terça-feira, 28 de novembro de 2017

«O Pianista de hotel» de Rodrigo Guedes de Carvalho :: Opinião



"- É conforme
foi conforme saiu, só sabe que lhe pareceu que as notas lhe queriam sussurrar uma triste confissão, é o que acontece quando apanhamos acordes menores, são melancólicos e não resolvidos, o que poderia aplicar-se a tantos de nós afinal, será que a música foi inventada para utilização dos que gostam pouco de falar, dos que, tanto que lhes perguntam, só lhes apetece responder

- É conforme"

É conforme a melancolia, a solidão e a perda, que vamos conhecendo e aprofundando cada personagem deste romance, do qual é difícil dizer do que trata, se não da vida como ela é: "(...) a criança quer que o mundo lhe seja explicado em linha recta, e depois passamos a vida a tentar aguentar o balanço de tanta curva e contracurva."

Será nessas curvas, que umas personagens entram em alta velocidade, outras aos tropeções e outras ao acaso, mas todas donas de perdas constantes e dores que os encaminham à solidão e a uma certa invisibilidade, tal como a de um pianista de hotel. A dureza e a exigência da realidade é vista com força bruta, que escraviza e extingue pessoas raras, condenando à sobrevivência e à procura do sentido dos dias. Tal como a memória, castigadora e dominante. 

As disfunções são muitas, a violência alguma, os imprevistos e a força do acaso, constantes; é a vida de cada um tal como ela é. E talvez seja isso que dá ainda mais profundidade e mestria a este romance, ser plausível e num tom tão honesto. Concedendo até a possibilidade de reflexão e psicanálise tão necessária e urgente aos dias de hoje.

"Depois de a cabeça perceber o que tem de fazer, ainda que falemos de melodias e harmonias muito básicas, falta os dedos corresponderem ao que lhes diz a cabeça. Se ousarmos começar a tocar um instrumento sendo já velhos, ou adultos há muito tempo, a primeira reacção dos dedos vai ser
- Que é que queres de nós a esta hora (...)"

E desta forma intrometida a narrativa vai entrando na cabeça do leitor e conversa com ele, e só assim o leva a acreditar em cada uma das personagens como se lhe fossem pessoas próximas, sentimos com Maria Luísa, Luís Gustavo, Samuel ou Pedro Gouveia a dificuldade que é estar vivo o peso dos dias e a loucura de seguir para saber o nosso destino.

"Se uma ventura divina calha fazer-nos bons no que fazemos, e ainda conseguimos ser capazes de gentilezas, provas de amizade, manifestações de integridade, e ainda temos sentido de humor, que anima jantares e alivia pressões (...), então o mundo será nosso, e a dificuldade é arranjar espaço com tanta gente deitada aos nossos pés. Sim? Não. 
Nada mais errado. 
Pessoas assim correm os mesmos perigos dos animais em via de extinção (...) A mediocridade é o mais perigoso dos caçadores furtivos (...)"

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