Para aguçar a vossa curiosidade para o livro "GENTE COM GENTE DENTRO", de Beatriz Gil temos o prazer de partilhar convosco algumas perguntas que tivemos oportunidade de fazer à autora, uma cortesia da Alfarroba Editora.
Entrevista a BEATRIZ GIL, autora das crónicas de "Gente com gente dentro"
Efeitos dos Livros - Desde que comecei a ler as tuas crónicas que penso: O que há de curioso com o nome Beatriz Gil? Podes explicar o que de incomum tem o teu nome? Foi palco de muitas brincadeiras quando eras criança?
Beatriz Gil - Na realidade o nome em si nada tem de incomum, há quem se espante por ter como apelido um nome muito usado como nome próprio, mas além disso nada nele grita insólito, invulgar ou singular. Em criança tive várias alcunhas, e claro que existiram algumas vozes que (pouco) se alevantaram para dizer “Beatriz, tira a caca do nariz”, mas posso dizer que sempre gozei de um sentido de humor que me permitia rir-me junto dessas mesmas vozes, nunca foi um problema, até porque bem vistas as coisas quase todos os nomes podem ser alvos estratégicos para brincadeiras do género, querendo.
Efeitos dos Livros - Sentes-te uma poetisa do quotidiano? É por isso que só escreves crónicas?
Beatriz Gil - Bom, primeiramente não escrevo só crónicas, mas que as sinto como a minha praia, sim. É um género com o qual me sinto à vontade e que, regra geral me é simples de escrever, julgo que funciona como uma continuação de mim, saem-me numa espécie de vómito e é raro voltar atrás para as rever. Não sei se me poderei descrever como poetisa do quotidiano, nunca gostei especialmente de rótulos, mas que é ele, o quotidiano, que me move a escrever, é, sem dúvida alguma. As crónicas funcionam como catarse, de repente tenho aquilo tudo a explodir dentro de mim e a atormentar-me e sem saber exactamente como, as letras aparecem numa folha em branco e a percepção que tenho é de que fico mais serena, que é precisamente aquilo que procuro quando escrevo: libertar-me de alguma coisa inominável mas que eu sei estar sempre lá.
Efeitos dos Livros - É muito importante para ti, escreveres ao mundo a tua própria história? Ou vês-te a escrever contos ou até mesmo um romance?
Beatriz Gil - Para mim, acima de tudo, é importante escrever verdades, as minhas. Nem todas as minhas crónicas são necessariamente sobre mim ou sobre a minha vida, muitas delas são ficcionadas, mas contêm dentro sempre uma ou duas (ou até mesmo três) pontas da minha verdade pessoal.
Sempre me fascinaram escritores que, de tão honestos, me comoviam e me faziam sentir que aquela história era minha também, que por entre vírgulas e espaços eu estava ali e me revia naquelas linhas. No fundo é exactamente isso que pretendo, e é aliás a única forma que conheço e que sei, escrever de dentro para fora, porque dentro somos todos muito semelhantes, as emoções, coisas como o amor, a perda, a morte ou a solidão são transversais à maioria das pessoas, pelo menos àquelas que julgo terem o coração no sitio certo.
Efeitos dos Livros - Explica-nos a escolha do título: "Gente com gente dentro" e até a própria "arrumação" dos textos por várias "dessas coisas que andam dentro da gente".
Beatriz Gil - O ser humano, enquanto individuo é complexo, tem mais compartimentos que uma sala de arquivo, e são todos esses compartimentos que juntos formam uma pessoa, com todas as suas falhas, tristezas, percepções crenças… Sendo um livro que fala abertamente acerca de tudo isso foi uma escolha óbvia, queria ser clara acerca da mensagem que queria passar, que é exactamente falar da gente que temos dentro de nós, das várias caras que cada pessoa de forma individual tem. Aquilo que somos quando absolutamente ninguém está a olhar.
Efeitos dos Livros - A morte é um capítulo importante dentro da tua vida? É um tema para a tua escrita?
Beatriz Gil - Sim… e sim. É curioso, sem o ser, que me faça a questão que me é colocada mais vezes, acerca da morte, é bastante evidente que é um tema que abordo com frequência. Não é na realidade uma temática pensada, não planeio escrever sobre ela, mas apesar disso lá está a morte, patente na maioria das minhas crónicas, mesmo que camuflada. Tenho vivido sempre nessa ambivalência que é a vida versus morte, se por um lado me apavora (por medo de perder aqueles que me são importantes) por outro é uma ideia que permanece latente em quase todos os aspetos da minha vida. Qualquer coisa como uma melancolia que me faz falta, tenho vivido com a ideia da morte de forma muito próxima, quase intima desde há muito tempo. Lá está, é uma das gentes que tenho dentro de mim, que acaba por ter um peso grande naquilo que escrevo, para mim também há a morte, e sinto-a precisamente como sinto como qualquer outra emoção, como a felicidade, a tristeza, o desamparo ou a euforia.
Efeitos dos Livros - Escrever pode ser uma forma de refugio, uma terapia, uma catarse? Podemos encarar as tuas crónicas como as tuas descargas emocionais?
Beatriz Gil - Absolutamente, julgo que nem eu própria colocaria a questão mais clara e de forma mais honesta: aquilo que escrevo são descargas emocionais. O que escrevo faz-me sofrer horrores, todo o processo funciona como um gancho que prendo àquilo que tenho dentro de mim e arranco com violência, sem pretensões a que seja nem levemente semelhante a um romance de cordel ou uma festa no dorso. É importante que seja honesto, e como já se sabe, o que é honesto costuma doer mas depois há uma serenidade e uma calma incríveis, que vêm preencher o sitio onde antes era só turbulência e inquietação.
Efeitos dos Livros - Li, numa outra entrevista, que a publicação e lançamento ao mundo destes escritos tão teus foram um passo dado com calma, visando sempre o respeito pelo teu trabalho - como é ver agora algo tão teu a ser lido, remexido, interpretado e quem sabe, alguma vez até desrespeitado por quem lê, comenta, critica e aprecia a tua escrita?
Beatriz Gil - Tal como já referi, aquilo que eu escrevo, depois de ser lido por outras pessoas deixa de me pertencer. Não sou “mãe-galinha” com urgência em proteger os ovos de ouro, pretendo aliás que todas aquelas letras sejam lidas, remexidas e reinterpretadas várias vezes, talvez até por diversas alturas pela mesma pessoa. O desrespeito é uma condição infelizmente humana, para a maior parte das pessoas será inclusive uma forma de vida, tenho pena, claro, mas há que saber diferenciar uma critica negativa, por não gostarem do meu trabalho, de um desrespeito propriamente dito, por serem indivíduos que a meu ver e segundo os meus padrões são pobres de espírito e que sofrem de um pedantismo pelo qual eu própria não tenho qualquer respeito (logo eu, que acho a palavra “respeito” a mais importante de todas!). Uma critica, seja ela de que natureza for, tem todo o meu respeito e admiração.
Efeitos dos Livros - Como lidas com as críticas ao teu trabalho? Sejam elas boas ou más? Já que, mesmo sendo positivas, poderão existir pontos de vistas que diferem dos teus - isso ajuda-te?
Beatriz Gil - É um dos aspectos que mais prazer me dá, depois da escrita propriamente dita. Tenho perfeita noção de que, nem a forma como escrevo, nem as temáticas que abordo são consensualmente apreciadas, mas a verdade (e talvez possa ser visto como uma limitação) é que não o sei fazer de outra forma. Conhecer o feedback dos que me lêem ajuda-me a escrever melhor, a sentir melhor e a viver melhor.
Efeitos dos Livros - Lês outros autores portugueses, que assim como tu se lançaram agora - qual é a tua opinião em geral?
Beatriz Gil - Sinto uma admiração profunda por aqueles que, tendo em conta o panorama literário e a dificuldade que existe em fazer o nosso trabalho ser notado e valorizado (apesar da globalização e aparente facilidade de acesso ás várias plataformas de divulgação) não param de aparar o lápis, não tapam as esferográficas nem arrumam os cadernos em gavetas trancadas com frustração. Mais do que uma opinião é uma emoção, saber que se produz, independentemente de sabermos que não vamos enriquecer à luz do que escrevemos, principalmente por isso, por não ser isso que nos move.
Efeitos dos Livros - Que tipo de dinâmicas gostarias de conseguir fazer para divulgar mais o teu livro? Onde imaginas que possa chegar o teu trabalho?
Beatriz Gil - Interessam-me tertúlias, mais que as típicas apresentações que na maioria das vezes são frias e impessoais interessa-me falar com as pessoas sobre elas, sobre o que elas pretendem e procuram num livro. É desse tipo de encontros que a escrita que pratico vive. Gostava de ir a escolas, lares, jardins públicos e pôr toda a gente a falar de sentimentos. Um dos projectos que gostava de concretizar era ter o meu livro traduzido em braille e existe um outro, que pretendo iniciar de forma mais séria em breve era ter várias gravações áudio, de várias pessoas, a lerem as minhas crónicas, que cada um lhes desse a sua própria interpretação através da voz e da entoação que lhe colocam.
Espero que o meu trabalho chegue o mais longe possível, sendo que o mais longe possível é sempre vasto e vago. Claro que é importante que as pessoas comprem o livro, que se revejam nele e que isso as faça querer mais, de resto e não querendo usar clichés, usando, o céu é o limite, que por definição não o tem.
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