tag:blogger.com,1999:blog-43910151661665762142024-03-14T18:22:10.268+00:00Efeito dos LivrosA leitura é uma viagem por palavras nacionais, estrangeiras, umas cultas, outras menos, umas mais rebuscadas, outras simplificadas, algumas levam-nos às lágrimas, muitas delas às gargalhadas e as melhores, aquelas que nos deixam abismadas, tamanha é a profundeza da ideia, da genuinidade expositiva, onde a simples contemplação daquelas palavras nos deixa assim: sob o Efeito dos Livros!ElsaRhttp://www.blogger.com/profile/11323667256595346167noreply@blogger.comBlogger3300125tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-73834707023221873392024-02-24T18:10:00.009+00:002024-03-14T18:21:22.539+00:00«O assassino cego» de Margaret Atwood - Opinião<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgk4Z3ZrVwV_ldU1PSqpwDYhY9duAo7oBSOa8oBf-yXLDRBsovJtw-XVVDQzu7vWZb9JYiheVie6dWdROY6Op16ezuLsejIU_ONMvmc2rR93AlhBJdlwXPtIxVUtuL_R-BWvt45_E6Wgtvto4Wn0yObZDkpEGBtDL_YcetcBL4n4ehbhOQAGg5jD6kbZJA/s394/assassino%20cego.png" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="394" data-original-width="272" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgk4Z3ZrVwV_ldU1PSqpwDYhY9duAo7oBSOa8oBf-yXLDRBsovJtw-XVVDQzu7vWZb9JYiheVie6dWdROY6Op16ezuLsejIU_ONMvmc2rR93AlhBJdlwXPtIxVUtuL_R-BWvt45_E6Wgtvto4Wn0yObZDkpEGBtDL_YcetcBL4n4ehbhOQAGg5jD6kbZJA/w221-h320/assassino%20cego.png" width="221" /></a></div><p>“A única forma de escrever a verdade é partir do princípio
que aquilo que se escreve nunca vai ser lido por ninguém. Nem por outra pessoa,
nem mesmo nós próprios, mais tarde. De outra maneira começamos a desculpar-nos
a nós próprios.”</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Esta é a premissa de «O Assassino Cego» onde Iris Chase
escreve para se confessar, mas não pede perdão. Narrada ao ritmo da sua velhice:
<i>“cada vez mais me sinto como uma carta – depositada aqui, recolhida ali. Mas
uma carta que não é dirigida a ninguém.”</i> Ou é, nem que seja a si mesma,
enquanto se ouve a recontar, detalhadamente os acontecimentos. É uma caça às
recordações.<o:p></o:p></p>
<p align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;"><b><i></i></b></p><blockquote style="text-align: center;"><b><i>“Um pássaro vivo
não é a mesma coisa que os seus ossos etiquetados”</i></b></blockquote><b><i><o:p></o:p></i></b><p></p>
<p class="MsoNormal">Nas primeiras cinquenta páginas temos elementos-chave para
toda esta narrativa complexa e descritiva. </p><p class="MsoNormal">As <i>mulheres sem língua</i>,
inchadas por aquilo que as obrigam a calar, é apanágio da época. Calar as
mulheres, casá-las para salvar a honra e as fortunas depenadas das famílias,
entregá-las aos conventos ou <i>só</i> à religião… tudo se justificava pelo
papel submisso e secundário da mulher numa sociedade onde <i>“havia muitos
deuses. Os deuses dão sempre jeito, justificam quase tudo…”</i> ainda assim, a
narradora-protagonista, Iris Chase diz que à luz quente de uma chama, quando
confrontados com a verdade não somos mais que ossos e <i>“Sabe Deus que ossos
roí durante o sono.”</i></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><span></span></p><a name='more'></a><p></p><p class="MsoNormal">Ao longo de quase um século de história, há muito osso para
roer e outros a quem só sobram mesmo os ossos. Existem preocupações de género e
de classe, laborais, sociais e políticas e sobre tantos traços de época, tecidos
numa visão lúcida, mas angulosa, aparentemente o único dado às mulheres, o da
observação. E quem é obrigado a isolar-se e a recatar-se, comportando-se como
uma ilha, pode ganhar a força bruta da Natureza. Dissimulada e misteriosa.
Tentacular. Superior!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">É essa história tentacular, misteriosa, por vezes bruta, por
vezes dissimulada, aparentemente conformada e justificada que viaja em tantos
tempos cronológicos que nos permitirá descobrir que as irmãs Chase têm os seus<i>
lixos</i> como qualquer outra pessoa: <i>“Não a invejo: todas as vidas são um
depósito de lixo mesmo enquanto estão a ser vividas, e ainda mais depois.” </i>E
ainda:<i> “As pessoas de carne e osso nunca conseguem estar à altura da sombra
brilhante lançada pela sua ausência.”<o:p></o:p></i></p>
<p class="MsoNormal">E fica quase tudo dito. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ou não! Pois nem todas as sombras são brilhantes ou delas se
deseja o regresso.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Para contar tudo isto, há um livro dentro de um livro, quase
um século de história convulsa e ainda um mundo fantasiado criado nos momentos
em que dois seres recriam um universo só deles. Só para eles. Tudo numa escrita
que não esconde brilhantismo e um compromisso com a denúncia, mas também com
uma enorme compreensão e empatia pelo que de mais humano existe em todos nós: a
dúvida, a comparação com o outro, o medo, o desespero, a velhice, mas
obviamente também o amor.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Interrogo-me sobre o que será preferível – andarmos a vida
inteira com os nossos segredos até rebentarmos com a pressão, ou que eles nos sejam
sugados, cada parágrafo, cada frase, cada palavra, até no fim ficarmos vazios
de tudo o que foi em tempos tão preciosos (…) tão próximo de nós como a nossa
própria pele – (…) e ter que passar o resto dos nossos dias como um saco vazio
abanando ao vento, um saco vazio com uma etiqueta fluorescente para que toda a
gente saiba que tipo de segredos costumávamos esconder.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E quando aos segredos se junta o dinheiro: <i>“o dinheiro
era-me imputado, da mesma forma que os crimes são imputados àqueles que
simplesmente estão presentes no local.”</i> E no local sempre esteve Iris
Chase, que crimes lhe podem ser imputados?<o:p></o:p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-78848394521956463102024-02-21T17:45:00.006+00:002024-02-22T07:52:59.681+00:00«O vento mudou de direção» de Simone Duarte :: Opinião <div class="separator" style="clear: both;"><span style="text-align: left;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRlfnH7V_ft-o7UMWqgx-7idW_gkkakzEqD0qsLJkFowigOdmvasMytoubeZCvI47Pd7Kky0fVet6iduR_YAEIARTrytmJM5ZHpbwtQM1AU9EsdfcOn6yAp0uA2IKC0lNQj2Ahik2okY4GoGRiEVnmQyl0oT1gdd6DD48waX2Sk-5u4NMQIa9teZtEjG4/s611/capa%20-%20o%20vento%20mudou%20de%20dire%C3%A7%C3%A3o.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="611" data-original-width="408" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRlfnH7V_ft-o7UMWqgx-7idW_gkkakzEqD0qsLJkFowigOdmvasMytoubeZCvI47Pd7Kky0fVet6iduR_YAEIARTrytmJM5ZHpbwtQM1AU9EsdfcOn6yAp0uA2IKC0lNQj2Ahik2okY4GoGRiEVnmQyl0oT1gdd6DD48waX2Sk-5u4NMQIa9teZtEjG4/s320/capa%20-%20o%20vento%20mudou%20de%20dire%C3%A7%C3%A3o.jpg" width="214" /></a></div></span>Os ataques terroristas às Torres Gêmeas geraram ondas de pânico e pavor, de alterações à segurança e ao entendimento que os americanos (e o resto do mundo) têm face aos árabes e aos muçulmanos. Mas mais que tudo, o 11 de Setembro gerou uma Guerra ao Terror levada a cabo pelos Estados Unidos com o maior contingente de sempre a invadir e a permanecer num país estrangeiro, causando uma destruição massiva e um terror tentacular que se estende a diversas geografias para além do Afeganistão, do Iraque e do Paquistão.<span style="text-align: left;"> </span></div><p></p><div>Em «O vento mudou de direção», Simone Duarte narra isso mesmo, a realidade tentacular dos efeitos colaterais de um atentado com consequências devastadoras: "Os americanos tiveram um 11 de Setembro. Nós continuamos a viver o nosso 11 de Setembro até hoje."</div><div><br /></div><div>Esse «nós» são sete pessoas específicas que a jornalista entrevistou e conheceu, denunciando aqui como a realidade destas pessoas, representa infâncias, juventudes, profissões, famílias, sonhos, futuros... países, totalmente estilhaçados e hipotecados. Vítimas esquecidas, perdidas entre o medo e o terror paralisante de quem teve a guerra à porta de casa. Vítimas resgatadas mas atiradas para os meandros de uma imigração forçada. Refugiados para quem mudou tudo e não encontram referências em nada. Cidadãos de países em risco de se transformarem para sempre e com eles, o destino de todas estas pessoas.</div><div><br /></div><div><blockquote>"Entrou no país com um visto que só tinha validade de 10 dias. O prazo havia expirado e ela precisou de decidir entre voltar para Cabul sob a ameaça diária de atentados suicidas ou ficar num país em que o medo não a paralisaria. Não haveria outra hipótese. Só não imaginou que passaria esta primeira noite na cadeia." (Gawhar, Viena 2016)</blockquote></div><span><a name='more'></a></span><div><br /></div><div>É de salientar aquilo que parece apenas um detalhe, o de <i>ficar num país em que o medo não a paralisaria. </i>Ou seja, havia medo. O medo nunca abandona estas pessoas. Um medo imenso, de vidas que se vivem em suspenso perante o risco de deportação, perante a incerteza de como os serviço de cada país poderão, ou não, interpretar como urgente e necessário o pedido de asilo.</div><div><br /></div><div>São esses diferentes medos, os de quem ficou, de quem partiu, de quem regressou - ou foi obrigado a fazê-lo; de quem lutou ou foi recrutado, aliciado, enganado... São tantas as nuances que Simone Duarte quis dar a conhecer que o retrato fica mais completo, mas não menos complexo. O 11 de Setembro tem um fio condutor para várias décadas que o antecedem. E precedem. Aliás, precederão. </div><div><br /></div><div><blockquote>"Esta guerra era assustadora mesmo para quem havia crescido «à velocidade da guerra», como Faleeha escreveria num dos seus poemas. Era mais assustadora do que as de Saddam Hussein contra o Irão, o Kuwait, os curdos. Pela primeira vez, as mulheres, acostumadas a mandar os maridos, os filhos e os pais para o combate, estavam no campo de batalha. A guerra tinha chegado a casa." (Faleeha, Najaf, Iraque, Março de 2003)</blockquote></div><div><br /></div><div>A Faleeha aqui referida, é a poeta iraquiana, Faleeha Hassan. Este livro é feito de gente incógnita, como os milhares de migrantes que compõem as diversas crises humanitárias, mas de outros mais conhecidos, como o jornalista jordano, Baker Atyani, a quem Bin Laden concedeu entrevista pouco antes dos atentados ou do general Ehsan Ul-Haq, ex-espião-chefe do equivalente à CIA paquistanesa. </div><div><br /></div><div>Duarte não estabelece nenhuma hierarquia nos relatos, não dá destaque a nenhum deles, aliás só lhes atribuí sobrenomes quase no final do livro e a nossa curiosidade pode nos fazer ir pesquisar antes disso, mas o relato é intenso e interessante o suficiente apenas para ficarmos pelo <i>enredo </i>do livro. Aquilo que cada um deles revela, espelha um antes e um pós-11 de Setembro e mesmo nos detalhes que já conhecemos, não ficamos menos perplexos perante a complexidade das memórias e dos sentimentos.</div><div><br /></div><div></div><blockquote><div>"O problema não era a religião, mas a obsessão com o poder. A sentença de morte para quem Saddam considerava inimigo ia até ao quarto grau de parentesco." (Gena)</div><div><br /></div><div>"(...) lia e recitava o Alcorão em árabe de cor apesar de não entender uma palavra do que estava a ler." (Ahmer, ainda criança 13 anos a ser doutrinado para se tornar num bombista suicida) </div><div><br /></div><div>"A vida sempre deu luta. Se a língua está amarrada á memória e ao lugar onde vive, ela quer criar as suas memórias em inglês." (Faleeha, Filadélfia, Estados Unidos, 6 de Novembro de 2019)</div></blockquote><div></div><div><br /></div><div>Escapar ou ficar tem um sabor amargo, a derrota, a sobrevivência e a medo, sempre o medo e a perseguição. E as perseguições têm tantas caras... como a da vizinha que retirou as escadas de acesso ao primeiro andar e confinou a família de Faleeha por três dias, totalmente dependentes do que ela pudesse ou quisesse fazer por eles. </div><div><br /></div><div>As conclusões sobre esta leitura podem ser diversas, mas a do desconhecimento do outro é a maior!</div>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-39842829142090722882024-02-08T07:53:00.243+00:002024-02-22T09:29:30.516+00:00«Poeta Chileno» de Alejandro Zambra - Opinião<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgz3X_qFP2Sfj8mAz8PfBOiXMI29zuZMQAdBIqCBWa91XxOAISiNIxUcWvCBtX3HOqXRRS4rRW6W5Spa0KuOT1bvHUkfuHqYK5_X74SVgLwdXjHfwulPYCRgi1arP66RbzLy4CdS0Y5U0WXk3W2FwVeh_06zt8MEvKM5bYyqJNbVcLK_V_81e4Ufkx2E70/s409/Poeta-Chileno-capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="409" data-original-width="270" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgz3X_qFP2Sfj8mAz8PfBOiXMI29zuZMQAdBIqCBWa91XxOAISiNIxUcWvCBtX3HOqXRRS4rRW6W5Spa0KuOT1bvHUkfuHqYK5_X74SVgLwdXjHfwulPYCRgi1arP66RbzLy4CdS0Y5U0WXk3W2FwVeh_06zt8MEvKM5bYyqJNbVcLK_V_81e4Ufkx2E70/s320/Poeta-Chileno-capa.jpg" width="211" /></a></div>A forma como chegamos a cada livro é quase tão importante como a leitura em si. Cada vez mais acredito que as expectativas e as histórias em redor de um livro, tema ou autor, podem determinar o rumo de uma leitura. Tanto que por vezes nem lemos o que lá está. Lemos o que achámos que íamos ler. Parece complexo, mas é essencialmente o poder da influência e claro, da auto-sugestão. Quando a coisa começa a correr de outra forma, a opinião enviesa e a leitura sofre com isso.<p></p><p>Quando ouvi falar deste livro, pela voz de Giovana Madalosso em <a href="https://www.youtube.com/watch?v=DJzZqJPnCfo" target="_blank">conversa</a> com Mariana Alvim, a forma como a autora brasileira descreveu aquela relação fragmentada entre pai e filho, eu fiz (só pode!) todo um desenho do livro na minha cabeça com o bónus de ter um gato à mistura. Sobre o livro propriamente dito eu não fui ler nada, a recomendação sentida e entusiasta chegou, especialmente porque eu tinha lido há pouco - e gostado muito - de «Tudo pode ser roubado», portanto o livro de Alejandro Zambra só podia ser bom.</p><p>E foi! </p><p>Só não foi mais por culpa desta impaciência que eu às vezes deixo que tome conta das leituras, mas que felizmente já se amenizou quando eu vou escrever e quando me deparo novamente com o texto, com detalhes que eu mesma sublinhei, com passagens que eu marquei, toda uma selecção de momentos que me dão um novo olhar sobre o livro. É um olhar melhor. E aí apercebo-me de que gostei mais ainda da leitura e li efectivamente o que lá estava. A citação abaixo é a prova disso.<span></span></p><a name='more'></a><p></p><span></span><p></p><blockquote>"Devia ter começado com um balbucio, deveria ter aterrado numa qualquer imagem que lhe permitisse avançar pouco a pouco até às frases radicais e cálidas, compatíveis com a lembrança, que lhes ferviam na cabeça. Mas era como se falassem línguas diferentes. Gonzalo falava numa língua que constava exclusivamente de frases finais, uma língua que causava dano, uma língua obscura e mortífera, ao passo que Vicente falava numa língua incorrupta, de palavras hesitantes e vivas, de frases tateantes que começavam e continuavam indefinidamente."</blockquote><p></p><p>Esta passagem também espelha bem o outro lado do livro: o da busca pela definição do que é um poeta. Porque o poeta está lá. Em desenvolvimento. Como metáfora para a descoberta da paternidade e com ela uma maturidade que Gonzalo nem sabia que procurava. E o homem-pai vai crescendo, com referências e considerações sobre ser poeta e escrever. Sobre estar à margem, tão mais à margem que o próprio acto da escrita de um romance. Ser poeta no Chile é ser poeta num país de poetas nobelizados e essa preocupação é sentida. Notória. Ser pai é difícil e ser padrasto também. </p><p>Ainda assim o aspirante Gonzalo (a poeta e a pai) tem a coragem de levar o seu nome até à estante dos poetas, como tem a coragem de atravessar o caminho de Carla, de Vicente e da gata <i>Oscuridad </i>e conseguir que formem uma <i>familiastra </i>funcional e feliz, revelando que as relações são um somatório daquilo que cada um tem de seu e só isso pode dar. Mesmo quando parte do que tem é belo, mas esconde-o. Cala-o!</p><div style="text-align: left;"><blockquote>"Deviam ter-se despedido, teria sido perfeitamente possível que a coisa ficasse por ali, como um episódio mesmo à medida de ser arquivado no prontuário das noites loucas, mas Gonzalo disse que vivia três quarteirões mais à frente e ela aceitou ir com ele. (...)<br />Quando a alvorada o surpreendia em movimento, Gonzalo costumava pensar que havia um qualquer vínculo entre o nascimento da claridade e o próprio facto de andar, como se o caminhante fosse, de certa forma, responsável pela alvorada, ou pelo contrário: como se a alvorada gerasse o movimento dos pés no passeio. Esteve prestes a dizer isso mesmo a Carla - não tinha a certeza de conseguir explicar-lho, temia enlear-se (...)"</blockquote><p>E enleados, lá vamos.</p><p>As palavras são muitas, as certezas e as angústias também, os livros, os autores, os poemas escolhidos... é até ficarmos perdidos, mais as considerações sobre as bibliotecas, a educação, a paternidade e o amor. Sentimentos que não escolhem se são de raça ou rafeiros, se mais fieis ou mais esquivos como os amigos de quatro patas. O certo é que nem tudo é domesticável: memórias, ressentimentos ou revelações. Certo é também que muito do que somos e trazemos na nossa vida, vem dos outros que passaram por nós e aí também estão os livros, com todas as contradições do que sentimos por eles, antes, durante e depois. </p><p>Deste livro ficam-me ainda mais três ou quatro coisas: um poema de Carlos de Rokha e algumas palavras de <a href="https://revistaacrobata.com.br/florianomartin/atlas-lirico-da-america-hispanica/3-poemas-de-jorge-teillier-chile-1935-1996/" target="_blank">Jorge Teillier</a>, a vontade de ler «Parece uma Tolice» entre outros contos de Raymond Carver em «A Catedral» e a melhor e mais criativa explicação sobre a existência do Pai Natal.</p></div><p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-25853652482530764432024-02-04T13:04:00.000+00:002024-02-14T23:15:03.285+00:00 «Pequena coreografia do adeus» de Aline Bei – Opinião<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCgt2cWkRcksIhlkla3PfiUYnxMPsA3G-nr3K2_Tw2km39UJdZHz6jpvzbi-z0iWsZJ1gVYDcMB85ntuvwDP-9DYwd-2kJsj2VoZwPE8SV7ZvyK-bNOy4MXLtNNwz3hkhispELXeOnyDhkf0LW-2xrM5zsbWTYvg6o3Gs-SuILkxE9VYjc9pZAlltHRCo/s582/aline%20bei%20-%20capa.png" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="582" data-original-width="398" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgCgt2cWkRcksIhlkla3PfiUYnxMPsA3G-nr3K2_Tw2km39UJdZHz6jpvzbi-z0iWsZJ1gVYDcMB85ntuvwDP-9DYwd-2kJsj2VoZwPE8SV7ZvyK-bNOy4MXLtNNwz3hkhispELXeOnyDhkf0LW-2xrM5zsbWTYvg6o3Gs-SuILkxE9VYjc9pZAlltHRCo/s320/aline%20bei%20-%20capa.png" width="219" /></a></div>Uma garota que deseja ser uma música bonita que desparece
quando é rádio é desligado, pede ao espelho que não se apaixone por ela. Mas
cedo vai descobrir que mesmo sem espelho, mesmo invisível, as são coisas
existem e doem. E que mesmo as coisas bonitas se fazem em cacos, como aqueles
que colecciona.<div><br /><i>“as brigas dos meus pais foram virando o chão onde pisávamos.<br />o silencio da casa era sempre uma fermentação.” </i>
<p class="MsoNormal">Decepção atrás de decepção.</p><i>“(…) uma conversa em família<br />Nunca foi possível, não em minha casa<br />Lá somos três solitários <br />Irreversíveis<br />Gravemente feridos<br />Da guerra que travamos contra nós.” </i><br /><p class="MsoNormal">Abandono atrás de abandono. Numa solidão que povoa tudo, Júlia cresce.</p><i>“sentia-me um verdadeiro Pêndulo: ora caminhando<br />solenemente para a presença materna, ora fugindo<br />de qualquer possibilidade de mãe.”</i><p class="MsoNormal">Caco atrás de caco, o Pêndulo sente-se um amontoado de destroços, mas mesmo os cacos fermentam, na linha ou cola
que os une e mesmo nos destroços entra luz e gera vida e a família cresce mesmo
só com uma. Ela! Júlia, cresce e floresce e vai
escolhendo quem quer ter por perto, aprendendo a gerir distâncias e expectativas.</p><i>“os estranhos não nos doem porque ainda não nos dececionaram<br />e se mantivermos tudo a uma boa distância: seguirão sendo<br />essa doce incógnita.”</i><p class="MsoNormal">Porém a vida não pode acontecer com tudo à distância, é
preciso <i>ir ensaiando pequenas coreografias de adeus.<o:p></o:p></i></p></div>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-6658987774374253032024-01-24T22:35:00.000+00:002024-02-14T22:42:24.907+00:00«Temporada de Furacões» de Fernanda Melchor :: Opinião<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVMqRFKw8CTKw4DKdFAKwM8lgzXcIw_zahyvx74uOjHdhf_IWXIinvYlAjF_TWMUhTgkOXNlMl_Z6qiNRJXgVpN7NVzq8bm0nt_zyXDW6tEpMuWX4na3rkA6us0PT704sOx1hBtCnvJ2S3EFgeu5FviwzXkcJzEmqttMNou6hEKhU_WdZWV2i6Kl-zkac/s2560/temporada-de-furacoes-capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2560" data-original-width="1688" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVMqRFKw8CTKw4DKdFAKwM8lgzXcIw_zahyvx74uOjHdhf_IWXIinvYlAjF_TWMUhTgkOXNlMl_Z6qiNRJXgVpN7NVzq8bm0nt_zyXDW6tEpMuWX4na3rkA6us0PT704sOx1hBtCnvJ2S3EFgeu5FviwzXkcJzEmqttMNou6hEKhU_WdZWV2i6Kl-zkac/w211-h320/temporada-de-furacoes-capa.jpg" width="211" /></a></div>«Temporada de Furacões» de Fernanda Melchor é uma narrativa
gargantuesca que se desenrola a um ritmo frenético, não só pela forma como os
eventos acontecem (pelo menos até certa parte), mas pela escrita de Melchor, uma
escrita de tirar o fôlego, como se subíssemos uma escadaria enorme.
Interminável. Onde cada degrau é bem maior que o anterior e precisamos sempre
de balanço para continuar a subir. As frases – <u>e sim, as frases</u> – muitas
delas são de mais de uma página e narram uma enorme miséria, sofrimento e
violência, mas ao mesmo tempo demonstram a riqueza bruta da escrita da autora.<p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A escrita é o furacão!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“(…) com os cabelos despenteados e as faces rosadas pela
emoção, as mulheres da terra benziam-se porque podiam imaginá-la nua, a montar
o diabo e a afundar-se na sua verga grotesca até à empunhadura, com o sémen do
diabo a escorrer-lhe pelas coxas, vermelho como lava, ou verde e espesso como
as mistelas que borbulhavam no caldeirão em cima do lume e que a Bruxa dava a
beber às colheradas para as curar dos seus males…” <span></span></p><a name='more'></a><p></p>
<p class="MsoNormal">É entre Bruxas e descendentes de bruxedos que o leitor
andará perdido, entre vilarejos espremidos pelas agruras do progresso e mitos,
tradições e flagelos, tantos flagelos que castigam cada personagem desde o
ventre até à cova. Por isso não é de admirar que a banda sonora deste livro
possa ser «La Llorona», podemos pô-la em <i>repeat</i> e em todas as versões
possíveis. Aliás, recordada a letra desta canção intemporal, encontramos quase um
resumo deste livro.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">O desespero e o suplício de alguns é tão permanente que
mesmo a escrita de força ciclónica da autora não chega para descrevê-los, por
isso ela reforça-o com descrições da natureza que os rodeia e influencia.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Porque de repente o céu ficou negro, encheu-se de nuvens
que um vento súbito atirou contra os montes, fustigando o canavial contra o
chão, e ele pensou que já não tardaria a cair a chuva, e até viu muito bem como
das nuvens escuras surgia de repente um raio mudo que caía sobre uma árvore que
ficou queimada em absoluto silêncio, um silêncio tão espesso que por momentos ele
até pensou que tinha ficado surdo porque a única coisa que conseguia ouvir era
uma espécie de zunido seco…”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Zunido esse que ecoa na cabeça do leitor e tem um efeito ensurdecedor
quanto mais o livro avança e com ele paira o prenúncio de uma tragédia. A
tragédia. Uma muito maior que todas as que vemos acontecer, como pequenos fogos
por todo o lado que acabarão por se unir.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E somos testemunha das várias versões, por isso antecipamos diversas
vezes o horror. Repetimos diversas vezes o desfecho, os abandonos agigantam-se
e derramam-se a tudo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“(…) ou pior ainda, o frasco se partiria e a beberagem
derramar-se-ia sobre a terra sedenta, ou ainda mais terrível, que da escuridão
surgiria um desses seres malignos que habitavam os bosques das histórias, um <i>chaneque</i>
de rosto enrugado e cabelos ralos que lhes lançaria um esconjuro para as
enlouquecer, ou para as fazer caminhar em círculos por aquele caminho escuro
por toda a eternidade, entre o zumbido enlouquecido das cigarras…”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Não sabemos se foi <i>chaneque</i>, se a beberagem ou uma
granada acabada de despoletar, mas o zunido permanece mesmo depois de fecharmos
o livro. Saímos moídos. Vimos a história engordar a espinhos, calor, álcool e
muita droga, vimos também o desamor, a desconfiança, a violência… as pessoas. Vemos
mesmo as pessoas e é assustador ver tantas vidas desperdiçadas naquele que é um
retrato que revela raiva, mas também muita angústia de quem se pergunta se a
escuridão dura para sempre. <o:p></o:p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-11906867958790980592024-01-15T12:56:00.000+00:002024-02-09T14:16:47.206+00:00«Limpa» de Alia Trabucco Zéran :: Opinião<div style="text-align: left;"></div><blockquote></blockquote>"A mulher ficou calada.<br />Ele pediu-lhe por favor.<br />Ela levantou-se, ajeitou a saia, pegou no casaco e na mala.<br />- O que define uma tragédia - disse a mulher -, é que sabemos sempre como acaba."<br /><br />Podia escolher o epílogo com as palavras de Camus, mas estas são tão ou mais agitadoras, quantas as vezes forem recordadas ao longo da leitura.<div><br /><div> <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimkIAYdYM5K65Jefx33iNuB8bqqxBJfWvQ4mRgKaw-AiuN-aYkiG1sUMLplV1vtBHSY1duzTv8Fuf6c_am8tTThEIBTC6YNp_szEVYEUzI1OJXHno3HpP732Kdwj7JjVwSIKIp-Wo4GuPV9FRCR5K7Y94wKVj-UGYRa8ptg6Lddu0k3l9eO9THZOCuE1k/s2560/LIMPA-capa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2560" data-original-width="1690" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimkIAYdYM5K65Jefx33iNuB8bqqxBJfWvQ4mRgKaw-AiuN-aYkiG1sUMLplV1vtBHSY1duzTv8Fuf6c_am8tTThEIBTC6YNp_szEVYEUzI1OJXHno3HpP732Kdwj7JjVwSIKIp-Wo4GuPV9FRCR5K7Y94wKVj-UGYRa8ptg6Lddu0k3l9eO9THZOCuE1k/s320/LIMPA-capa.jpg" width="211" /></a></div><div>A senhora dona Mara López:</div>"Havia qualquer coisa nela. Era como um... deixem-me pensar. Um desapego. Ou não. Essa não é a melhor palavra. Um desprezo, é isso. Como se todos a aborrecessem ou lhe repugnasse todo e qualquer tipo de cumplicidade. Pelo menos era essa a sua aparência. A máscara que cuidadosamente colocava todas as manhãs."<div><br /><div style="text-align: left;">O senhor doutor Jensen:</div><div style="text-align: left;">"Não sei descrevê-lo melhor, talvez vocês me possam ajudar. Como definiriam uma pessoa que não fuma, que quase não bebe, que antes e pronunciar uma palavra a pesa e calcula, de forma a evitar exageros que o façam perder tempo. Um homem obcecado pelo tempo. (...) uma perpétua contagem decrescente."</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Falta apresentar a menina. A patroa mais pequena. </div><div style="text-align: left;">A menina morreu. </div><div style="text-align: left;">Sim a meninas está morta. A história pode ter vários inícios, mas o desfecho é esse. A menina morreu. A menina filha dos patrões está morta!</div><div style="text-align: left;"><br /></div><span><a name='more'></a></span><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Quem <i><span style="font-size: medium;">limpa </span></i>irá guiar-nos pelos eventos que levaram até o culminar da história <u>em tragédia</u>. E desde cedo, bem cedo, a tragédia é mais que evidente, mas se o leitor tiver pressa em conhecê-los... «Quem tem pressa perde tempo...»</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">As palavras não são de Estela García, quem <i><span style="font-size: medium;">limpa</span></i>. A empregada. De boa presença, a tempo inteiro. Como dizia o anúncio. As palavras são da mãe de Estela, ou Estelita, cuja mãe sempre tentou afastar do trabalho doméstico. Em vão. A mãe também a avisava que não se pode vencer o tempo. Talvez também não se possa vencer o destino. Tempo e destino, marcados desde a nascença. Um alerta dado ao leitor logo nas primeiras páginas, como também lhe é dito que precisará de tempo (e paciência) para conhecer a menina e quem trata dela. Quem <i><span style="font-size: medium;">limpa.</span></i> Terá que ter paciência, como tem, quem faz o trabalho doméstico; um trabalho que nunca termina. Um trabalho ao qual se junta a tarefa de educar, de mimar, de apaparicar as crianças que parecem surgir como mais uma tarefa a desempenhar num trabalho a tempo inteiro. De interna. De quem <i><span style="font-size: medium;">limpa</span></i> e tem (apenas!) direito a um quartinho nos fundos, exíguo, sufocante. Mas a menina, Julia, precisaria de mais do que boa presença e a tempo inteiro, ela precisaria... daquilo que o leitor irá adivinhando nas entrelinhas do que é dito ou do tanto mais que fica por dizer.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">"Não chorou quando nasceu, sabiam? O senhor brincava com esse silêncio sempre que ela esperneava. Quando não conseguia acalmar os berros da sua filha arisca, ele e a mulher recordavam que ela se tinha mantido em silêncio durante os primeiros dias de vida. Como se ninguém lhe fizesse falta. Como se estivesse satisfeita."</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Enquanto lemos «Limpa» a sensação de estranheza vai galgando ao mesmo tempo que o temor, entre tantas outras sensações e emoções. O livro de Alia Zéran é um organismo vivo, tentacular, que nos vai apertando. Queremos avançar e saber mais. É impossível ficar sem saber mais. Mas tememos o <i>mais </i>que se avizinha. Adivinha-se, sem grande esforço, que um <i>mais </i>que irá subtrair estas vida já esmifradas de sentido. Vidas espremidas em prol da falsa aprovação. </div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">"Mais do que uma vez me interroguei quem seriam vocês. Se por acaso, aproximando-me do vidro, conseguiria ver as vossas expressões. Mas por mais que me aproxime só vejo o meu reflexo. Então, olho para os meus olhos, para a minha boca, para as primeiras rugas na testa e fico a pensar se o cansaço não será uma etapa e se algum dia, no futuro, recuperarei a cara que costumava ter.</div><div style="text-align: left;">(...) </div><div style="text-align: left;">Pareceu-me ouvir um barulho desse lado. Foi um bocejo? Pareço-vos um livro de receitas? É verdade, a vida era isto: frango, cartilagens, tentar que as batatas não se pegassem ao fundo, que a loucura não se colasse ao crânio, que os olhos não saíssem das órbitas."</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Somos interpelados diversas vezes por esta mulher. Ela <i><span style="font-size: medium;">limpa </span></i>e mesmo que por muito <i><span style="font-size: medium;">limpa </span></i>que seja, a sujidade, a exigência e as memórias felizes já fugidias, estão a afundá-la na tristeza e loucura, aumentando a invisibilidade que a sua função lhe vestiu, mas mesmo quando ela narra a beleza, evocando memórias, como o nome e o cheiro das árvores e o cacarejar das galinhas na terra, na sua terra, onde quase era capaz de jurar que ouvia o som das nuvens a roçar umas nas outras. A beleza é grande, do cenário e da escrita. E a beleza desse detalhe faz-nos parar para contemplarmos a a ideia. A beleza e a criatividade, mas rapidamente voltamos em busca do enredo. É escarafunchar na dor, na perda, perseguindo a tragédia, porque a nossa maior loucura, a nossa, a de todos, é focarmo-nos mais da dor do que na beleza, deixando que a realidade exista muito. Se imponha, tal como certas pessoas parecem existir mais do que outras. E seguimos contagiados. Bocejamos por inveja, sorrimos por osmose, devolvemos favores, mas e os sacrifícios? </div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">«Os sacrifícios não se devolvem» </div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Mais uma vez as palavras são da mãe de Lita. A Estela raramente nomeada. Basta saberem que é quem <i><span style="font-size: medium;">limpa</span></i>. A empregada invisível que vai perdendo o nome, as expressões, a forma, a que mal se lembra de como era. Mal se lembra de si. A que esqueceu que os sacrifícios não se devolvem, não porque não se possam mesmo devolver, mas porque vão perdendo os destinatários.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">"O tempo foi passando, não sei quanto tempo, mas não foi suficiente. A alegria é sempre pouca, escrevam isso aí num cantinho." (Estela)</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><span style="font-size: xx-small;"><i></i></span></div></div></div></div>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-19169355938175841872024-01-12T21:55:00.001+00:002024-02-08T22:49:38.676+00:00«Lucy à beira-mar» de Elizabeth Strout :: Opinião<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="2560" data-original-width="1655" height="278" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXu79luyCUrgXosxSMso-aghZUmlr4iOZqubPji8wlm5dey9140qlYjFVCH9q2TqKSJORCsH7V-XBup0WYTDdH31zTSi1QPUpNrXBkgGQvtBGg_VJkORAuWgc04g7IjZVJXx5EMKXvfK5HL_klpufra3CgJRuU_W_8mA8aIP-vNoYU74PeQIg2KpZk8Ms/w179-h278/capa-Lucy.jpg" width="179" /></div><br /><p></p><p></p><blockquote><div style="text-align: left;">"A tristeza no meu peito parecia subir e descer de acordo com... com o quê? Não sabia.<br />E o tempo mantinha-se frio, lúgubre.<br />Sobre o meu trabalho, eu pensava: nunca mais escrevo uma única palavra."</div></blockquote><p>Mas ainda bem que escreveu! Ainda bem que Elizabeth Strout continuou este saga de Lucy Barton, pois para mim é como reencontrar <i>pessoas </i>que conheço (que vou conhecendo e de quem gosto) e sinto que me conhecem a mim, tal é a forma brilhante como a autora consegue captar sentimentos e sensações, narrando esta coisa de amar que em tanto parece diferente, mas que facilmente encontra semelhantes.</p><p></p><blockquote><div style="text-align: left;">"Quase sempre, predominava a tal sensação de estar debaixo de água; de nada me parecer de verdade.<br />(...) A tristeza que subia e descia em mim era como as marés."</div></blockquote><p></p><p>Foi dessa forma que a pandemia invadiu as nossas vidas, mergulhando-nos a todos em dúvidas e preocupações, afastando-nos com uma onda esmagadora que só pela força das marés seguintes quis contrariar o que poderia ser o destino e foi-nos deixando recuperar aos poucos. E é precisamente sobre afastamento e reaproximação que Strout nos fala neste quarto livro onde reencontramos Lucy e William, as filhas do casal e as memórias que teimam em surgir numa época mais que propícia a isso: o confinamento. </p><p></p><blockquote>"«A minha infância inteira foi um confinamento. Nunca via ninguém e nunca ia a lado nenhum.» E a verdade desta constatação atingiu-me em cheio nos intestinos e o William olhou simplesmente para mim e respondeu: «Eu sei, Lucy.» Disse-o de maneira automática, sem pensar nas minhas palavras, pelo menos foi o que achei."</blockquote><p></p><p>Algumas dessas memórias permitem atravessar melhor esses dias quase desertos, outras bem que podiam não ter sido convocadas. Por isso, a pandemia afectou-nos de formas tão díspares. E uso sempre tempos verbais que me incluam, porque os livros de Strout são isso mesmo, viagens que fazemos com estes personagens que vão dentro de nós. </p><p>"O Sol ia alto no céu azul, perto dele as nuvens brancas pareciam entufadas e, de repente, num ápice, o Sol escondeu-se atrás de uma das nuvens e alterou a aparência do mundo (...)"</p><p>O Sol aqui é a escrita de Strout, exímia em evocar nuvens que transformam pequenos entendimentos do nosso mundo, nem que seja o nosso pequeno-mundo-bolha de leitor.</p><p>*</p><p><b><u>Opiniões anteriores:</u></b></p><p>- «<a href="https://deusmelivro.com/mil-folhas/oh-william-elizabeth-strout-23-6-2023/" target="_blank">Oh, William!</a>»</p><p>- «<a href="https://efeitodoslivros.blogspot.com/2018/04/tudo-e-possivel-de-elizabeth-strout.html" target="_blank">Tudo é possível</a>»</p><p>- «<a href="https://efeitodoslivros.blogspot.com/2016/11/o-meu-nome-e-lucy-barton-de-elizabeth.html" target="_blank">O meu nome é Lucy Barton</a>»</p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-75187433102411333382023-12-22T19:47:00.000+00:002024-01-08T19:54:24.815+00:00Em balanços, listas, embrulhos e preparações...<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhT7AWKXQm4QM3Rzzg1TfmTB9qwxRWabo7XFjQfSQ8Fd9o5sG_-0I9IB_eYSRzefLsG90R_u6M7PT59vzhl9_uP9TLDY3Eo-OhrLJUvf_9hHDftjVTKGte-z4sibtlQOuF2d3Z25jKJLGgt54wMRBSCuz3qjHeMYZNjXlp6xa6HZIhpJY_7SalfN00axJI/s1358/WhatsApp%20Image%202024-01-08%20at%2019.47.45.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1358" data-original-width="1070" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhT7AWKXQm4QM3Rzzg1TfmTB9qwxRWabo7XFjQfSQ8Fd9o5sG_-0I9IB_eYSRzefLsG90R_u6M7PT59vzhl9_uP9TLDY3Eo-OhrLJUvf_9hHDftjVTKGte-z4sibtlQOuF2d3Z25jKJLGgt54wMRBSCuz3qjHeMYZNjXlp6xa6HZIhpJY_7SalfN00axJI/w315-h400/WhatsApp%20Image%202024-01-08%20at%2019.47.45.jpeg" width="315" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">*</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxuwCky2qw4SHNkvVSxgcXpLfKaNbfN13XH_mXdHx-oOekiL7QfhzQghvs2KMUau_dRKJMhYkLMVC0bQwmeli07-Qy0n3wH4CsY1L3u8yPoBW773Ief6m0h0EiIiyThCq33NXBj64wFx47So1bfoI8TINJwVgqXMpeBf4z3VQ-qxKrmoM0SrXg1oHuhzA/s969/quadradinho%20Blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="969" data-original-width="967" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxuwCky2qw4SHNkvVSxgcXpLfKaNbfN13XH_mXdHx-oOekiL7QfhzQghvs2KMUau_dRKJMhYkLMVC0bQwmeli07-Qy0n3wH4CsY1L3u8yPoBW773Ief6m0h0EiIiyThCq33NXBj64wFx47So1bfoI8TINJwVgqXMpeBf4z3VQ-qxKrmoM0SrXg1oHuhzA/s320/quadradinho%20Blog.jpg" width="319" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-28832045578911779532023-12-08T22:32:00.016+00:002024-01-18T22:40:40.169+00:00«Pedro Páramo» de Juan Rulfo :: Opinião<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="410" data-original-width="671" height="245" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjiXhisBAVd-Pb3__igi8iJ3lsuWyuhTqH_6qJsPFrDMDeEPRxnkWg6jrDAdNma3MDxKRlgKm7SoIgHMMylT_smt4VN2OvwaywltzJeWNyJhAP6Ld0_CXwQvYrNduVtnp_tI_ZalwB9_qzDGVzFERJAgxjX_JhVN4Q7Z23sDDnL5evPxT0GmhSQKuZ0wr4/w400-h245/Sem%20T%C3%ADtulo.png" width="400" /></div>
<p class="MsoNormal">“(…) não há nomes próprios mais próprios do que os das
pessoas dos seus livros.” Diz-nos Gabriel Garcia Marques nas breves notas
nostálgicas sobre Juan Rulfo e é com essa enaltação e o entusiasmo da leitura
que o leitor pode começar a embrenhar-se nesse clássico. É claro que é um
clássico e o nobel coloca Rulfo do panteão dos grandes. Um génio na forma e na
estrutura, nos diálogos, nas cenas, na composição de cenários com apenas uma
mancheia de palavras. Não lhe escapa nada. Nem os nomes dos personagens fogem da
sua genialidade. Antes pelo contrário.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Só há um senão em “Pedro Páramo”, as almas penam ou são
penadas?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“- Este mundo, que nos aperta por todos os lados, que vai
esvaziando punhados do nosso pó aqui e ali, desfazendo-nos em pedaços como se
orvalhasse a terra com o nosso sangue. Que fazemos nós? Porque nos apodreceu a
alma?” (pp105)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Avistamos Comala, ainda vivos, embora cambados como um
sapato velho, devido à longa viagem em “tempo da canícula, quando o ar de
Agosto sopra quente, envenenado pelo odor putrefacto.” A visão ao longe é
triste e cinzenta, puro calor sem ar e o Almocreve diz que em Comala ainda será
pior.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Com os diálogos e as descrições do que vê, o narrador
coloca-nos junto dele desde o início. E logo aí há um aviso, desceremos a um
lugar desolado, vazio, assombrado. Os mortos daquela terra, quando chegam ao
Inferno, voltam amiúde a procurar o calor a que estão habituados.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Tudo naquele local é feio, retorcido, fétido, pobre, duro.
Tudo contrasta com as memórias da mãe de Juan Preciado. O verde, os pastos, as
searas… tudo secou. Tudo morreu. Aparentemente como tudo o resto. O que não
pereceu, ensandeceu. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“A cama era de verga, coberta com mantas que cheiravam a
urina, como se nunca tivessem sido arejadas ao sol; e a almofada era um
enxergão cheio de cotão ou de uma lã tão dura ou tão suada que endurecera como
madeira.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A sujidade, a traição, o medo, a violência, as dificuldades
e os abusos constantes por anos a fio, espremeram as gentes de Comala até ao
tutano. Juan não fugirá à sina dos daquela terra, enrijecerá de medo, mas não
resistirá. Entretanto o leitor, vai emudecendo e ficando sem fôlego, lendo
abruptamente as cenas que sucedem umas atrás das outras, cruzando épocas e
histórias, para se perder e logo a seguir se achar, ou achar que se achou entre
almas perdidas e histórias ainda mais de perdição. <o:p></o:p></p>
<div style="text-align: left;">“E, para cúmulo, a aldeia foi ficando deserta; todos se
fizeram à estrada para novos rumos e com eles partiu também a caridade de que
eu vivia. Sentei-me à espera da morte.<br />(…)<br />- Lá fora, o tempo deve estar a mudar. A minha mãe dizia-me
que mal começava a chover tudo se enchia de luzes e do cheiro verde dos
rebentos. (…)<br />- Não sei, Juan Preciado. Há já tantos anos que não erguia a
cara que me esqueci do céu. E ainda que o tivesse feito, que teria eu ganho? O
céu está tão alto e os meus olhos tão sem olhar que vivia contente só por saber
onde ficava a terra.”</div><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A brilhar nesta Comala só a escrita de Rulfo, visível em
cada descrição dos seus personagens, embora na maioria seja irreparáveis, mas
arrebatadores. A mudança constante dos tempos em que acção decorre, entre
memórias dos que sofreram às mãos do cacique, desfiguram a imagem de Pedro
Páramo, um príncipe, um conquistador, um Maquievel senhorial, capaz de cometer
as crueldades de um só golpe, mas distribuindo ódio e violência por todos, um
por um, quase ninguém lhe escapou.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Quisera adivinhar os seus pensamentos e ver a batalha
daquele coração para rejeitar as imagens que ele semeava dentro dela.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Em batalha andamos nós leitores, descodificando como tudo
desmorona, até mesmo Pedro Páramo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Pedro Páramo, a personagem, é uma personagem de epopeia. O
seu romance, aquele que tem o seu nome, é um mito que despoja a personagem do
seu carácter épico” («Rulfo, o tempo do mito» por Carlos Fuentes)</p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-64945144830582080712023-11-28T22:09:00.002+00:002023-11-28T22:09:47.151+00:00"Baiôa sem data para morrer" de Rui Couceiro - Opinião<p style="text-align: center;"> <img border="0" data-original-height="464" data-original-width="300" height="237" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhx3fOnNyx3jMYPEJMoCoMsj_qzkEn5bQY6s3i3DplcYfTAUfncCwE51fh1xMJQKwSDcM1LJKU8KNw4E7vzmW5Nt_TkZim7AZFHw_u07GRZSibkpXZ0hF-JUSkZl2gWJcsGIzsD86PVTT06WjppvnC50o20L5WA5KYwLRbKK8V58L3a4kVxAwBQztcl6t8/w153-h237/baioa.jpg" width="153" /><br /></p><p class="MsoNormal">Chegamos a Gorda e Feia pela mão hábil e minuciosa de Rui
Couceiro que encontrou na voz de um narrador anónimo, o veículo ideal para
fazer chegar aos leitores as peripécias de uma aldeia onde de repente (parece,
mas não é) todos começaram a morrer. Mas este professor-narrador não conta só a
história dos que vão morrendo, conta também a história de uma região, de uma
família – a sua – e de uma comunidade que também se fez família pela proximidade
que o isolamento traz. E nessa família aceitaram este narrador-forasteiro que
com a calma a que o calor obriga e a imensidão dos campos inspira, se fez menos
<i>pacóvio urbano </i>e mais destemido perante a <i>fantasmagoria rural</i>.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Cúmplice nessa transformação estava Baiôa. Joaquim Baiôa, um
homem enrugado, quase tanto como uma uva ao sol. Um homem que vivia na inquietação
de cuidar, limpar, edificar, lutar… era a sua luta por permanecer, por não
deixar morrer a aldeia onde sempre tinha vivido.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Baiôa vivia consciente de que a inquietação edificava,
sentia-se sabedor de que nada de mais humano existia do que o desassossego. (…)
Vivia em agonia, sentindo o desespero do fim através das mortes dos outros,
torturas permanentes para ele que ficava e não sabia por quanto tempo.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Não era apenas Baiôa que viva em desassossego, também o
narrador se sentia em desesperos, alguns até os desconhecia. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Em certa medida (…) valeu-me o rio. (…) O rio, que em rigor
é um ribeiro, será nestas páginas sempre rio, por absoluto merecimento de tal
promoção: não só é entidade viva em terra de mortos (…) No rio, via o meu
reflexo parado sobre as minhas ânsias correntes, duas partes de mim que se
separavam uma da outra e das reflexões deixadas nas margens.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Não são só as reflexões que o narrador deixa nas margens. Também
lá vai ficando o telemóvel e as incontornáveis redes sociais que tanto
alimentavam os seus dias e as suas insónias, coisa crónica que o apanhava constantemente.
Ou melhor dizendo, coisa que lhe abalroava de todo as ideias e as certezas, de
tal forma que até ouvia a mãe: “Nós não somos nada, filho,”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">É entre estes cenários de tormentos e mesmo fustigados pelo
calor que Baiôa e o narrador vão reconstruindo casas na aldeia enquanto compõem
as abordagens oficiais que regem os trabalhos no Observatório da Morte.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">«Baiôa sem data para morrer» é isso mesmo, um peculiar
observatório das mortes em Gorda e Feia, uma incrível sucessão de
acontecimentos com a qual o narrador se viu a braços, como quem toma notas
naqueles papeizinhos amarelos com a banda autocolante a ficar-lhe presa em todos
os seus movimentos. Até que, atulhado neles, se decide a escrever este livro,
edificando assim uma homenagem às memórias da ruralidade que atravessa todos
nós.<o:p></o:p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-85360508761002750982023-11-11T11:19:00.000+00:002023-11-20T11:54:33.748+00:00"O último acto em Lisboa" de Robert Wilson - Opinião<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8In2ksNeZEZEha99vYp-dWmqkqAT4zOP88aiPXaIG5qwo5zzOJ1iyWdtr7Ze5jaUOnrVgx-zigP6C0oT1JfMUPDRwGojkR3U5_1pVH1J_Q1KaHgpLU85-BUM9Hj1ceMxTbCKyTBqgA5ZwQZeYQUU_LFCCx4OFtm943nR34Kk1P7hlf-l-v77EAKTWIX8/s1859/capa-wilson.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1859" data-original-width="1280" height="239" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8In2ksNeZEZEha99vYp-dWmqkqAT4zOP88aiPXaIG5qwo5zzOJ1iyWdtr7Ze5jaUOnrVgx-zigP6C0oT1JfMUPDRwGojkR3U5_1pVH1J_Q1KaHgpLU85-BUM9Hj1ceMxTbCKyTBqgA5ZwQZeYQUU_LFCCx4OFtm943nR34Kk1P7hlf-l-v77EAKTWIX8/w164-h239/capa-wilson.jpg" width="164" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><p class="MsoNormal">Robert Wilson converteu o género policial num épico, no
entanto, tenho a sensação <i>que enfiou o Rossio na rua da Betesga</i> e
expressão mais portuguesa não há para aquilo que faz ao longo de mais de 500
páginas. Há uma pesquisa imensurável e Wilson precisou cozê-la toda com ponto
bem apertadinho para dar ao leitor uma viagem pela História recente de
Portugal, sem esquecer detalhes de todo o género, no entanto, o diabo está nos
detalhes. São demasiados. Nomes, referências, ruas, praças, patentes,
expressões…. Tanto quantas as incontáveis personagens, mas… lá está, navegamos
dos idos de 1990 e troca o passo para uma incursão à Alemanha nazi, para logo a
seguir atravessarmos a serrania raiana portuguesa e entrarmos nos meandros do
volfrâmio, cruzando a ruralidade inóspita com a ostentação da metrópole e as
suas lides de espiões e quando o leitor está quase confortável com o que lê,
mais um salto cronológico e a conspiração continua décadas atrás ou à frente e
tanto estamos entre oficiais das SS como entre inspectores que tomam uma bica e
um pastel e nata enquanto discutem trivialidades de um Portugal à espreita da
viragem do século. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">É intenso, é complexo, ganha ritmo, mas perde-o logo a
seguir com a constante mudança nas personagens e com os infinitos detalhes. Os
mal-afamados detalhes ;() Sem esquecer os que se disfarçam, mudam de rosto, de
nome, de local… mal sabíamos nós que este «Último acto em Lisboa» era uma saga,
embora o autor nos avise, disfarçadamente, pois também a linguagem usada é
exímia e mestre do disfarce.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Cheguei ao topo das gastas escadas de madeira e por
instante senti-me como um homem a quem tivessem mandado carregar sozinho um
piano.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E lá vamos nós, empurrando o piano ou como Felsen, “(…)
pisando e repisando o mesmo terreno , de tal modo que, se os seus pensamentos
fossem passos, teria cavado uma trincheira circular até aos ombros.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E a mestria do autor é essa, ele pisa e repisar,
circularmente, cozendo com habilidade cirúrgica, uma conspiração que atravessa
décadas e une as histórias que ao longo de muitas páginas teimam (assim parece)
em não se cruzar. Sem esquecer, como estrangeiro que é, de ler, interpretar e
escrever com humor, traços tão portugueses, que só nós português parecemos não
ver, mas assim descritos tornam-se tão evidentes que não podemos fazer mais
nada a não ser: rir!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“- A única coisa que os portugueses põem atrás das costas é
a cadeira à hora das refeições. Vivemos com a história como se tudo continuasse
a acontecer. Há gente nesta terra que ainda espera que D. Sebastião <i>o
Encoberto</i> volte ao fim de quatrocentos anos para nos levar a cumprir
Portugal…” <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Entre factos muitos distintos, histórias e História, há
ainda lugar para humor, roteiro turístico, crimes com investigações à
portuguesa, especulações sobre heranças ancestrais, politiquices intemporais e um
ou outro comentário romântico de pacotilha com pendor para o drama, ainda
assim, a verdade não se escondeu debaixo do colchão como as notas de alguns,
firmando a ideia “é tudo uma questão de negócios. O dinheiro não tem moral” ou
a “impunidade dos tubarões”.<o:p></o:p></p></div><br /><p style="text-align: center;"><br /></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-14725391784348166692023-10-26T11:06:00.003+01:002023-10-26T11:06:25.574+01:00«A lua de Joana» e «O guarda da praia» 30 anos depois 😉<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvIxuiU79euh0tc0esJPqE-riB3Pbido1K_nmFs8416RDOFi4G8IIVxsantvJVjtMeqvo4P9SNutu_wmefiDQiIqQ8Uzci6IbJjJUHuPj0NSzjDw4KKaHMW3p5tgJ57EDsNb3XeO_HXa_4aegUkwpEWO8rdvjj_QKeBz_bbj6QNy9eAUUr5ULKd1kJ6ik/s796/livros-Maia%20Gonzalez.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="556" data-original-width="796" height="280" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvIxuiU79euh0tc0esJPqE-riB3Pbido1K_nmFs8416RDOFi4G8IIVxsantvJVjtMeqvo4P9SNutu_wmefiDQiIqQ8Uzci6IbJjJUHuPj0NSzjDw4KKaHMW3p5tgJ57EDsNb3XeO_HXa_4aegUkwpEWO8rdvjj_QKeBz_bbj6QNy9eAUUr5ULKd1kJ6ik/w400-h280/livros-Maia%20Gonzalez.png" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">O desafio de reler «A lua de Joana» foi lançado pela metade mais colorida deste blog, a ElsaR e em boa hora eu aderi. Não sei quem mais o fez, mas se nos lêem, não deixem de comentar, partilhando sensações.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">São perto de 30 anos que separam estas leituras. 30!? Ah pois é. E as sensações desta leituras deveriam ser uma entrada de diário que eu pudesse comparar com outra, escrita pelo meu eu de doze anos. Mas não existe e recorrendo apenas à memória pouco por cá existe sobre ambas estas narrativa, a não ser pequenos detalhes: o baloiço em forma de lua, algumas sensações sobre a escola e a paixão, essa grande paixão que é a praia. Presença constante na minha vida. Tal como a leitura.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">A primeira surpresa foi a ilustração com que abre o livro, foi uma surpresa, não me recordava nada dela, mas acho bem capaz, se ainda conservasse o meu exemplar, de a encontrar pintada. </div><br /><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpaJ_yWir23LimMes8bGPehiH5wL1HPc9sOngjP393-IUj2zf9C1I9yCoTA7-lNxZHBLyxSNz-0ylCyNrYzfrDN6weNm_-Bm4volyVtcLGe1HJ2jD6j-az3zK73ffCGe0G0ab7qKf87wYB4r88IJrqthrQ2y-V2AMHgoyROGGLiXmOy4XhuwZhfwv8bzw/s3891/livros-Maia%20Gonzalez-Joana.png" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1847" data-original-width="3891" height="304" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpaJ_yWir23LimMes8bGPehiH5wL1HPc9sOngjP393-IUj2zf9C1I9yCoTA7-lNxZHBLyxSNz-0ylCyNrYzfrDN6weNm_-Bm4volyVtcLGe1HJ2jD6j-az3zK73ffCGe0G0ab7qKf87wYB4r88IJrqthrQ2y-V2AMHgoyROGGLiXmOy4XhuwZhfwv8bzw/w640-h304/livros-Maia%20Gonzalez-Joana.png" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: right;"><span style="font-size: x-small;"><b>Ilustração de frontispício</b>: Cristina Malaquias</span></td></tr></tbody></table><br /><p></p><p>Relendo este livro-fenómeno, por ser até hoje vendido e debatido nas escolas, reencontro acima de tudo a mística associada à escrita diarística e não deixa de ser curioso que nos últimos tempos tenha lido vários livros dentro deste registo, mas seja algo que não mantenha, nem procure ler. Mas tem calhado. E algo muito curioso é a forma como certas entradas parecem ser escritas pela minha mão, pelo menos algumas linhas, seja aqui neste registo mais adolescente, em «Dano e Virtude» de Ivone Mendes da Silva ou nas linhas atormentadas, ácidas e até repetitivas de «O regresso dos andorinhões» de Aramburu. O que é certo é que um diário encerra a eterna questão: a da incompreensão. E essas são as melhores passagens.</p><br />É precisamente nessa incompreensão que começa «A lua de Joana».<br />Joana não compreende o que aconteceu a Marta, o que a levou a tal desfecho, mas pior, não compreende como levar a vida adiante sem a sua amiga, a sua confidente, aquela que a ajudava a descodificar o mundo à volta delas. O mundo convulso e desafiante que é o da adolescência, os desafios de saber o que estudar, a dificuldade em compreender a família, os amigos... e o papel num todo no qual não se reconhecem. Por isso, Joana continua a escrever a Marta, mesmo a amiga estando morta. Escreve em busca de resposta, despejando as mágoas no papel e enquanto o faz revela a solidão e o desamparo que sente e nós, hoje 30 anos depois, vemos tantas coisas mais que não veríamos com doze ou treze anos. Há uma desconexão brutal entre os elementos estereotipados desta família, falha a comunicação e falha logo numa fase crucial, a do luto e a solidão. Joana não tem como nem como quem tapar o buraco que lhe comprime o peito e as ideias. Ou até tem, mas por pouco tempo e esse segundo luto define um caminho que já se adivinhava no horizonte. <br /><br />Sem dúvida que «A lua de Joana» é um livro que merece ser lido e relido. É um objecto de estudo e de debate e consoante as idades, as sensações e preocupações mudam e isso ainda o melhora mais, por ser capaz de se transformar juntamente com os seus leitores. <br /><br /><br />Com «O guarda da praia» as sensações são diferentes. As preocupações também. Embora os temas sejam igualmente importantes, pois existe um alerta para a preservação e respeito pelo meio ambiente e também uma relação, até certa parte nebulosa, entre uma mulher e uma criança, recriando um pouco o mito do menino selvagem, sem esquecer questões de abandono familiar e a maternidade. <p>Gostaria muito, talvez até mais, de ter a tal entrada no meu diário e reler as ideias sobre esta história, lembro-me de ter gostado muito, de ter escrito até qualquer coisa inspirada por esta praia, mas a memória está carregada disso: efeitos-dos-livros 😉</p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjuhOQto8d4AfC-5dRFwrdfw1WyWHk_vLkPp3BFWNcrIyO7vbRCBYQhSSmSUsd9Dg8H4kwojyNQssmG2Jfq-Etc-K4KEBpWrhCMuBABwmbiyQalvckdcHKGLEk2_eNWWYxZlLSR7f80VgBv027Z2ssggMp3e6ElGXjvW1-z7lJIDFfaTxTkqUSaAl216a4" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="1831" data-original-width="3811" height="308" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjuhOQto8d4AfC-5dRFwrdfw1WyWHk_vLkPp3BFWNcrIyO7vbRCBYQhSSmSUsd9Dg8H4kwojyNQssmG2Jfq-Etc-K4KEBpWrhCMuBABwmbiyQalvckdcHKGLEk2_eNWWYxZlLSR7f80VgBv027Z2ssggMp3e6ElGXjvW1-z7lJIDFfaTxTkqUSaAl216a4=w640-h308" width="640" /></a></div><br /><br /><p></p><p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-29990159918108856382023-10-23T21:41:00.000+01:002024-01-08T19:56:31.591+00:00«Duas mulheres em Praga» de Juan José Millás :: OPINIÃO<p style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="448" data-original-width="285" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKypbFxfzOS8PeL68tt2DG41PsLz43qPGg4eqm9jivP-oGzBE9XTALOEmOVHrwX_PorhNdE3r82fthoN2Ls3JOBGDyJUo0uQ5ifsyX8PINtjDi7OX8NAr9XpvEyHCxV8SCgRVYC3WYQjRRAnhStNf3FIRw298iXnJAVzi5UWpLgdj348hTZQlpQVX4Xb8/w127-h200/Duas%20mulheres%20em%20Praga-capa.jpg" width="127" /></div><br /><p></p><p style="text-align: left;"></p><p class="MsoNormal"><span style="mso-ansi-language: PT;">«Duas mulheres em Praga»
é um reencontro com toda a estranheza, mas também toda a autenticidade que
povoam cada livro de Millás. É certo que nem sempre é fácil encontrar as
palavras que dão forma aquilo que se sente a cada leitura, pois talvez precise
de vivenciar o mundo mais com o lado esquerdo, especialmente em dias em que sou
atacada pelo lumbago. ;) Estranho? Não! É só o mundo Millás a tomar conta do
texto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal">Estranhas são as
coincidências entre leituras e a forma como dialogam e se interceptam, neste
caso, entre este e o livro de <a href="https://efeitodoslivros.blogspot.com/2023/09/o-filho-de-duas-maes-de-edith-wharton.html" target="_blank">Edith Wharton</a>. É quase como se lhe respondesse ou
assim quis eu lê-lo quando aceitei este périplo por entre filhos órfãos, pais
adoptivos, mulheres que se completam e homens em dúvida acossados pela própria
genialidade. Ou a genialidade é das mulheres e eles simplesmente alimentam-se
delas?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><span style="mso-ansi-language: PT;">“- Estou de baixa, por
depressão. Sou funcionária pública e decidi nunca mais voltar ao escritório,
nunca mais, mas para não voltar tenho de me deprimir mais ainda. O médico nota
quando se fica boa e, por isso, estive dois meses a fazer exercícios de depressão
para continuar de baixa. Mas dois meses sem falar com ninguém é demasiado. É de
enlouquecer. Então vi o anúncio das biografias, liguei para os Ateliers
Literários e marquei a entrevista.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="mso-ansi-language: PT;">Garanto que o leitor em
nada vai deprimir, mas de vez em quando gargalhará como um louco perdido nesta
“geografia sem mapa”, ao que se deve acrescentar: aparentemente sem mapa, já
que a habilidade de Millás é precisamente essa, não só compõe o mapa como as
instruções para lê-lo e tudo em pouco mais de 170 páginas, descrevendo a
vontade de cada uma destas personagens em ter uma vida mais plena, mais
saldada, porém a vida teima em ficar a dever-lhes sempre alguma coisa.<o:p></o:p></span></p>
<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="mso-ansi-language: PT;">“- Não és viúva, pois não? – perguntou ele.<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">- É como se fosse.<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">- Não te preocupes, eu também não sou órfão.<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">- Olha que é um alívio. A que te dedicas?<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">- Sou escritor – disse Álvaro, e inexplicavelmente saltaram-lhe as lágrimas
como a Luz Acaso quando lhe disse que era viúva.<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">- Conheço outro escritor que também chora por tudo e por nada. Vocês são
uns fracos.<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">- Não é que sejamos fracos – respondeu ele, reprimindo o pranto -, é que a
vida deve-nos qualquer coisa que não nos dá.”</span></div>
<p class="MsoNormal"><span style="mso-ansi-language: PT;">Esta realidade
constantemente em dívida, compõe um novelo a desfiar-se numa dimensão
paralela, sob a qual o leitor vai levitando inocentemente e incólume aos nós e
penitências de cada um deles. Uma penitência ensaiada ou um delírio acarinhado.
Calculista também. Ainda assim, o leitor compadece-se como se fossem assuntos sérios e
perturbações reais <o:p></o:p></span></p>
<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="mso-ansi-language: PT;">“Colocou o espelho retrovisor de maneira que, em vez de ver o trânsito, se
visse a si própria. Deste modo, cada vez que olhava distinguia os seus próprios
olhos e imaginava que eram os de uma passageira que viajava nas suas costas,
perseguindo-a, embora se sentisse cada vez mais longe de si mesma.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>(…)<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">Pensei, então, que cada um de nós tem dentro um «o que não», quer dizer,
algo que não lhe aconteceu e que no entanto tem mais peso na sua vida do que «o
que sim», o que lhe aconteceu.”</span></div>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-ansi-language: PT;">Diria até que a mestria de Millás é fazer com que as suas personagens se
afastem sempre de si mesmas enquanto nunca se afastam um milímetro sequer dos seus
dramas, criando conflitos e duplicidades maravilhosas, ficcionando muito bem a
vida que nada tem de plana ou linear e basta ajustar o retrovisor para nos
convencermos disso mesmo.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-ansi-language: PT;">Ou como o próprio narrador nos diz, que um Ninguém se torna alguém porque o
escrevemos com letra grande </span><span style="font-family: "Segoe UI Emoji",sans-serif; mso-ansi-language: PT; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-char-type: symbol-ext; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin; mso-symbol-font-family: "Segoe UI Emoji";">😉</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> E que as mentiras, quando biografadas, tornam-se
verdades, sempre carentes de mais um capítulo, porque a realidade nem sempre
sabe escrever-se e precisa de mão habilidosa.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;"><span style="mso-ansi-language: PT;"><br /></span></p>
<div style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="mso-ansi-language: PT;">“- Olha, é uma amiga que te admira muito. Agora está a conquistar o seu
lado esquerdo, para escrever um livro Canhoto.<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">- O que é um livro Canhoto?<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">- Não sei. Um livro escrito com o lado que não se sabe escrever.<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">Álvaro sentiu que Luz Acaso acabava de verbalizar com uma simplicidade
surpreendente, uma ideia sua (…)<br /></span><span style="mso-ansi-language: PT;">Fui tomando consciência de que estava a ser vítima de uma ficção que o meu
próprio desejo contribuíra para construir. Era tudo mentira, de acordo, mas as
peças dessa quimera começavam a encaixar tão bem que precisava de me repetir
continuamente, é mentira, é mentira, porque à medida que os minutos passavam,
era cada vez mais verdade.”</span></div><p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-10630559226072626462023-10-12T16:53:00.001+01:002024-01-03T12:04:59.872+00:00"A História do Riso e do Escárnio" de Georges Minois :: Opinião<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="246" data-original-width="180" height="246" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjJjILDaJLPIbz1zGxIDj2vSl0lLrKlGIKSdmBfYEwDx_M-wJiZ5nJCUrQqOA66Px1RmhHAFfSeYBUeFt_Qbb-6Zd8DnZ3D_B4Rt-50CXM7zEbKiQGUt37pPpjaZTxD46l8cKbFn_cxdF0UR1rsKwsh-qyp-skAM07bZ9pvsf0nHzye6W-LCVZ_VaGtG0/s1600/Riso-Georges%20Minois.jpg" width="180" /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Algumas considerações sobre uma leitura <i>salteada </i>mas atenta, deste grande compêndio sobre essa arte tão humana: o RISO!</div><p class="MsoNormal"><b><br />Premissa para o estudo</b>: “Não será interessante
verificar, por exemplo, que vivemos hoje em dia numa dupla contradição? </p><p class="MsoNormal">Por um
lado, há muito quem tenha a impressão <u>de o riso estar em regressão</u> quando, de
facto, ele se mostra em toda a parte; por outro lado, nós rimos cada vez menos,
enquanto todas as ciências nos gabam os méritos, mais ou menos miraculosos, do
riso.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Compreender o riso é compreender a história da evolução do
homem.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">O «inextinguível riso» dos deuses. Os deuses riem e riem
muito desde a Antiguidade e riram-se de tudo, sendo implacáveis com tudo. O
riso serviu todos os propósitos, desde a violência, à deformidade, à
cumplicidade e ao regresso à vida. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Do riso dos deuses até à humanização do riso foi um passo
filosófico, com um afinamento da linguagem e uma intelectualização: “ao riso
homérico, duro e agressivo, sucedeu a partir do século IV, o <b><u>riso
aveludado</u></b>, sinal de urbanidade e de cultura, o riso finamente irónico Que
Sócrates punha ao serviço da busca da verdade.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Mas atenção, o riso oponha-se ao sagrado, ao equilíbrio, à
sensatez e ao autodomínio. E toca de afinar mais uma vez o riso: a sátira. A
inteligência da sátira política e a capacidade de auto-escárnio.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;"></p><blockquote><p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">“A tomada de consciência do ridículo.,
do monstruoso e do absurdo no interior do ser gera um soluço caótico e gelado
que do riso, já só tem as características físicas: «Instrumento de arte, Visão
estruturada do mundo, mas construção, também., de um universo de já do total, o
grotesco constitui um instrumento eficaz de uma análise lúcida, por vezes
ridícula, mas cruel, do homem absurdo de todos os tempos.» (L. Callebat)</p></blockquote><p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">É bem por isso que a comicidade
grotesca só aparece num estádio tardio da evolução das mentalidades e da
cultura numa dada civilização. <b>Resulta da verificação da incompreensibilidade
do mundo, verificação consecutiva a traumatismos coletivos que desfiguram a
fachada lógica das coisas que por trás das aparências deram a <i>entrever uma
realidade proteiforme</i>* na qual nós não temos poder.</b> O riso grotesco refere-se à
própria essência do real, que perde a sua consistência. Verdadeira desforra do
diabo, no sentido em que pulveriza a ontologia e desintegra a criação divina, reduzida
ao estado de ilusão. Ao lado do riso irónico, verificação do absurdo, o riso
grotesco é uma declaração da improcedência; dois risos cerebrais que reduzem o
ser ao absurdo ou a aparência.</p>
<div style="text-align: left;"><span style="font-size: x-small;">(*que muda de forma frequentemente)</span></div>
<p class="MsoNormal">O riso filosófico e a filosofia do riso perduram séculos e
as discussões sobre o riso, do grotesco ao absurdo, passando do satírico à
loucura, à estudada ironia, à <i>comicocracia</i> ou à proibição (ou tentativa)
do riso, entre tantas outras formas de expressão, compõem séculos de história
sobre a maledicência do outro e o prazer a isso associado. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">O riso caricaturista «Realiza
desproporções e deformações que deviam existir na natureza no Estado de
veleidades, mas que, repelidas por uma força melhor, não vingaram. A sua arte,
que tem qualquer coisa de diabólico, substitui o demónio que o anjo deitou por
Terra».<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">E, ainda: «O riso é sempre
verdadeiramente uma espécie de troça social». Nunca era um prazer puramente
estético. Trazia em si: «a intenção inconfessada de humilhar, e com ela, é
verdade, a de corrigir». Castigava muito mais a insociabilidade que a
imoralidade.”</p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;"></p><blockquote>“Rir é, antes de tudo, uma
sanção. Feito para humilhar, deve dar uma impressão dolorosa à pessoa que é seu
objeto. A sociedade vinga se por seu intermédio das liberdades que foram
tomadas contra ela. O riso não atingirá o seu objetivo, se trouxesse a marca da
simpatia e da bondade.” (H. Bergson, 1989)</blockquote><p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">Por isso o autor afirma que o
século XX, esse século horrendo que nunca mais acabava, morreu de riso, soube
zombar de si mesmo. Precisava!</p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;"></p><blockquote>“(…) um riso louco (…) um riso
nervoso e incontível. O mundo riu de tudo, riu dos seus deuses e dos seus
demónios e, principalmente, de si próprio. O riso foi o ópio do século XX, de
Dada aos Monthy Pithon. Essa droga suave deu à humanidade um meio de sobreviver
às suas vergonhas. Insinuou-se por toda a parte, e o século morreu de overdose
– uma <i>overdose</i> de riso quando, depois de tudo reduzido ao absurdo por
esse riso, o mundo se achou de novo perante o seu não-sentido original.”</blockquote><o:p></o:p><p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><b>O século XXI ameaça o riso com a
sua comercialização, globalização e massificação.</b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: center;">O riso virou produto de consumo.
Terá validade? Gastar-se-á a <i>fita</i>? Catalogado perderá público? <span style="background-color: #ffa400;"><span style="color: white;">Haverá
neste século tendencioso uma ditadura do riso disfarçada de uma qualquer
felicidade (obsessão!) de rápido consumo?</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><span style="background-color: #ffa400;"><span style="color: white;"><br /></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;"></p><blockquote>“(…) reencontramos nisto a ideia
de escárnio universal: o riso como refúgio supremo e recusa das ilusões
ideológicas. Mas também aqui o riso voluntário, utilitário e planificado,
coagula depressa. A festa contemporânea queria domesticar o riso, mas ele só
pode voar em estado selvagem, em pura liberdade.”</blockquote><o:p></o:p><p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-87632774358762777042023-10-05T12:32:00.017+01:002023-10-25T15:47:54.791+01:00«O homem mais feliz no mundo» de Eddie Jaku - Opinião <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img alt="" data-original-height="2270" data-original-width="1500" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgwaPyCSMqLoMInXltSKvzcWXAUzCeBRzG9QjJN6OX-mTBcOmtilmUvLmBBfKdgAAsHk6yZjWANbagT1v0tjtuHrv-W_dV37nXzspKF9fKC7xuYD0u_RbbWPNEc11m4KFm7-EH1SeIQb9v0_SGY4OFh5Ctae_EDcwvV1EcYZXRlgOlpfTwX_0mcf2SWOgA" width="159" /></div><p></p><p>Foi com enorme gosto e interesse que conheci Eddie Jaku, embora tenha sido uma leitura entusiasmante, foi igualmente uma leitura sofrida, mas quem sou eu para falar de sofrimento perante um relato destes!</p><p>E por isso mesmo a melhor mensagem que se retira desta leitura só pode ser o mantra que acompanha esta biografia.</p>"Quem partilha as dores, sofre metade.<br />Quem partilha o prazer, desfruta o dobro."<div><br /></div><div>Claro que são palavras bonitas que pretendem olhar para trás com o pendor do perdão e da superação de anos e anos de tormentas com memórias e fantasmas, mas também isso Eddie Jaku revela quando nos diz até que ponto foi infeliz e atormentado e a partir de que ponto senti uma emoção sem igual que lhe permitiu abraçar o futuro com outra postura. Ainda assim, essa alegria do nascimento do filho teve sempre uma sombra: quando e quanto devia revelar da sua história pessoal como vítima do Holocausto?</div><div><br /></div><div><i>"Foi uma emoção muito forte. Desatei a chorar. A minha irmã nem quis olhar para a caixa, tão perturbada se sentiu. É impossível esquecermos a imensidão da dor que carregamos e do sofrimento que sufoca o nosso subconsciente, até nos confrontarmos com provas de tudo o que perdemos."</i></div><div><br /></div><div>Essa revelação - um choque para muitos - foi outra parte da superação que o levou a acreditar ser <i>o homem mais feliz do mundo</i> e mais uma vez o seu mantra fazia sentido. É preciso partilhar, é preciso sofrer e sorrir em comunhão com os outros, quer sejam eles outros sobreviventes, a sua própria família ou estranhos espalhados pelo mundo. Eddie acreditou sempre que de cada vez que partilhou a sua história fez um amigo. Que em cada leitor que leu o seu livro fez mais um amigo. E que cada amigo partilhará a sua história e que é dessa partilha que nasce a empatia que nos permite tomar parte naquilo que é correcto. </div><div><br /></div>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-18565801670935149032023-09-18T20:59:00.001+01:002024-01-03T21:20:26.526+00:00"O Filho de Duas Mães" de Edith Wharton :: Opinião<p style="text-align: center;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="569" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglEkdEvK7WvDU595MfHB7TvPrcjPk7V3LSbTTA9VknsW0l8mAa6pdSNwQU83NprrjoLBe4cpSaFYNToqi4Woqt0bZVXXiNjkdFmlXuj24A_QF8sEjvnki4uy0vcmvd_qfNT61afLL4dwMGibYdABpQjBDvxjkE7KwsouTpS4wQGKIvtE6XLlkJDiqrSBs/w143-h200/o%20filho%20de%20duas%20m%C3%A3es.png" width="143" /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><p class="MsoNormal">A estreia com Edith
Wharton não podia ter sido melhor, «O filho de duas mães» tem uma aura
misteriosa tal como a caracterização de Bernard Berenson sobre a autora e a sua
obra: “Edith Wharton mantêm-se apenas incontactável, num sítio qualquer onde
não a ouvimos e de onde não pode responder-nos. É muito duro, mas não é aquilo a
que chamamos morte.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">É com este pesar e
fascínio que sentimos o enredo, para o qual é difícil encontrar sinopse, embora
as palavras de Berenson funcionem muito bem, cativando o leitor a abrir o livro, e encetada a leitura, tornam-se num prenúncio. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">São as palavras de Aníbal
Fernandes que abrem o livro mas eu só as li no final, e ainda bem, encontramos
nelas algumas revelações que eu dispensava antes da leitura, mas achamos também
o medo, a solidão, a opressão e a renuncia, sentimentos dos quais o enredo se
alimenta, e junto com a qualidade da escrita, são a maior experiência de
leitura.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Leitura essa que fiz com
voracidade e sofreguidão, tanta que não me deixou espaço para conclusões
precipitadas ou óbvias, de tão enlaçada que estava. Tanto melhor, ter
acontecido dessa forma. O medo tornou-se real, a opressão apertou-me de
igualmente, a desconfiança gerou dúvida de todos e a solidão, essa, partilhei-a
com qualquer uma daquelas personagens, mas nunca tomei as vezes de narrador e
me senti tentada a antecipar desfechos. Coisa rara em mim. Senti-me
completamente levada pelas sensações de cada uma daquelas pessoas, sem no
entanto favoritar ou desprezar, aliás flutuamos muito por sentimentos
contraditórios, fruto da mestria com que está escrito este «O filho de duas
mães».<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A qualidade narrativa
redobrar o estado de confusão do leitor, em muito conseguido pela forma como o
narrador desenha as personagens diante dos nossos olhos, quase dando um
pedestal a estes personagens de sentimentos (e atitudes) indecifráveis.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“(…) dei por mim sentado
ao seu lado e a recordar-me destas coisas. «Pobres criaturas – era como se dois
bustos de mármores fossem quebrados, atirados do alto dos seus pedestais e
esmagados», pensei ao relembrar-me dos rostos do marido e da sua mulher depois
de o rapaz morrer; «e ela, a pobre mulher, foi duas vezes esmagada…”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Se Catherine Glenn tinha
a perfeição de um busto renascentista, já a frieza do mesmo não se lhe podia
atribuir, especialmente à medida que adentramos na história das duas mães e sem
precisarmos do laço taciturno e enfermo do recém-descoberto filho, embora a sua
sensibilidade artística complete ainda mais a percepção que o leitor tem: a
maternidade não é o tema fulcral, mas talvez uma <i>generosa ostentação</i> da solidão. Uma suposta fragilidade.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">“Ser verdadeiramente maternizado era para ele uma nova experiência (…) ele
era sensível de mais para a classificar (…) resignou-se a olhá-la como alguém
que possuía um indecifrável orgulho e uma incorrigível perfeição. (…) Ela é um tema.”</p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">Inebriados seguimos com estas personagens-tema até ao declínio de uma e a <i>ascensão corpulenta</i> de outra, esquecendo
o filho ou o narrador, mas não um outro tema, o do quanto somos colonizados
pelo outro e ansiamos devolver o resultado dessa colonização<o:p></o:p></p></div><br /><p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-17645329930330642892023-09-13T18:25:00.004+01:002023-09-13T18:30:37.116+01:00«História do Repouso» de Alain Corbin - Opinião<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: inherit;"><img border="0" data-original-height="450" data-original-width="300" height="243" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZwX3dWv_bgnJGnZ-1X7EVdJrPKM2CPboKcgkzUuMF8buC3ntAFb2oFo3s8cDExs0DwB0sYrgzKoLkMnArhf9rs_1s8A5cicbisgKi2pNuHPzXf0z1GpFxxN4IrIN6M_HKc7yp76-Mct2wuixezX52JCKNyAUeETuNqxtW74MxKVwyvsxr_OyfrtR1F-Y/w162-h243/corbin_repouso.jpg" width="162" /></span></div><br /> «Toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa, que é não saberem ficar em repouso num quarto.»<br /><br />Quem o disse foi Pascal, mas Corbin vai mais além, dizendo, logo ao abrir deste pequeno tratado sobre a evolução do conceito de repouso: «É nos momentos de repouso que sabemos no que estamos a pensar.» Porém, arrisco a dizer, após uma leitura atenta, mas em repouso (daquele lânguido de quem se espraia ao sol), o que esta História do Repouso nos deixa a pensar é que a História da Humanidade se cruza, ou se faz, pela da Religião e a da Igreja, a do Dinheiro e da Industria e muito das Modas e Tendências, existindo uma circularidade daquilo que é esperado do ser humano, assim sendo, que espaço lhe sobra para saber no que está a pensar?<br /><br />Ficamos inclusive a indagar se mesmo quando há espaço para esse encontro com o Eu, se rapidamente não se procuram outras formas de repouso. E a organização secular da sociedade tem variado a oferta. Nem que seja com a missa, a oração, o trabalho ou a demonização da inutilidade, já que repouso teremos muito quando entregarmos a alma ao criador.<br /><br />E embora as ideias de repouso e descanso dominical tenham herdado muito do advento do cristianismo e pelo qual o autor deambula bastante, há a evolução do conceito de repouso associado ao trabalho e à consequente alteração do mesmo com a revolução industrial, sem esquecer, conforme os séculos foram passando, e consoante os pensadores de cada época, os estados de alma e os temperamentos também ditarão tendências sobre o era o repouso e como se deveria praticá-lo, até entrarmos nas prescrições médicas do repouso como curativo.<br /><br />“Quando De Maistre descreve os prazeres do confinamento, pensamos logo nos pensamentos de Pascal sobre os benefícios do repouso no quarto. No fim do século XVIII, a teoria dos temperamentos, que associa a circulação dos humores aos traços de carácter, já entrara em declínio; porém, no caso de Xavier de Maistre, podemos sem dúvida, incluí-lo na categoria dos indivíduos de temperamento linfático (…) era um apreciador das delícias da «flânerie» (…) era um entusiasta da «viagem imóvel» e sentia fascínio por espaços fechados, considerados um «refúgio eleito e estável», que convidavam a um repouso longe da vã agitação.”<br /><br />O repouso como refúgio ou o encontrar refúgio para repousar é mais tarde a ideia base dos sanatórios, fossem para estados de melancolia e para os valetudinários ou outros tipo de inválidos, todos eles “vitimas de um desregulamento geral da saúde”, mais tarde como famigerada cura para a tuberculose e enquanto Corbin vai relatando e referenciando como todas estas passagens do tempo alteraram a História do Repouso, o leitor está sedento do capítulo sobre aquilo que está a fazer no preciso momento da leitura – estatelado ao sol com o livro em jeito de mini-sombrinha – até que se depara com o termo vilegiatura, pára tudo, baixa o livro, olha o mar e apercebe-se que está em vilegiatura, termo pelos vistos utilizado desde o século XVII, isso mesmo dezassete ;) e continua a ler: “(…) deve a vilegiatura marítima ser incluída numa história do repouso? É lícito afirmar que esta novidade alterou, de um dia para o outro, o conceito de repouso?" e entramos um pouco na <a href="https://www.quetzaleditores.pt/pesquisa?q=burton">Anatomia da Melancolia</a>, Robert Burton que nos fica já na lista.<br /><br />E seguimos com a leitura e percebemos que a prescrição para a vilegiatura pressuponha “estratégias de repouso em sintonia” (e busca) com a quietude, a introspecção e as sensações agradáveis e apaziguadoras do contacto com a Natureza. Sem dúvida muito diferente do que a maioria pratica hoje em dia, ou considera repouso e férias.<br /><br /> Ostentar o repouso e sentir-se contente (e tranquilo) com essa prática, alimentar uma certa inutilidade e preguiça e exigir o direito ao ócio tem sido cada vez mais estudado e alvo de uma atenção redobrada, ganhando o estatuto de necessidade básica, estudos esses em paralelo com outros sobre doenças, criminalidade, suicídio, produtividade, entre tantas outras vertentes da vida moderna, especialmente aquela que faz do repouso (ou lazer) outra tarefa, com horários, tensões e consumo, transformando mais uma vez o conceito de repouso: Porque deixámos de descansar, se descansar faz parte da jornada?<p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-43135437725119175222023-09-06T19:07:00.003+01:002023-09-13T18:27:59.445+01:00«O Relatório de Brodeck» de Philippe Claudel :: Opinião<p style="text-align: center;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="796" data-original-width="550" height="206" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8a4P0B9vD3PL1SoFb_LzWWWVl2txd8xSgnp9wYad4SS10JFCLyLlNSOYha2Dk52L04YrFagbL85993ubx9Bc5GSeUSbzYQmLRIbXqbgQH3vPppKqZs4V0gUtt3Q83C10gz9P-MGHGgcZdqeH1QmwF90y2VIUTrR54p4R9iSaLpSp0Gp0TYBaPvBcKA2c/w142-h206/capaBrodeck.webp" width="142" /></div><p class="MsoNormal">«O <span style="font-family: inherit;">Relatório </span>de Brodeck» é um inventário da tristeza, da
desumanização, da traição, do medo e da solidão, mas é também um inventário da
beleza, da esperança, da luta e da crença na palavra. Palavra após palavra,
pouco a pouco, o nada ganha conteúdo, dimensão, profundidade, memória. <i>O
Relatório</i> é isso mesmo, um compêndio de pequenos nadas que compõem memórias
fortíssimas (muitas vezes duras de serem lidas), recordações que não se podem
perder, porque cada homem é uma soma de pequenos nadas que justificam tudo!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Cada homem encontrava-se curvado sobre o seu próprio
silêncio, mesmo havendo quase quarenta pessoas no albergue. Estávamos
comprimidos como hastes de salgueiro num feixe, asfixiando, respirando o cheiro
uns dos outros, os hálitos, os pés, a viscosidade ácida do suor, da, da roupa húmida,
da lã velha e do algodão., sujos da poeira, da floresta, do estrume, da palha,
do vinho e da cerveja, sobretudo do vinho. O que não significa que estivessem
todos embriagados, não, seria demasiado fácil acusar a embriaguez. Apagar-se
iam de uma penada as atrocidades. Demasiado simples. Mesmo, muito simples. Vou
tentar não abreviar o que é muito difícil e complexo. Vou tentar. Não prometo
que consiga.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E não conseguiu abreviar porque lhe vieram à cabeça, à boca,
às noites e à palavra, os pesadelos a que as atrocidades do campo de
concentração o condenaram. Voltou tudo, envolto naqueles cheiros e sensações,
naquelas ordens que o sentenciaram perante a urgência e a obrigação de relatar.
Relatar para ilibar pela palavra. Pela mesma palavra com que falava para si
mesmo, descrevendo a beleza, igualmente esmagadora e aprisionante, da aldeia e
a Natureza envolvente e só por aí entram alguns raios de luz na narrativa, pois
o <i>O Relatório, esse, </i>é pior que o Inverno da sua aldeia.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“No Inverno que, na nossa Terra, é longo como séculos
espetados uns atrás dos outros, numa grande espada e durante o qual, à nossa
volta, a imensidão do Vale, asfixiado pelas florestas, desenha uma
extravagante. Porta de prisão.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Nos dias seguintes ao <i>Ereigniës </i>(palavra em dialecto
usada para descrever a noite do evento) nada mais será quente para além dos
ânimos da população, as braseiras ateadas por boatos e as coxas de Boulla, que
é talvez das poucas vezes que nos faz rir, embora todos os habitantes sejam
peculiarmente descritos, como o velho Diodème que Brodeck achava digno das
epopeias e desconfiava ter sido enviado pelos deuses, mas com que intuito?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Entre questões sem resposta e memórias que caem, Brodeck
reaviva o medo, sempre o medo. O medo é personagem deste romance, juntamente
com o mal. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Sinto que não fui feito para esta vida. O que eu quero
dizer é que a minha vida transborda por todos os lados, que não foi talhada
para um homem como eu, que se enche de muitas coisas, muitos acontecimentos,
muitas misérias, muitas falhas. Talvez a culpa seja minha? Talvez eu não seja
capaz de me revelar um homem? De pegar ou largar, de seleccionar. Ou talvez a
culpa seja deste século em que vivo, e que é uma espécie de grande funil no
qual se vasa a sobra dos dias, tudo o que corta, esfola, esmaga e retalha.
Recordo o meu medo, como se o medo, doravante, fosse uma peça do meu vestuário.
Uma peça que, de resto, nunca consegui despir, muito pelo contrário, e que me
comprime como se me encolhesse de semana em semana. O mais estranho é que,
quando eu estava no campo de concentração, quando me chamava Cão, Brodeck, não
tinha medo. No campo de concentração, o medo não existia. Eu estava para lá do
medo. Porque o medo ainda pertence à vida.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Brodeck fez parte dessa marcha de cadáveres, regressou de
onde não se regressa e afirma várias vezes que a morte não é difícil, difícil é
tentar sobreviver perante a constante ameaça de morte, a ideia, o foco, a
concentração numa única sensação, a de morrer. E o ser humano não foi talhado
para viver assim. Por isso o Inverno lhe era tão doloroso, memórias como
mancheias de neve entre a roupa e a pela. Um frio cortante que queima.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><i>O Relatório </i>vai continuando e pouco é revelado sobre
o seu verdadeiro alvo, o Outro, o Estrangeiro, O Estranho, O Forasteiro, ou
seja, <i>O Anderer</i>, o homem que foi morto pela população cega de desconfiança,
porque o desconhecido é uma ameaça, mas uma multidão é uma ameaça maior,
especialmente quando confrontada com o boato, a desconfiança ou o que é puro.
Como a pureza dos animais fortemente atacados e usados, embora Brodeck avance e
recue na história e nos faça, ora detestar ora compreender cada uma daquelas
pessoas.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">O que é certo, é que a guerra devastou e os seus horrores
não têm fronteira, não precisam de país ou idioma, os traumas têm extensões
mais altas que as montanhas e efeitos mais desconhecidos que as entranhas da
terra, sempre adensados pelo isolamento e a escuridão <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Releio as páginas já escritas da minha narrativa, apercebo-me
de que sigo pelas palavras como um animal acossado, que corre veloz, aos
ziguezagues, procura despistar os cães e os caçadores lançados em sua
perseguição. Há de tudo nesta confusão. Ostento a minha vida. Escrever alivia-me
o coração e o ventre.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Já o leitor não segue nem sai de coração ou ventre mais
aliviado, antes sim num novelo, mesmo quando Brodeck cruza as suas palavras com
as de Nösel e nos diz, à laia de dúvida ou de esperança que <i>«o homem é um
animal que recomeça sempre»,</i> não obstante, afirma que o autor nunca
respondeu sobre o que é que o homem recomeça e o acuse de ter esquecido o
verdadeiro mundo por se ter dedicado aos livros. Mas também ele, Brodeck se
dedicou aos livros, desde cedo pela mão do padre Peiper.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">“Alguns devorarão, outros,
esventraram-nos, violaram-nos, conspurcaram-nos. E o que é justo nem sempre
triunfou sobre o que é sujo. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">O que me obrigou, como milhares de
outros homens, a carregar uma cruz que não escolhera, a sofrer um calvário que
não fora feito para os meus ombros e que não me dizia respeito?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm;">Quem decidiu, então, remexer a
minha obscura existência, desenterrar a minha parca tranquilidade, o meu
anonimato cinzento, para me lançar como uma bola tresloucada e minúscula para o
meio de um imenso jogo? Deus? Mas então, se Ele existe, se Ele existe
realmente, que se esconda. Que erga as mãos à cabeça e a curve. Talvez, como
dantes nos ensinava Peiper, muitos homens não sejam dignos Dele, mas hoje
também sei que Ele não é digno da maior parte dos homens, e que se a criatura pôde
gerar o horror, foi unicamente porque o seu criador lhe forneceu a receita.”<o:p></o:p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-31197692986645932242023-08-31T17:05:00.002+01:002023-08-31T17:05:11.394+01:00"A piscina" de Libby Page :: Opinião <p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUFX3VQzFVvX5QVUIlqzSvjGSCvCrA63Zy-d8PAkZx4ORCDkE_C6sq5SRWQxAt-W1P2VY9V3vLvz0SvzM-gpSC-trSqFwUqXc_etRtNIqK-IukCJftwu8vT9gUzZkqvrAL_OdF3P8wwD0NWtyjB7Yj-OlGhnGOMpY-Jz0Ler-v_ZL2HgGjCQtr5-Gp-ig/s583/A%20piscinas_na%20piscina.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="583" data-original-width="579" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUFX3VQzFVvX5QVUIlqzSvjGSCvCrA63Zy-d8PAkZx4ORCDkE_C6sq5SRWQxAt-W1P2VY9V3vLvz0SvzM-gpSC-trSqFwUqXc_etRtNIqK-IukCJftwu8vT9gUzZkqvrAL_OdF3P8wwD0NWtyjB7Yj-OlGhnGOMpY-Jz0Ler-v_ZL2HgGjCQtr5-Gp-ig/s320/A%20piscinas_na%20piscina.jpg" width="318" /></a></div><br />Sou uma amante de praia e de dias que envolvem mergulhos e o
som do mar como única companhia. Adoro o efeito da água salgada no cabelo, a
areia no pé, os desenhos que ficam de nos deitarmos na areia e o terminar de
qualquer dia é sempre melhor se for com uma caminhada à beira-mar, maré bem
vazia (e a praia também, de preferência) e o sol a cair e transformar tudo
aquilo em que toca apenas já por breves momentos. Ler à beira-mar, de
cadeirinha enterrada na areia molhada… Enfim, podia continuar a descrever
cenários que envolvem a praia, porque a piscina, sendo pública e municipal e
tem regras, mas mesmo assim, é um espaço onde cada vez mais recorro para recarregar
baterias e nivelar os humores <span style="font-family: "Segoe UI Emoji", sans-serif;">😊</span><p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E o mesmo se passou com este livro «A PISCINA» de Libby Page,
que em boa hora as minhas queridas Rodistas me chamaram à atenção para ele, por
isso, de todas as vezes que o abria foi como se desse um mergulho na <i>minha</i>
piscina, aonde regressei em plena pandemia e por lá me tenho mantido, seja para
treinar ou relaxar. No meu pote com papelinhos coloridos, que são notas de
gratidão, de um ano para os outros, reencontro inúmeros agradecimentos por mais
um mergulho e a água fria que tantas vezes (ou quase sempre!) é curativa.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Contudo, «A Piscina» não é só para os fãs de mergulhos em
águas frias, lycras justas e tocas apertadíssimas que comprimem o cabelo e as
ideias <span style="font-family: "Segoe UI Emoji",sans-serif; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-char-type: symbol-ext; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin; mso-symbol-font-family: "Segoe UI Emoji";">😉</span> são também para quem queira uma história
leve, que ainda assim toca em temas sensíveis, como a perda, o luto, a ansiedade
ou a falta de confiança em nós mesmos e sensibiliza para a importância de equipamentos
públicos que criem espaços de convívio e partilha e assim se fomente um maior
sentimento de comunidade. E pelo meio, conhecemos Rosemary, numa idade em que
já só se flutua, ou dentro de água ou nas memórias e é aí que a conhecemos
jovem e percebemos o quanto uma simples piscina acompanhou e definiu a sua vida
familiar, como pode agora definir a de kate.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Chega sempre com antecedência, mas só se sente mesmo
confortável quando a luz diminui e, como ela, todos se perdem no filme. Estica
o pescoço para o ecrã e vê a comédia romântica, o thriller, o filme de
espionagem escolhido este mês., chorando ou rindo em coro com os outros
espectadores. A emoção flui pela sala como uma onda. quando assiste a um filme,
não está sozinha, faz parte de algo maior, um rosto sem nome numa grande
plateia de rostos sem nome.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Esta massa humana e tantas vezes incógnita no seu todo,
também pode estar na piscina, naquela orquestra de barbatanas, pás, mãos e pés
nus, que dialogam com os guinchos das crianças, o chapinhar dos brinquedos que
flutuam, as gargalhadas a ecoar maia alto que a música das aulas, um burburinho
incessante que apenas sossega a cada mergulho quando a água nos devolve a um
silêncio desfocado pela respiração tantas vezes sustida em esforço.<o:p></o:p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-16028659784734417432023-08-24T16:54:00.025+01:002024-01-08T18:45:27.059+00:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="662" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjDHRRrmbtOHJmHOk2qdkDq4HyR28PAIhvrxbqwwfWSuAfrQIjHxUtYwJGFASdOClhR_I2gREERANZtOP8bngubmxArvnHVjy6iWFPjdkEF5YkH60ohiMjJNS4XeMoninNOTMfgQ2c0c2BG2ZWYCTvsybihyphenhyphenG0SMVtSHkLy_SzoYuBl0aWj1Z-dZeZNhM/w129-h200/o-terceiro-pais-capa.webp" width="129" /></div><p>Regressar à escrita de Sainz Borgo sem ser para dar continuidade à saga de <a href="https://efeitodoslivros.blogspot.com/2022/06/cai-noite-em-caracas-de-karina-sainz.html" target="_blank">Adelaida Falcon</a> foi uma barreira difícil de ultrapassar. Eu queria aquela mulher, fosse imigrada em Espanha, fosse de regresso à Venezuela que a ia comendo viva. E custou-me esta nova realidade. Houve até alguma luta com este cenário árido, mas rapidamente reencontrei a dureza e a brutidade das palavras a quem a autora arranca a pele. </p><p>Um casal debicado pelas agruras de um país entregue à miséria e à peste, decidi partir em busca de um outro destino que não o da aflição e do desamparo. A vida já quase lhes retirou tudo, mas deu-lhes dois gêmeos que entre ânsias e pobreza, nasceram prematuros.</p><p>O adiantamento dos moços não lhes atrasou a fuga. Angústias Romero sabia que agora tinha ainda mais por que partir. Forte e destemida, embora crente de que "Deus nunca se decidiu a acompanhá-los" fez-se ao caminho com os dois amarrados às costas, enquanto tentavam acabar de cozinhar-se entre suor, poeira e o trapo que os amarrava à mãe. Amarrava mas não os segurou a vida. </p><p>E se o deserto já era imenso e agigantou-se perante a morte dos gêmeos.</p><p>Mordida pela dor, temos uma mãe determinada a enterrar os seus filhos, já que chão será a única coisa que ainda lhe pode dar, mas temos um pai picado pela serpente do desânimo que ameaça ruir a cada passo. E desmontados cada um à sua maneira, estas duas almas penadas vão em busca de Visitación Salazar, um ser mítico cuja <i>biografia parecia um pai-nosso, uma verdade sem explicações</i>. </p><p>E neste baile de almas penadas, neste chão que encerra o queixume dos mortos, a lei de Salazar faz frente à lei de homens violentos e corruptos, os verdadeiros donos de Las Tolvaneras, morada última de tantos que ficaram para trás, cujo destino seria uma sepultura de pó, vento e esquecimento. Mas aqui, neste cemitério, neste Terceiro País, a voz destas mulheres são a única árvore que dão sombra e irão mudar a vida de alguns que ainda serão capazes de se parir de novo. </p><p>Porém, o <i>morredouro </i>que circunscreve esta fronteira às portas da efectiva fronteira é terreno para enredos que se cruzam entre o real e o sobrenatural, no entanto, o sofrimento é transversal a vivos e mortos ou não fosse com as palavras de Juan Rulfo em Pedro Páramo que Karina Sainz Borgo decide abrir este livro. Que fazem ainda mais sentido agora que já li ambos.</p><p><br /></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-25204067981893781462023-07-29T18:00:00.001+01:002023-08-31T18:07:34.347+01:00"A história de Roma" de Joana Bértholo :: Opinião<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="522" height="194" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWbQSpzMMBsP6w_97lOKUnP2cXdM8ekJPcqf-_W6vJzrJ4_aEkYM50QGnxwE31lbTLrbX6jBJX2LcBkxSRx6Vrlece6eheZhOacPPq-2ATe0vpNdvmadpir01toqLmOq4RzcixcysL0dA4fs3X1TAkUbsNuSHreqSr5TEGzTJlW1Jpg6BQx3A-u0E3hFY/w127-h194/a%20hist%C3%B3ria%20de%20roma.jpg" width="127" /></div><p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">A história de Roma ou <i>como foi que o nosso amor aconteceu</i>? Se é que aconteceu mesmo. E quando acontece, o amor é sentido
igual? Bate de forma igual?</p><p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">Aqui, claramente que não!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><i>Chuana</i> (ou Joana) recém-chegada à complexa geografia de
uma Buenos Aires milongueira e perdida na arte de <i>chuchurrear</i> e
compreender os meandros da confecção e degustação do <i>mate, </i>faz um desvio
para conhecer um homem pela <i>arqueologia</i> do seu quarto, sem, no entanto,
perceber muito bem o enigma com o qual anda de mãos dadas na rua, festas e outros
eventos por onde socializam como casal. E mais uma vez, é na caracterização das
personagens e na densidade que lhe dá que a escrita de Joana Bértholo ganha todo
o fôlego e reencontro o que mais gostei em «Ecologia», a forma de descrever os
outros que é logo em si mesma uma relação com o outro.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">“Orgulhoso e casmurro: são várias as recordações da tua
fúria a pontuar a mesa com o punho. Tens prazer em exaltar-te. Chamam-Te
conflituoso, mas não possuis a rigidez das pessoas conflituosas, apenas uma
atração genuína pelo confronto. Falas de qualquer desconhecido com fel e de
qualquer camarada com mel. És tribal. Eu penso em termos de planeta e tu em
termos de clã. (…) Casamento da Irene e do Tomazzo, um senhor sentado ao teu
lado, pergunta tu que fazes. Sem pestanejar, respondes que és talhante. Isso
parece surpreender e cativar as pessoas na mesa, que ficam mesmerizadas a
ouvir-te discorrer acerca dos distintos ângulos de corte de carne, o desmanche
de uma peça ou o Segredo de um bom hambúrguer. Passo a refeição esquinar
graçolas por ser a companheira vegetariana do talhante. Vamos embora sem que
desfaças o embuste. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">No calor de uma discussão, tu a dizeres que a verdade não
interessa, só importa sermos honestos.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">E é em busca da honestidade para consigo mesma que Joana
repesca as memórias e iludida ou não por essas mesmas memórias discorre uma
narrativa quase diarística sobre um amor de difíceis contornos e uma Roma que
não chegou a existir. Uma quase <i>cidade</i> que foi calcorreada apenas pelas
expectativas e reflexões, muitas delas sobre a maternidade ou melhor dizendo, a
não-maternidade</p><br />“(…) Grávidos, todos.<br />Alguém filma. Alguém me filma, de pé, a conter o pânico. A câmara persegue-me, eu tento escapar mas esbarro em barrigas. (…) Incapaz de olhar e de ignorar. A ferir-me e a nutrir-me com aquela imagem. Quero acordar, mas não consigo.<br />(…) Ao centro do círculo aparece um caixão com a forma de um enorme corpo nu de mulher, que se divide em dois como num truque reles de mágico de circo. O interior do caixão-corpo é azul e aveludado. Está cheio de bebés.”<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;">A estranheza de alguns episódios
retira o leitor do périplo turístico e do novelo romântico e é com eles que a
narrativa ganho o outro fôlego, navega em águas mais turvas, mas os momentos de
reflexão social sobre o papel da mulher-não-mãe são muito interessantes,
lúcidos e até acutilantes, embora as arestas não apontem de dedo em riste. São
reflexões-nuvem, pairam e dão fronteira aos diálogos do casal.</p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;">Independentemente de gostarmos ou
não do enredo, partilharmos ou não, viagens e reflexões, o melhor deste livro é
mesmo a forma como a autora nos apela aos sentidos e como demonstra o quanto as
relações nos apuram ou atordoam esses mesmos sentidos.</p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;">“Não tenho dúvida de que esta
ênfase na alimentação é uma forma de me ancorar e de lidar com a ansiedade que
aquele reencontro tinha gerado. Contra essa ameaça, eu saboreio, o que une e
arreiga. Cada pinhão, cada talo crocante, cada pedaço de pão chato mergulhado
em molho ou coberto de condimentos, me ajuda a ficar na imediatez dos sentidos
e a não me deixar apanhar pelos desvarios da mente, da memória ou da
expectativa do que irá acontecer a seguir.”</p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;">Entretanto, na imediatez da
expectativa fica o leitor, tal e qual amor não correspondido perante a
impossibilidade de fechar certas histórias, mas até nisso está bem feito, pois quando
um casal discute, ambos têm razão, mas nenhum está certo <span style="font-family: "Segoe UI Emoji",sans-serif; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-char-type: symbol-ext; mso-hansi-font-family: Calibri; mso-hansi-theme-font: minor-latin; mso-symbol-font-family: "Segoe UI Emoji";">😉</span></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;">“Não negoceio: A viagem será
sempre a melhor das minhas más decisões.”</p>
<p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0cm; text-align: left;">E existem muitas formas de viajar!<o:p></o:p></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-57953405469771119812023-07-18T16:58:00.001+01:002023-07-18T16:58:44.995+01:00"O homem do ciúme" de Jo Nesbo :: Opinião<p style="text-align: center;"> <img border="0" data-original-height="604" data-original-width="400" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtK2B_LEfUThjutsbMcW1RALyt1RjaV_BAeOdpzJc9l9d4T-nbtQHogAmKYdIrgZhfBHJxOp-H00VEheAmnX3GUKf3uMEJYyZyTXxDPkMzUKcpqfX7Ptn219ncn36ke9xdxkLm6yMSVGFdqZbtS98st1VTVpxjOo2fgZjhofgQuKpNrsAmryxcmDUj2C0/w213-h320/Nesbo_contos.jpg" width="213" /></p><p class="MsoNormal">“A taxa de homicídios na Grécia e baixa. Tão baixa que muita
gente se pergunta, como tal é possível num país em crise, com grande taxa de
desemprego, corrupção e agitação social. A resposta espirituosa é que, em vez
de matarem alguém que odeiam., os Gregos permitem que a vítima continue a viver
na Grécia. Outra é que não temos crime organizado porque não somos capazes de
organização necessária. Mas é claro que temos sangue quente. Temos o <i>crime
passional</i>. E eu sou aquele que é chamado quando há suspeita de o ciúme ser
o motivo por trás de um homicídio. Dizem que consigo cheirar o ciúme.”<o:p></o:p></p><div>
<p class="MsoNormal">Não sabemos se o ciúme tem cheiro, mas sabemos que Nesbo
mete o leitor de nariz bem empinado, olfatando por culpados em cada esquina e
com a cauda num frémito como pás de uma ventoinha. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Para o leitor com faro menos apurado ou sem aspirações para
roubar o lugar ao inspector, o ritmo pode ir buscá-lo à «Black Dog» dos Led
Zepplin e enquanto dá ao pezinho e lê desenfreadamente, cruza os olhos quando os
sons se misturam e já o karaoke vai em «Happier» de Ed Sheeran quando os graves
roçam a tortura emocional, causada pelo ciúme… mas a verdade é que <i>ela está
mais feliz</i>.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Ou parece!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E aqui há muita coisa que parece mas habilmente não é! Por
isso, os Led Zepplin retomam o palco e o <i>riff</i> (que parece) menos harmonioso imita o
batimento descompassado do coração do leitor perante alguns finais. Um coração
que não sabe se martela e insiste como a pedaleira dupla duma bateria que acusa
o ciúme como mote para tudo ou se, tal guitarra se deixa dedilhar e <i>gritar</i>
consoante o tom de cada história.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Jo Nesbo agarra o leitor desde o primeiro conto e a morte
cola-se-lhe à pele, daí em diante, a luta é entre a ansiedade, para afastá-la,
e a atração para ela, como solução para tudo, o que não deixa de ser rebuscado quando
misturado com ciúme, actualidade e justiça.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“O homem do ciúme” é um sortido fino de contos, polvilhados
com um toque de malvadez, especiarias maceradas no ponto certo, humor refinado,
uma pitada de inocentes e uma mão cheia dos culpados do costume, tudo muito bem
embrulhado em dilemas intemporais e um laçarote bem repenicado que aponta o
dedo aos temas actuais. <o:p></o:p></p></div><p style="text-align: center;"><br /></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-86660493040916723292023-07-07T08:48:00.007+01:002024-01-18T22:53:20.414+00:00Opinião "Ainda bem que a minha mãe morreu" de Jennette McCurdy<p style="text-align: center;"> Faz muito tempo que não me sento "aqui" para escrever.</p><p style="text-align: center;">As leituras andam pelas ruas da amargura e as opiniões, ui, reconhecem-se ausências de anos, menos regulares que aquele café que juramos combinar com aquela colega da escola secundária com quem (por sorte ou azar!) nos cruzamos na estação dos comboios.</p><p style="text-align: center;">Mas hey....aqui vamos nós!</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3bLcCm0w6C2vmIv6TAglMSWRoAUNqtDrHIfJOy2-CnVxPib58m0O6XPFLynT_r4q3AA5DgcR5wCGGjJ0bj2Su8Y0TXG4FQvVRLArYzwYtAE-dk-rlFMhLu7dB_qqpQNleW7g1mc9q6fUjyEELn-l7f53mDlFKaXiZ9bpJG7AZYc8Bi1dvWmSVB1S0T7o/s1024/capa_laura.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="683" data-original-width="1024" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3bLcCm0w6C2vmIv6TAglMSWRoAUNqtDrHIfJOy2-CnVxPib58m0O6XPFLynT_r4q3AA5DgcR5wCGGjJ0bj2Su8Y0TXG4FQvVRLArYzwYtAE-dk-rlFMhLu7dB_qqpQNleW7g1mc9q6fUjyEELn-l7f53mDlFKaXiZ9bpJG7AZYc8Bi1dvWmSVB1S0T7o/s320/capa_laura.webp" width="320" /></a></div><p style="text-align: center;"><b>"Ainda bem que a minha mãe morreu"</b> não foi o único livro que li nos últimos meses (e anos!) de ausência aqui. <u>Ainda bem!</u></p><p style="text-align: center;"><b>"Ainda bem que a minha mãe morreu" </b>foi um dos que nunca, nem por sombras, me viria parar à mãos por escolha própria. Foi o meu filho que disse "quero ler!" e eu pensei "ahhhhh, isto é alguma dica?!". </p><p style="text-align: center;">Parece que não, era mesmo só um adolescentes com um olho no Tiktok e nas suas tendências. Eu acabei por o comprar, sem nunca ter ouvido falar da Jennette McCurdy e por mais que a leitura da contracapa me tenha deixado a pensar "Wow!", entreguei-o ao suposto leitor e nunca mais olhei para o livro.</p><p style="text-align: center;">Mas a curiosidade levou a melhor de mim e as pessoas que me enviaram um clip de uma entrevista no programa da Drew Barrymore também (<a href="https://www.youtube.com/watch?v=cIYSPwAwQVI" target="_blank">vejam aqui</a>)</p><p style="text-align: center;">Devorei este <b>"Ainda bem que a minha mãe morreu" </b>como se de ficção se tratasse, a arrepiar-me com as ações e reações de uma mãe manipuladora e doente e de uma filha que não conheceu outra realidade e assim cresceu condicionada. </p><p style="text-align: center;">Dizia o Buzz (sim sou velha!), é "FACTO OU FICÇÃO?".</p><p style="text-align: center;">O que nos é contado não é ficção, é a vida de alguém, por mais que a Jennette não fosse conhecida no meu universo de trintona que nunca viu o iCarly, é chocante os episódios que vamos lendo sobre o seu crescimento, a relação da mãe com ela e com a restante família (especialmente o pai!), o desprezo por um caminho que nunca desejou seguir, uma total aniquilação da sua pessoa e as consequências nefastas de todos os fios que a mãe puxou na marioneta superestrela Jennette.</p><p style="text-align: center;">Ainda não terminei mas senti-me inspirada para vir escrever qualquer coisa. Nem que seja porque preciso de ganhar novo fôlego para continuar a leitura após tropeçar em 3 momentos de tradução que despertaram o Pat em mim.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://25.media.tumblr.com/ae019f202d109b996d142bb259dd2176/tumblr_mlayut8VK81rsf5lfo1_400.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="200" data-original-width="392" height="200" src="https://25.media.tumblr.com/ae019f202d109b996d142bb259dd2176/tumblr_mlayut8VK81rsf5lfo1_400.gif" width="392" /></a></div><p style="text-align: center;">(nota: o Pat de Guia para um final feliz The Silver Linings Playbook do Matthew Quick)</p><p style="text-align: center;"><b>NOTA</b>: a capa/título gera sempre comentários e virares de cabeça das pessoas à nossa volta. E vejam lá se no vosso universo, a leitura deste livro não é uma dica a alguém.</p><p style="text-align: center;">Se for, então deviam mesmo ler.</p><p style="text-align: center;"><b>Boas leituras!</b></p>ElsaRhttp://www.blogger.com/profile/11323667256595346167noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-82774706566776400192023-06-23T18:12:00.000+01:002023-09-04T18:49:38.050+01:00«O Quarto do bebé» de Anabela Mota Ribeiro - Opinião<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="450" data-original-width="300" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwauDUM-8cVzJL9Ot4rOGLb6L82M79yA-a3CNgiwLCKtLCmdjm8EOQhMy_G4hBQ94nvfdhIwNAt3PYe3KJauj99TUlb05ApdR64PWr9deSgK8VjnH762DBp_U6df-d4e4g3UQPxaYXXKJr0asUurX3pli_EPPuaHRIN_HSUpsyXhAkHVK2O-1S4kuegOk/w133-h200/AMR-o%20quarto%20do%20beb%C3%A9.jpg" width="133" /></div><p>Escatológico ou não, seja pela quantidade de vezes que relata os seus episódios fecais, seja pelas preocupações que a se abeirou sobre o fim do mundo e ideias de pós-fim de mundo, por motivos de doença e ambiente pandémico, o que e certo é que «O Quarto do bebé» de Anabela Mota Ribeiro é um registo diarístico peculiar, sem friso cronológico definido e que tanto disserta sobre a banalidade e a mesmice do dia-a-dia como tece comentários e preocupações de teor mais intelectual, deixando o leitor sem saber muito bem o que vai encontrar ao virar de cada página. Uma coisa é certa. O medo. </p><p>"Escrever é fazer pão. É dar uma forma ao medo, torná-lo comestível, ser capa de o cuspir."</p><p>E em confinamento, pandemia, doença e incerteza, o medo foi companheiro de muitas horas, nas horas de todos nós. "A raiz deste medo é diferente da raiz do medo do que é incognoscível. Ainda que seja sempre medo. Um solo diferente que dá pedras semelhantes. Lá no fundo, na ramificação, talvez deem as mãos." Tal como as pedras, o medo assume diversas formas, sempre exigentes. Duras. Escrever foi uma forma de combater o medo. Escrever e limpar. Limpar e escrever. Reescrever. Limpar. Mas limpar o quê? O medo e o passado?</p><div style="text-align: left;">"É uma coisa mesmo minha: apagar qualquer vestígio e iluminar-me de espanto se, por acaso, encontrar no futuro uma coisa do meu passado. Isto foi mesmo connosco? Isto fomos mesmo nós? (...)<br />A descrição dos factos destes dias, um dia, vai constituir um dialeto do isolamento. Uma linguagem que só pertence a este contexto, que só nós, que vivemos o medo de morrer e o horror da desesperança, dominamos com proficiência."</div><p>Talvez esta possa ser uma resposta ou um roteiro de leitura. Um diário-prova dos factos. Uma limpeza do medo e do passado das que deixa rasto, embora limpo, arrumado, datado e acedido apenas pelo acto de ler. Contraditório. Como tudo no ser humano, especialmente quando o medo estica as ramificações a um futuro (ou passado) longínquo, como a solidão e a orfandade de ser só cinzas, corpo sem descendência, camada de pó que ninguém vá visitar. E oscila entre a não-maternidade própria, real e a orfandade nascida no abuso que foi a colonização, dando uma perspectiva que não se ouve muitas vezes.</p><p class="MsoNormal">“Quando passaram 40 anos sobre o 25 de Abril, dei-me conta
de que o meu pai não estava quando comecei a andar e a falar. Tinha meses
quando ele foi para a tropa. Essa era a condição de milhares de crianças. A
compreensão dessa ausência, do trauma, da orfandade é uma coisa que só agora
começa a ser escalpelizada nos estudos sobre o colonialismo. Escalpelizada é mesmo
aquilo que quero dize. Abriu-se uma porta para a cabeça, fez-se um lenho, alguns
começaram a entrar, muito começou a sair.”<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal">São variadas e entrecortadas, as memórias entre passado e presente, porque o presente quando começa a ser escrito já é uma memória, diz-nos a certa parte, como também nos diz que luta e esbraceja, é borboleta. E de bater de asas hesitante, hesitamos muitas vezes em continuar, questionando o sentido do que lemos e entretanto a autora responde-nos: "Ainda não estamos nessa fase. Não procuramos capta um sentido. Procuramos sobreviver." E podemos extrapolar as suas palavras sobre a pandemia para o que sentimos com o seu livro, que nos vamos desviando de certas palavras que caem como pedras. Pancada seca, queda abrupta, umas conseguimos identificar de que falésia caem, outras não.</p><p class="MsoNormal">E chegamos ao fim acreditando que o sentido de tudo isto provêm de uma tristeza imensa que acompanha futuros que ficaram por cumprir, que morreram no cansaço e na doença. Uma tristeza imensa perante a dor e o medo da solidão. Simultaneamente há uma enorme capacidade e inteligência de pensar tudo isto de forma detalhada e cirúrgica, ficcionando um registo com arestas verídicas.</p><p class="MsoNormal">"A minha vida são esforços de emancipação, gestos de recusa, uma dor que me autoinfligia, a culpa de me ter insubordinado. E um desamparo absoluto. A certeza de estar sozinha. Não há uma clareira última para onde possa fugir, onde me sinta embalada. Pegada ao colo. O cancro deixou um imenso rasto. Eu não sabia que a extração do tumor eram mais simples. É única coisa simples."</p><p><br /></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4391015166166576214.post-85380924427434259942023-05-13T12:56:00.006+01:002023-08-31T16:53:52.456+01:00"O alegre canto da perdiz" de Paulina Chiziane - Opinião<p style="text-align: center;"> <img alt="" data-original-height="444" data-original-width="486" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEicUpPJd6UHPwEGpgxPBUJB2Wynjkma3OWBvWiDtuo1QdXXXwM-37lNhISASVzdOvFw0q4DcSJEifeGgqcPdbTx7aDxxVzge8OOIYWW1hh_fBG8LzKiJ9LssDS61V8YxElaafxIOZ1Odx8qZyfwekd41RCP-7YnaH2e17fl6RDbN12TqbrPAF8J9AvtclM" width="263" /></p><p></p><p class="MsoNormal">“Um grito coletivo. Um refrão”<o:p></o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">Eu acrescentaria, uma litania, uma ladainha que no seu tom
poético pretende converter a dureza de temas tão vastos e intermináveis como o
racismo, a colonização, a guerra, a violência e a violação; a liberdade versus
a assimilação e a traição, o jugo da opressão, da guerra de raças e de sexos (e
a da religião) - a escravatura - os conflitos interiores e a luta desmesurada
pela sobrevivência, num misto complexo e contraditório de sofrimento e
destruição, sem esquecer a que é autoinfligida. E ainda há lugar para narrar a
Mulher, essa raiz mais profunda e extensa de África, o seu corpo, o seu papel,
a sua sexualidade, toda a sua complexidade e sofrimento.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">“Quantas forças uma mulher deve ter para carregar a tortura,
a ansiedade e a esperança, quantas palavras terá a oração da eterna clemência a
um deus desconhecido, cuja resposta jamais virá?”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">Quantas forças um escritor deve ter para narrar as dores de
uma terra que o viu nascer?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">E quantas forças mais terá que ter sendo mulher que quis
encontrar as palavras que são chuva fresca e têm “o poder das ondas mansas
embalando as embarcações na valsa da brisa”.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">Desengane-se o leitor, «O alegre canto da perdiz» nem sempre
é alegre e nem sempre é fluído como uma valsa. O batuque por vezes impõe-se,
caótico e na tensão de cada batida há uma subversão que quer romper a noite,
rasgar quem derruba a esperança que às vezes já não vem com cada nascer de cada
dia.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">Por isso, as mulheres e os homens que aqui encontramos
seguem de <i>sorriso aberto e o peito fechado</i>, muitas vezes “frustrados
como abelhas embatendo nas vidraças frias de uma janela” porque “há parcelas do
organismo que não se alimentam de arroz, nem de remédios ou palavras divinas”
precisam de sonhos realizados e não de miragens. Ainda assim, o ingrediente que
mais abunda é o da complexidade contraditória que habita todo o ser humano, balanças
ao vento, aguardando a acalmia.<i><o:p></o:p></i></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">“Nas cidades humanas a liberdade é proibida. O ser humano
tem que andar sempre vestido, documentado, calçado. Por andar sem rumo, a
polícia prende por vadiagem, como se alguém conhecesse de facto o rumo de cada
passo. Por que é que tem de se andar num rumo exacto se todos os lugares são
lugares para andar?”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;">E caminhando até ao final do livro, lê-se nas entrelinhas a
mensagem de esperança, acreditando numa humanidade capaz de se reinventar, já
purgada de que ainda reste por denunciar e perdoar.<o:p></o:p></p></div><p><br /></p>EfeitoCrishttp://www.blogger.com/profile/01396363091100533150noreply@blogger.com0