terça-feira, 30 de maio de 2017

M. J. Alidge - a saga continua :: Opinião


Voltei a Arlidge com toda a força e assim é que gosto. Acabei "Na boca do lobo" completamente em pulgas, não adivinhando, em nada, o final tecido para Helen Grace e foi excelente ter logo ali ao lado "O anjo da morte" para dar seguimento à investigação e perceber como se resolveria a situação bicuda, mais uma, em que a detective se viu afundada. 

É difícil falar de policiais sem cair na tentação de revelar pistas ou mesmo sem querer acabar a escrever sobre eventos que desvendam a leitura para quem ainda não se aventurou na saga, mas realmente Arlidge criou um leque de personagens a quem sabe sempre bem voltar, Sou fã da detective, aliás, das duas, Grace e Brooks e divirto-me imenso a imaginar como Emilia Garanita seria caracterizada se estes livros fossem adaptados para uma série televisiva. 

Decidi escrever sobre estes dois livros em simultâneo, pois considero que o autor os elevou a outro patamar. As perversidades, assim são vistas, nas quais Helen é apanhada, são analisadas e agora alvo de um crime. As descrições podiam ainda ser mais rebuscadas e os crimes mais sórdidos, mas isso acontece no último e, realmente, muda logo tudo, transmite um certo arrepio e é sempre isso que busco com a leitura de policiais.

"Helen fez uma pausa, pegando num ficheiro pousado na secretária. Estava finalmente a encontrar o seu ritmo, mas a parte mais difícil ainda estava para vir.
- Paralelamente, também quero que toda a gente esteja atenta à mumificação. 
Uma onda de risinhos nervosos percorreu a equipa.
- Também conhecida como fetichismo de enclausuramento total. 
É a extremidade do espetro do sadomasoquismo e envolve alguém excitar-se sexualmente por estar completamente dependente de outro em termos de liberdade, de movimentos e até de vida."

Para além de achar que Arlidge cria bons ambientes de suspense, negros, mas com um toque de realidade plausível, tem vindo a preencher as suas personagens com detalhes vívidos e que lhes atribuem densidade. Para além disso, tem partes descritivas bastante bem conseguidas e, que sem serem extensas ou que atrapalhem o ritmo da acção, são bem conseguidas na qualidade da narrativa. 

"Helen passou disparada pela saída de emergência na direcção dos jardins comunitários (...)
O edifício projectava uma sombra alta e Helen teve de escolher com cuidado o seu caminho - o chão estava pejado de vidros partidos e agulhas usadas. Enquanto avançava para a estrutura esventrada, a sua mente assimilava o que vira, (...) 
Era uma vista estranhamente mágica, com os raios de lua a descerem desde o alto, (...)sabia que um passo em falso poderia levá-la a mergulhar na cave. Mais do que isso, pressentiu que a pessoa que caçava ainda estaria algures ali dentro."

Realmente a caça aperta bastante as suas malhas entre estes dois livros e o melhor de tudo é a estrutura de capítulos de "O anjo da morte", em que o autor foi capaz de entrelaçar muito bem a última linha de cada capítulo com a primeira do seguinte, por momentos pensamos ter ali respostas, mas é só uma forma abrilhante de ainda aumentar mais o suspense com outras personagens, noutros momento igualmente negro. Neste último livro, o 6º da série, a prisão de Holloway é o cenário, e a miséria humana elevada ao nível do pesadelo. As mutilações são diversas e são muito mais além das mazelas físicas. 

"Teria de ser algo doloroso. Teria de ser algo que infundisse medo no coração de todas as larvas que andavam ali. E, quando Alexis olhava para a cozinha, uma ideia começou a formar-se na sua mente. Seria agonizante. Seria horrível. Mas o melhor de tudo é que seria permanente."

"É impressionante o poder do ódio."

É impressionante é o ritmo que Arlidge consegue imprimir ao leitor aquando deste último livro. É impossível parar. O número de personagens só aumenta o interesse e o facto de ser fechado numa prisão aumenta a claustrofobia e a intensidade de todos os momentos. Mesmo Garanita, de fora da prisão, consegue imiscuir-se na negritude que se sente nas sombras que habitam todos aqueles corações perdidos e diminuídos, encarcerados e destituídos de amor. 

"O público em geral já formara a sua opinião em relação a Helen, apesar de ela ainda não ter sido julgada. O que Emília ia escrever cimentaria ainda mais a imagem de uma polícia renegada que passara para o lado errado. A lama colava-se e Emília ia apreciar tirar o máximo que pudesse, independentemente de poder prejudicar o curso do julgamento. Afinal, aquilo é que era a justiça moderna.
Era um julgamento pelos media."

Não é de espantar que, mais uma vez, Arlidge traga para os seus enredos a critica social a que já nos habitou. Actualidade, temas tabu e minorias, aqui, em ambos os livros, não são excepção. As comunidades BDSM, o tabu do fetichismo no local de trabalho, ética e costumes de classe, a justiça moderna, o poder dos media e das redes sociais ou as condições desumanas das prisões, são temas destes dois livros. 

Se ele é ou não um sucessor de Nesbo, não sei, mas sem dúvida Arlidge é um autor a seguir, com esta, ou uma nova série.

*

Um livro com a qualidade TOPSELLER.



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