O homem é igualmente incapaz de conceber
o nada de onde saiu e o infinito que o devora.
Blaise Pascal, Pensées
...
retirado do excerto que podem ler aqui do livro Incógnito
O órgão de quilo e meio alojado no seu crânio — com a sua
consistência de gelatina rosada — é um material computacional de
tipo alienígena. É constituído por partes miniaturizadas que se auto‑
configuram e ultrapassa de longe qualquer coisa que a humanidade
alguma vez sonhou construir. Portanto, se se sentir preguiçoso ou
estúpido, anime‑se: você é a coisa mais atarefada e brilhante do
planeta.
...
Ora com uma descrição inicial desta seria impossível resistir a ler esta novidade da Editorial Presença e aprender mais sobre nós mesmos. Apesar das diferenças de personalidade, o que nos comanda é o cérebro... e esse já basta ser complexo no seu próprio funcionamento.
Expressões como "animal amestrado"; "efeito de mera exposição"; "tempestade relampejante"... "puzzle cognitivo"... há alturas em que ao lermos ficamos com a sensação "eh... sou um espectáculo!", já em outras pensamos "o quê, afinal era só isto!? - estou a ser dominada!?"
Cérebro circular? Reajustes? Ilusão?
"Vais acreditar em quem, em mim ou nos teus mentirosos olhos?" E vocês sabem em quem acreditar?
Memória implícita... consciente versus inconsciente, detalhe, pormenor, implícito versus explicito ... pense em todas estas palavrinhas e gere à volta delas, mecanismos complexos e altamente secretos dentro do seu cérebro: já está a entender?
"Como saberei o que penso até ouvir o que digo?" E como poderemos nós saber o que pensamos se somos influenciados pelo «egotismo implícito»!? Lindo, não é!? Sabem do que falo?
Mas limitado o Hóspede.
Emily Dickinson
Este livro não é um romance sobre o nosso cérebro, mas podia ser, acredito que quem lê, se apaixona pelo seu próprio funcionamento. O livro só não permite a leitura como um romance porque a curiosidade é maior e a leitura é constantemente interrompida para explanarmos os nossos conhecimentos. Com uma leitura faseada, mas desenfreada, este livro retornou a mim o velho gosto e dedicação aos assuntos da mente e das suas consequências no nosso dia a dia.
O livro fundamenta determinadas questões, que ainda muitos descredibilizam - como por exemplo a questão da «tábua rasa» versus a importância da interacção social ... "(...) a nossa psicologia evoluiu com o desígnio de resolver problemas sociais..."
Ou por exemplo... sermos baseados em instintos e termos uma consciência flexível e permeável à arte de armazenar instintos, sendo estes grandes ferramentas para solucionar problemas, essencialmente de cariz social.
"Os nossos comportamentos inatos representam ideias tão úteis que ficaram codificadas na linguagem minúscula e críptica do ADN."
Conceitos como cio, atracção, reprodução, fertilidade, desejo, odor, beleza... e agora pense que tudo isso está interligado com uma série de comportamentos inatos, minúsculos e complexos no seu cérebro, onde você participa e decide muito pouco!?!? Quem sabe se a expressão «o amor não tem explicação», quem sabe tem mesmo e é bem pragmática e muito pouco afectuosa!?
É interessante a certa altura do livro entender o nosso cérebro como o nosso companheiro zombie ou seremos nós mesmos os zombies, comandado pela «mão alheia» do nosso cérebro?
Quantas vezes já chegou ao trabalho, como se num abrir e fechar de olhos, sem se lembrar bem do caminho que fez... já lhe aconteceu certo? "(...) Os nossos sistemas zombie são peritos em resolver as tarefas de rotina."
Este livro é um luta de rivais - ora estamos em total concordância ora estamos em total desconfiança daquilo que estamos a testemunhar, digamos que a nossa maior companhia, o nosso companheiro eterno é mesmo o cérebro, ele é a nossa metade, estabeleça uma relação amorosa com o seu cérebro, e amar-se-à muito mais, de certeza! ;)
Fora de brincadeira, este livro é a prova viva de que, provavelmente somos todos bipolares, tripolares ou simplesmente multipolares... seremos nós assim, facetados devido à importância da interacção social!? Seremos nós uma extensão dos outros que nos rodeiam!? Seremos de certeza, já que "os outros" nos influenciam em tanto... aliás o livro tem um sub capítulo sobre a importância de contar segredos que é deverás reveladora... porque escolhemos nós a libertação, a catarse de revelar um segredo como «limpar a chaminé» e depositamos isso noutro ser humano!?! Terá menos validade revelar esse segredo no papel, sem que ninguém o leia... mas e se contamos, não deixa de ser segredo!?
Já nas últimas 50 páginas do livro e após passar a questão de MelGibson adiante, heis que há uma questão que dá o mote final, ora se nós somos assim tão pouco donos e senhores da maquinaria mental ... "o que significa isso em termos de responsabilidade?"
E aqui seria caso para dizer: "Mudem-se os cérebros, mudem-se as vontades" E mais não digo, porque cada parágrafo do livro é uma rampa de lançamento a mais horas de discussão e linhas de divagação.
E lembre-se ainda de uma outra coisa, ler um bom livro é como tomar um medicamento diariamente... por isso, seja bom para si mesmo, alimente a sua «reserva cognitiva», exercite e conserve o seu «vigor mental»
aliás... nunca se esqueça: "Sou imenso, contenho multidões!", David Eagleman
Boas leituras e neste caso, boa introspecção!
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