quinta-feira, 14 de abril de 2016

«A Mulher» de Meg Wolitzer :: Opinião


Permitam-me começar pelo fim, já que não é novidade nenhuma que Joan, esposa do famoso e premiado escritor, Joe Castleman, quer separar-se e pedir o divórcio, mas já mais perto do final é hilariante a forma como lho transmite, voltando ao traço mais negro e acutilante com que começa:

"- Olha, tenta imaginar a minha situação (...) Tenho sessenta e quatro anos. Sou quase uma cidadã sénior. Posso ir a qualquer sítio por metade do preço, e quero ir sozinha. Por favor. Não te mostres furioso, ou desconsolado..."

Forma fabulosamente cáustica e impiedosa de o dizer, mas muito adequada à vida dos Castleman. Joan viveu dedicada ao marido e à sua carreira, acompanhando a todo o lado, mas na sombra, a isso se permitiu e forçou, por amor, deslumbramento, pelos filhos, por ela, ao ter o selo de esposa do «génio» e são esses motivos e factores que a levaram até à ideia do divórcio que fazem o livro.

"Tu és capaz, dizíamos nós, as mulheres deles, e, quando eles de facto o faziam ficávamos tão felizes como as mães dos bebés a darem o primeiro passo trémulo e a largarem a mobília para sempre."

Wolitzer cria um romance que vai desde os loucos tempos da faculdade, apresentando uma intriga já bastante utilizada, numa relação de contornos típicos; uma estudante que conquista, por juventude e idolatração; o professor casado, com pouca inspiração e mulherengo, ambos ligados à Literatura e à vontade de fazer da escrita o conteúdo de uma vida.
No entanto, a forma como o romance começa é auspiciosa, perspicaz, muito observadora da época (anos 50) e muito irónica. A narradora leva-nos numa viagem tanto por Nova Iorque, como pelas lides sociais entre jovens universitários, escritores e aspirantes, tudo de uma forma bastante acutilante mesmo quando está em debate o velho tema da desigualdade de géneros.

"Joe ficou encantado. Que achado! Ao que parecia, o mundo estava cheio de jovens assim, cada uma delas a apurar no seu próprio guisado, todas à espera de serem saboreadas pelos homens que passassem, lhes levantassem a tampa e as cheirasse."

"E a cidade de Nova Iorque, naquele momento em particular, em 1953, era um sítio espectacular para se dar uma volta a meio da noite caso se fosse um homem jovem, ambicioso e confiante. A cidade era feita de letreiros néon, pontes iluminadas e vapor subterrâneo a escapar-se de grelhas na rua em lufadas axadrezadas. Casais aos beijos desesperados pareciam ter sido estrategicamente colocados junto a cada candeeiro."

Na voz de Joan Castleman vamos sabendo como foi a vida do casal, a relação de ambos com a escrita, com as incertezas e as inseguranças perante cada livro, a história real por detrás de «A Noz» e entre algumas divagações, fazendo saltos temporais na narrativa, a autora constrói imagens muito nítidas, que revelam mais da história individual de cada um deles e também dos que os rodeiam.

"Pensei nos meus pais, que eram tão remotos como duas estalactites penduradas lado a lado na mesma caverna, sem nunca se tocarem em público, o meu pai nos seus fatos escuros que tinham um cheiro folhoso e masculino, a minha mãe nos seus vestidos com padrões que lhe davam a aparência de toalhas de mesa."

Ainda assim e apesar de existirem variadíssimas outras passagens que apreciei bastante, posso afirmar que tive uma relação conturbada com este livro, se por um lado me deliciava com certos parágrafos ou ficava desperta para outras referências literárias, por outro, a forma previsível como a história avança, deixou-me menos agradada. Eu queria mais, queria um grito de revolta, uma relação menos banal, queria polémica, que corresse tinta nos jornais... talvez até outro desfecho, não tão esta mulher gata borralheira, esta «mulher do génio» e ele, também, tão previsível.

"Beijou-me e beijou-me, e apesar de parecer que queria lamber e engolir-me o talento, a percepção, o que quer que fosse que ele achava que eu tinha, eu continuava a sentir que. de nós os dois, era ele o importante e eu estava inacabada."

É certo é que o final nos dá uma lição ou um lembrete. Talvez tudo na vida, seja em que altura for, seja sempre algo inacabado!

Para terminar Django Reinhardt, oiça aqui, muito bem relembrado neste livro:

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Uma leitura com o apoio DOM QUIXOTE

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