Eu diria que Sérgio Veiga tem o dom de contar algo belo, contar de forma apaixonada. O aconchego das suas palavras são o calor de quem ama aquilo que conta e fala daquilo que o amou, África!
O Quente Aconchego da Mãe Negra, Sérgio Veiga
Sinopse
«O Quente Aconchego da Mãe Negra é a voz de um povo, o sangue africano em páginas de relatos verdadeiros vividos na primeira pessoa. Relatos arrebatados do mais íntimo da rara sapiência dos velhos contadores de histórias de Moçambique.
Esta obra que nasceu das horas que Sérgio Veiga passou como caçador na savana africana, caçador profissional, o que viu na penumbra das emboscadas, o desenrolar das histórias, o viver das personagens.
É com o seu instinto de quase predador que Sérgio Veiga constrói nestas páginas o trilho até à sua alma.»
A entrevista de Sérgio Veiga ao Semanário Sol - Sérgio Veiga: 'A minha adrenalina tem de ser verdadeira'
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Opinião
Mia Couto diz que Sérgio Veiga está temperado de historias, que é um caçador de si mesmo, que pesca na sua própria invenção, que faz da moldura mais que uma emboscada, ele é um contador de histórias nato, um vagabundo da paisagem, que vai aos sítios, permanece por lá, faz parte dos lugares.
Na leitura de «O Quente Aconchego da Mãe Negra» percebe-se a história de Pedro, que se funde com o amor por África e o aconchego da mãe negra que o embala em histórias e rituais tradicionais do seu povo.
Pedro e Sérgio talvez sejam só um, como a mãe negra é uma hiena também... mas é só quem sabe. A terra profunda e as lendas fundem-se com a impercepção do denso mato, do escuro como breu ou da violência das chuvas e dos animais selvagens.
Pedro Moia é um misto de sentimentos e sensações, é a vontade de crescer, mas continuar-se inocente e crente nas emoções, na infância, na beleza das coisas simples, mas importantes.
"Escondia a tristeza do afeto dos animais, porque só a alma sabia da ânsia quando as férias chegavam e a linha férrea lhe apontava o caminho para os braços da mãe."
A frieza de uma educação de cidade a contrastar com o quente das tradições e do pé descalço. O acerto de uma camisa da farda, com o desalinho de uns calções e o tronco nu... "deram-lhe horizontes novos, ele não quis olhar." Quando o passado é o melhor que temos, de nada vale querermos encarar o futuro.
"Não passava Pedro agora de uma causa que o remoinho de vento fazia esvoaçar sem eira nem beira. Uma semente que chocava com o passado e parecia não lhe querer devolver a alegria de viver."
A incerteza da morte, fruto de uma guerra perdida. A dificuldade de aceitar a injustiça, vítima da ganância dos homens, o horizonte vago, a fome, a miséria... mas quem sofre e sente a falta, para esses, é sempre mais fácil acreditar, ter esperança... Pedro parte, a hiena deve continuar a correr, a fugir... quem sabe as lendas não estão erradas.
Na profunda dor, a incerteza é um sentimento forte, tão forte como a terra, a terra que sempre o fez pulsar, que sempre o ensinou.
"Pedro Moia renascia do ventre da própria terra (...) acordou muito depois com o zumbir das moscas que poisavam nos lábios secos. Com um gesto descontraídos, enxotou-as."
O reencontrar da esperança e da vivacidade, Pedro encontra-a nos recônditos lugares das terras esquecidas até por Deus, aquele que os brancos trouxeram, mas que o medo pela guerra e as catanas levaram de volta.
A desconveniência de Vasco, a gentileza de Laura, a amizade de Maúta ou o negro escuro de Xixonguile... ou ainda o aroma e o doce das "flores" em particular de uma só Flor...
Tal como cresceu o capim, cresceu a esperança em Pedro e a barriga de Florinda.
Por fim, o aconchego da solidão e o uivar de um hiena... "naquela noite cansada" restam as histórias de um povo contadas ao vento.
*
Uma verdadeira fonte de inspiração, de beleza e de sedução.
Eu quero mais de África pela mão de Sérgio Veiga ou então voltar a Mia Couto.
As saudades começam assim.
Até lá, boas leituras.
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