“A evocação que Remarque faz dos horrores da guerra moderna mantém toda a sua pujança.”
The Times
"A Alemanha Nazi ocupava grande parte da Europa. Terra de todos e de ninguém devido ao jogo duplo de Salazar, Lisboa foi durante toda a guerra um território neutro. Num cenário de guerra e perseguição, tornou-se o paraíso à beira-mar plantado." Assim começa a sinopse.
"Demorei-me a olhar fixamente para o navio. Profusamente iluminado, o barco aguardava fundeado no Tejo. Embora estivesse em Lisboa há já uma semana, ainda não me habituara à sua iluminação exuberante. Nos países por onde anteriormente passara, à noite as cidades jaziam escuras como minas de carvão, e um lanterna nas trevas era mais temível do que a peste na Idade Média. Eu vinha da Europa do século vinte." E assim começa este relato tão metafórico como esta introdução, tão negro como a noite ou prolongado como a espera, o desalento, a fome ou a perseguição ou uma noite em constante sobressalto, fosse da insónia, do medo, da ameaça... da incerteza de uma viagem rumo ao futuro, mais incerto ainda.
«Uma noite em Lisboa» são várias noites, dentro de uma noite, horas sem fim, num fim que se anuncia próximo, desumano e doloroso. De Lisboa a Nova Iorque, o sonho esperançoso e a promessa de futuro. É encontrar em Portugal a ponte para a América. Da Alemanha a Paris, uma vida a ficar curta, mais curta ainda pela perseguição, fosse da Guerra, fosse da morte, que no caso de Helen, a perseguia duplamente, como se uma ameaça, só por si, fosse pouca.
Schwarz, o co-narrador (digamos assim) encontrara o narrador, quero eu julgar que seja o próprio autor, relatando em jeito de biografia a sua passagem por Lisboa!? Será?
Fugidos, refugiados, ameaçados, ambos os homens relatam e deixam transparecer trejeitos que se confundem de quem tem em comum as maleitas físicas e psíquicas da guerra:
"Descemos vagarosos pela rua com escadarias. Como se apoiadas nos ombros umas das outras, as casas pálidas dormiam. Pelas janelas saíam gemidos, os roncos e as respirações de gente livre sem problemas com passaportes.
- As luzes - disse Schwarz - surpreendem-no tanto quanto a mim?
- Si. Ainda estamos acostumados à Europa dos apagões. Parece-me sempre que alguém se esqueceu de as apagar e que os aviões podem bombardear-nos a qualquer momento.
Schwarz parou.
- A luz foi uma dádiva divina - disse emocionada -, foi-nos oferecida por termos em nós um pouco de Deus. E agora escondemo-la porque estamos a assassinar essa fracção divina que nos habita."
O diálogo continua e é excelente, mas deixo para lerem nos primeiros parágrafos, gentilmente cedidos pela editora.
Schwarz, outrora Josef, precisa de contar a sua história porque está prestes a partir, a cometer mais um suicídio e precisa que alguém conheça a sua história, para que não deixe de existir totalmente, ele e a história. Seremos nós capazes de abraçar as dores dos outros e senti-las como nossas? Se vivermos experiências semelhantes, marcantes e tenebrosas como o exílio e os horrores de uma guerra, confundimos em nós, traços de todos quantos sofrem como nós? Quantas vezes nos iludimos e quantas vezes nos matamos? Tudo na vã esperança de vivermos novamente, mas melhor!?
"Desses cinco anos de exílio, nada trazia excepto os sentidos apurados, a ânsia de viver, e as cautelas e a experiência de um foragido. Em todos os outros sentidos, voltara de mãos a abanar. (...) O eu daqueles cinco anos suicidara-se quando passei a fronteira. Estava morto. Quem nascia era outro eu, uma dádiva isenta de qualquer responsabilidade.
(...)
A possibilidade de cometer suicido é uma bênção que raramente estimamos. Dá-nos a ilusão do livre-arbítrio. É provável que nos suicidemos mais vezes do que suspeitamos."
A morte, relatada em grande escala, aumenta mais ainda a importância da vida. É de vida, de amor, de memórias e de felicidade que se constrói um inesperado livro de memórias pelas felicidades e pelas realidades de outrora conhecidas, era o desejo de "pele com pele" ao invés de "sangue com sangue", foi a busca pela união perfeita, num tempo e num mundo exaltado de imperfeições.
"O tempo - como sabe -, é a morte diluída, veneno ministrado a conta gotas, em doses aparentemente inócuas. De início estimula e até faz com que nos sintamos imortais - mas, gota a gota, dia a dia, ganho força e destrói-nos o sangue. (...) o ácido do tempo modifica-nos, a composição química deixa de ser a mesma."
Uma aposta da
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