terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

«O Homem de giz» de C. J. Tudor - Opinião


Não será a giz que se fará esta história. Ou seja, ela não será facilmente apagada. Nem será apenas uma brincadeira da criançada que quer arranjar um código, só deles, para marcar encontros no meio da floresta. No verão de 86 passamos as férias com Eddie Munster, Gav Gordo, Hoppo, Metal Mickey e Nicky, a única miúda aceite neste grupo de rapazes, por ela própria ser tão badass quanto eles. Ou assim se julgam. A trama é essencialmente centrada em Eddie, mas todos têm um papel bastante relevante para os trinta anos que os separam. 

De suposição em suposição, vamos oscilando entre o tempo presente e aquele verão de 86.

"As ervilhas ajudaram a desinchar um pouco o olho de Nicky, mas quando foi para casa a nódoa negra continuava bem visível. 
(...)
- O que quer dizer com isso?
- Não é a primeira vez que a sua filha tem um olho negro, pois não?
- Isso é uma calúnia, senhor Adams.
- Ai é? - O meu pai deu uma passo em frente, Fiquei contente por ver o reverendo Martin estremecer. - «Porque não há coisa oculta que não venha a manifestar-se, nem escondida que não se saiba e venha à luz.»"

Entre palavras bíblicas, calúnias, enredos e julgamentos mal fundamentados somos levados a adivinhações precipitadas que não nos ajudarão a desvendar o autor do crime. O corpo mutilado e abandonado na floresta perseguirá, tanto o grupo de crianças e as suas famílias, como ao leitor. 

Como a narrativa alterna entre o passado e o presente, somos muitas vez arrastados para dentro de diálogos juvenis e ilações típicas daquela idade, se isso pode cansar o leitor, por se viver actualmente alguma propensão para histórias que envolvam grupos de jovens, existem também parágrafos  descritivos, porém breves, que dão outra camada ao texto, permitindo ao leitor, rir, reflectir, emocionar-se e claro, baralhar-se. Isto porque a vida de cada um daqueles cinco tem particularidades associadas, algumas delas, a temas sensíveis e até à doença e isso dá outra dimensão aos acontecimentos mais negros. 

"Durante algum tempo, era frequente ver grupos de desconhecidos na cidade. Vestiam anoraques, calçavam sapatos práticos e traziam máquinas fotográficas e blocos de apontamentos. Faziam fila para entrar na igreja e deambulavam pelo bosque.
Paspalhões curiosos, como o meu pai lhes chamava.
Tive de lhe perguntar o que aquilo queria dizer.
- São pessoas que gostam de olhar para coisas terríveis ou de visitar o lugar onde uma coisa horrível aconteceu. Também conhecidos por perdigueiros mórbidos."

Mesmo sem esses perdigueiros mórbidos, as coisas terríveis continuarão a acontecer e não serão só uma coisa do passado. Há uma aura de inocência e uma pitada de doença à mistura que dão um toque diferente a este thriller e talvez seja isso que o distingue dos outros. O melhor de tudo, para mim, é mesmo o efeito suspenso 1986-2016!






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