quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

«Cronovelemas" de Mário de Carvalho - Opinião


«Cronovelemas" ou crono-novelemas, como eu insisti em lhe chamar, integra duas novelas: "A Arte de Morrer Longe" e "Quando o Diabo Reza", unidas agora sobre este neologismo ou cruzadas aqui, visto a sina da escrita também ser sistematicamente traída pelos caprichos da realidade. 


"Quando o Diabo Reza" traz-nos dois artistas daqueles com quem já todos nós nos cruzámos numa esquina de Lisboa ou ao balcão baço de um tasco a beber uma mini. Estes artistas, Bartlo & Abreu, o uso do "e" comercial é propositado, se bem que é um negócio condenado ao insucesso, por um lado devido às perlengas vagas e repetitivas de um e, às estratégias e ideias já gastas, de outro. 
No entanto, a congeminação é feita muito ao jeito típico e comunicativo de Mário de Carvalho que conquista o leitor a cada palavra, o enreda a cada linha e o embrenha em parágrafos cheios de rasgo.

"Mas Abreu optou pela serenidade desprendida, naquele jeito de boca descaída, de infinito desprezo pelo mundo, sem pachorra para atender Bartlo e os outros mangas que estavam ali a fazer-lhe confusão, enquanto ele se concentrava. Ficar-lhe-ia bem um cigarro ao canto do beiço, o olho meio fechado por causa da linha do fumo (...)"

"Mas Abreu não convenceu ninguém. Acabou por confessar, meio envergonhado:
- Sempre tens mais presença, pá. E faladura.
A ele entravava-se-lhe a voz sempre que acelerava o pensamento. No fundo, invejava aquele desembaraço com que Batlo, em abancando, estendia as pernas, levantava a mão a meia altura e vá de palavrear e enfiar histórias, magnetizando quem estiver em volta. Não era grande cabeça para meditar, mas tinha uma boca de ouro para a palradeira."


"A Arte de Morrer Longe" é um hilariante relato do que pode ser uma discussão sem fim à vista, perdida nos pântanos sombrios em que se tornam certos casamentos. Vagamente desdenhoso, mas carregado de humor negro, a novela traça uma crítica feroz a certas dinâmicas românticas. E, como foi lido depois de "Quando o diabo reza" parece que estava a encontrar os tais policias com pouco treino no diálogo, já que aqui, os encontros com a policia dão todo um outro desenlace a esta arte de (fazer) morrer longe e dão um outro significado à célebre frase: «o escuro tem vida própria».
Sobre a saga da tartatura nada direi, para permitir ao futuro leitor todas as risadas que este trio lhe proporcionará.

"Nas nossas ruas, ao anoitecer, há tal soturnidade, há tal melancolia, e no século XXI, Cesário amigo, pouca é a melhoria. As municipalidades poupam nos gastos de iluminação, porque interiorizam que os habitantes já chegam à noite muito fartos da célebre luz de Lisboa e precisam de descansar os olhos e os sentidos. 
E, se assim é nas praças históricas, como o Rossio, com grande profusão de sombras, e nos antigos bairros que tomam trevas de floresta negra, então mais se enegrece o ambiente quando se trata de alumiar plantas, relvados, bichos, espaços vazios e águas largas (...)
Por tudo isto, não é fácil abandonar uma tartaruga no lago do Campo Grande (...) atolando os pés em torrões de terra, fazendo rechinar a relva, criando em torno de si um halo de crepitações capazes de despertar qualquer tigre dente-de-sabre à solta."





quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

"Com ESTE HOMEM"

Jesse e Ava estão tão loucos como estavam há 12 anos atrás, ou para mim, como estavam em 2014 quando li a trilogia Este homem e fiquei a conhecer o mundo louco, a personalidade mandona, o sexo escaldante e a perdição por manteiga de amendoim de Jesse Ward.
Estive a reler a opinião à trilogia e resumo a minha opinião com esta citação:
"Passei por diferentes opiniões ao longo desta trilogia. Comecei por gostar da história mas não de Jesse, depois era Ava e a sua passividade que me irritavam enquanto o enredo melhorava mas quando entrei no terceiro capítulo, decidi meter tudo para trás das costas e dar-lhe uma última oportunidade de me arrebatar por inteiro. O caminho foi tumultuoso mas o destino final surpreendeu-me pela positiva. Agora, aplaudo de pé!!"


Em "Com Este Homem" reencontramos Ava e Jesse com 12 anos de relação solida mas igualmente louca e carinhosa. 

Num dia a dia feito lado a lado, a trabalhar no ginásio/spa que ambos criaram, este casal continua no auge ao longo de mais de uma década de casamento, mesmo com um par de gémeos de 11 anos.
Mas são os momentos baixos que nos fazem agradecer pelos altos e a vida desta família é revirada do avesso quando Ava sofre um acidente que a deixa em coma. E ao acordar Ava não reconhece Jesse, os filhos...na realidade Ava acha que ainda está nos primeiros anos da sua vida adulta, com muita coisa para curtir, um corpo todo no lugar e que é a única pessoa que tem de ouvir para tomar decisões da sua própria vida. 
Como dar a conhecer a Ava a história tão especial que viveram juntos?
Como faze-la entender que não só é mulher como mãe de dois miúdos?
Como lidar com isso tudo e ainda com as outras complicações que Jesse e Ava sempre tiveram de lidar ao longo da última década juntos?




Regressar a este casal anos depois de ter lido a história faz-me sentir tão amenésica como a personagem.
O que me lembrava?
Ele - escaldante, mandão, dono de mansão de sexo, louco por rendas
Ela - desafiadora, igualmente louca mas por ele :)
O que me lembra deles como casal?
Só me lembro que era sexo e confusão intercalado com muito drama ao longo de três livros.
Curiosamente este foi o melhor.
Porquê? 
Porque não me lembro dos outros. Porque fui relembrada de episódios que viveram ao mesmo que Ava os ia descobrindo e acabei por gostar da ideia do "oh meu Deus tenho 50 anos mas continuo um deus do sexo"
Por vezes é engraçado voltar a estas histórias.
Quem gostou de reencontrar Jesse e Ava?

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

"Dois Guardam um Segredo"

Foi com gosto que peguei e devorei este livro, os últimos capítulos roubaram 2h de sono pela noite dentro tal era a vontade de dar resposta à pergunta "Quem?". 
Num registo que me captou a atenção pela memória dos meus teen years a ver "Sei o que fizeste no verão passado", "Scream" e outros filmes do género, este "Dois guardam um segredo..." constrói uma malha tão bem feita que estive até às últimas a pensar "foi este ou este?" sem nunca ter bem a certeza.  



"Bem-vindos a Echo Ridge.
População:4935
Durante os 18 anos em que lá vivi, este número nunca se alterou. Parecia que, se quisesses levar lá alguém, outra pessoa teria de sair primeiro"


Echo Ridge pode ser uma bonita e a abastada cidadezinha no Vermont mas tem sido notícia pelas piores razões, raparigas desaparecidas e/ou mortas. Nenhuma cidade é perfeita mas esta é consumida recorrentemente por segredos, intriga e crime. Primeiro o mistério do desaparecimento de Sarah Corcoran e muitos anos depois, a doce rainha do baile de boas vindas Lacey Kilduff que aparece morta no parque temático de Halloween Murderland (os states e estas cenas macabras que só ajudam aos massacres). Nenhum destes crimes foi resolvido por mais dedos que tenham sido apontados e o presente de Echo Ridge ainda tem estas histórias todas à flor da pele. 

 Quando os gêmeos Ellery e Ezra, os sobrinhos da primeira rapariga desaparecida, chegam pela primeira vez a Echo Ridge encontram uma cidade muito simpática, que os conhece muito bem mas que esconde demasiados segredos sob a sua superfície polida. E tão rápido como a sua passagem pela placa que dá à boas vindas à cidade, os eventos estranhos e directamente relacionados com as rainhas dos bailes de boas vindas (mortas e vivas) recomeçam. 
Mau timing ou a altura perfeita para fechar o círculo que começou com Sarah há mais de 16 anos atrás? 

 Se Ezra é um camaleão que rapidamente se acostuma aos lugares por onde passa, Ellery é mais difícil de convencer, não fosse ela desconfiada de natureza, uma perita em criar teorias criminais depois de tantos anos a ler livros sobre crimes reais e a querer resolver o mistério do desaparecimento da tia. Serão eles parte da investigação ou da nova onda de crimes que assola Acho Ridge?

Uma história que se devora em meia dúzia de horas de leitura e que nos faz pensar que a grande maioria das pessoas tem algo a esconder.

Karen M. MaManus já me tinha cativado com "Um de Nós Mente" mas com este segundo livro veio suspender o meu actual estado de apatia literária. 
E ainda bem...tenho saudades de ler mas não creio que ande a cruzar-me com os livros certos.
O que acharam deste "Dois Guardar um Segredo"?