de tão aclamada que foi. É irresistível e sublime a postura e a representação de Colin Firth. É deixarmo-nos guiar por aquele olhar penetrante, peculiar e tão profundo, que transparece a perda e a singularidade que encontramos no texto.


Recomenda-se a leitura e o visionamento. A banda sonora pode logo começar a acompanhar a leitura. É tudo tão bom...
Boas leituras

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