Creio que no primeiro contacto com esta frase inicial não nos apercebemos do quão "o ser invisível" tem um papel importante.
Seremos nós invisíveis na sociedade que nos engole e nos consome?
Seremos nós invisíveis se formos diferentes?
E a invisibilidade dos outros e dos seus problemas perante nós mesmos e os nossos juízos de valor?
Qual é a importância de alguém que sofre do outro lado do planeta, se esse alguém é invisível e está separado de nós por milhares e milhares de quilómetros!?
"É FÁCIL UMA VIDA deixar de ser abençoada." É assim que, desde logo muito cedo, Dana Spiotta nos leva a ligar ser-se invisível e deixar de ter uma vida abençoada. Corre o ano de 1972 e a guerra do Vietname está quase a atingir a maioridade e já conta com quase uma década de envolvimento dos EUA, arrastando milhares de soldados e claramente, milhares de revoltas e movimentos activistas anti-guerra.
A luta contra os efeitos nefastos da guerra insurgiram alguns sentimentos e acções mais radicais e, é aqui nesta frente mais dedicada aos actos que encontramos Mary, mais tarde Caroline e já no fim Louise.
Já em 1998, conhecemos Jason que orbita em torno de uma variedade musical que me coagiu a pesquisar e a juntar para esta crítica uma playlist, acreditando assim ser a banda sonora do livro e a que lhe serve de escape para a realidade no final dos anos 90, que, ávida de consumo, está também insaciável de compreender a clandestinidade e o sentimento de revolta que gerou muitas daquelas músicas. Desde "Our Prayer" dos Beach Boys, sendo uma ode de anunciação e abertura a uma época que já lhe parece tão longe e perdida no tempo, mas que ele, e outros, desejam compreender e abraçar.
A variância musical continua à medida que avançamos no livro, navegando pela pesquisa musical, ouvindo-a por completo, percebe-se a estrutura do próprio romance pela escolha musical, acreditando que Dana Spiotta colocou cada referência no local certo, como se nos obrigasse a ouvi-las. Quem sabe se uma segunda leitura com pausas para ouvir e interpretar cada canção, nos revelasse ainda mais detalhes.
Lendo a entrevista à autora, percebemos o fascínio da mesma por música e faz todo o sentido a quantidade de referências em «Destruir a Prova», nome também alusivo à música (Bob Dylan)
"Há uma relação muito próxima entre a música e a memória. Não sei se pelo processo de repetição. É uma coisa que me interessa muito. No meu caso e no da geração a que pertenço, bem como na geração anterior muito influenciada pelo rock’n’roll, acho que é um contágio natural. Crescemos a ouvir música."
É caso para dizer que entre as bipolaridades de uma própria geração, talvez haja a música para os unir e mesmo entre fossos geracionais, o rock'n'roll continua a salvar gerações e a criação dos seus ideais. É nesse mesmo fosso de mais de 20 anos, entre meados dos anos 70 e dos anos 90 que vemos pessoas como Louise, Nash, Henry e Miranda ou ainda Josh, Jason e Cage, todos eles ligados pela música, pelos ideais e claro pela história oculta que os une.
«Destruir a Prova» é um hino ao espírito de revolta, à luta pelos direitos dos outros, mesmo quando nos parecem invisíveis, é a contestação ao sistema, que acultura e desgasta, que nos consome e fomenta o consumo, espremendo a individualidade, apurando o individualismo, enaltecendo a globalização, mas castrando movimentos manifestantes que possam fomentar o uso da maior ferramenta de que dispomos, a liberdade. A liberdade de dizer: Não! Basta, Já chega!
Um relato que sem chocar, alerta; que sem ser chato, incomoda; que sem ser cansativo, preocupa. Um manifesto pela liberdade de escolha, mas antes de mais, pela resiliência de remar contra a maré, de conseguir uma "ecologia do bem estar" e por uma maior "higiene mental". É um grito pela contracultura, um hino à revolução. Extremamente adequado aos tempos actuais, essencialmente para nos fazer pensar sobre qual o nosso papel e a acção que temos no mundo?
Que papel o nosso? Contrariamos a corrente ou navegamos ao sabor da desculpa "são os outros" - mas quem são "os outros" senão todos nós!?!?
Para terminar e voltando ainda às palavras de Dana Spiotta: "(...) A formação dessa sensibilidade é essencial quando se tem 13 anos e se ouve aquilo que se percebe pertencer a outra realidade, menos limitada do que aquela em que vivemos. Isso fica connosco para sempre."
As formas artísticas como a música são testemunhos intemporais, provas irrefutáveis das marcas do tempo.
Música para os vosso ouvidos - Playlist «Destruir a Prova»
Boas Leituras e Boa semana
Esta leitura teve o apoio da Editora Quetzal:
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