Terminei agora mesmo a leitura de «O menino que ninguém amava» e é muito raro escrever logo de seguida à leitura, por achar que por vezes os sentimentos acerca de um livro precisam de ser moldados à frieza do discernimento e à análise mais pragmática e menos emotiva, mas perante uma história desta dimensão, sou incapaz de ficar calada. Apetece-me "falar" e existem questões que não se calam na minha cabeça.
Que amor de mãe se traz no peito, no coração, na cabeça, quando uma mãe, que de tão drogada que está (spoiler) não vê que abusam sexualmente do seu filho, porque a pedrada é tanta que a sensatez e o equilíbrio falham e quem pagam são as crianças.
Como se explica a uma criança, que os adultos que a deveriam acolher, proteger, amar, ensinar... são exactamente aqueles que a desprezam, maltratam e deixam definhar à fome?
E é assim que começa a história de Justin, com quem Casey, a mãe de acolhimento começa a sua história, revelando o sofrimento, a fome, o abandono que leva a que uma criança com cinco anos incendeie a casa onde vive para assim, de alguma forma, se salvar e chamar à atenção para o seu problema.
Um trocadilho que é feito durante o decorrer do livro, Justin e just-in-time... parece-me uma metáfora excelente para o momento, a oportunidade em que Casey e a sua família decidem abraçar a causa das famílias de acolhimento temporário e tentam reeducar Justin, segundo um sistema de reaprendizagem daquilo que são comportamentos correctos e sociáveis, permitindo-lhe assim integrar-se novamente na sociedade, na escola e claro: receber amor. Já que Justin tem onze anos e passou por vinte - 20 - em seis anos, foram 20 colocações falhadas, fora, é claro, todos os momentos mal sucedidos de retorno à família biológica, composta por uma mãe desequilibrada pelo consumo de droga e dois irmãos mais novos, sem pai ou mais família alargada que o ajudasse.
A revolta desta criança é marcada por momentos de total alienamento, que resultam em episódios de violência, contra ele mesmo, contra quem o tenta parar ou simplesmente contra quem ele identifica como um opressor às suas vontades. Claro está que a sua forma de falar ou agir é marcada por uma brutalidade imensa, espelho da brutalidade de que sempre foi vítima.
As surpresas não param, ao longo destes episódios, mas também ao longo das conversas que vai conseguindo ter com Casey e que revelam um maior, muito maior, mar de sofrimento e sombras num passado tão curto mas tão marcante.
Lemos estas páginas com o coração ao pulos, ansiosos pelas revelações nefastas que se podem vir a revelar, mas ao mesmo tempo fazendo figas para que a reaprendizagem seja bem sucedida e Justin seja capaz de se integrar, tudo o que ele precisa é amor, mas precisa de alguém que seja capaz de lho dar e aceitar toda a bagagem emocional que ele traz.
Uma leitura com o apoio da PRESENÇA, aproveite e leia aqui as primeiras páginas.
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