capas da edição brasileira e portuguesa (2011 e 2013)
Uma edição Clube do Autor
Pedro é um cidadão como tantos outros, cansado do dia a dia de trabalho e que encontra nas viagens de autocarro um tempo para as suas leituras, um escape do stress diário. No entanto, a sua capacidade, conhecimentos e memórias mais recentes, levam-no muitas vezes a viajar para fora do autocarro sem nunca de lá sair.
É isso mesmo, são quase 200 páginas, com um personagem num percurso de autocarro em direcção a um bairro de lata, um morro, uma favela... uma panela de pressão, prestes a explodir e que explode tantas vezes, entre violência, assaltos, discriminação, roubo, crime... tudo o que desigual a sociedade gera e a sociedade somos todos nós.
Neste caminho para o desconhecido, já que o autocarro é obrigado a desviar da rota habitual, Pedro divaga ainda mais e facilmente abandona o livro de Darwin e se centra na vida e em questões que o preocupam.
O livro de Rubens Figueiredo, arrecadou vários elogios e um prémio para melhor livro 2011 e o autor afirmar ter levado quatro anos, não só a escrevê-lo, mas a pensar sobre o que escrevia. E esse é o cerne do livro. Pedro é um pensador, um divagador, que quer obter respostas e ligações entre os episódios da vida. Questionando-se sobre o porquê de à sua volta pouca gente questionar o que para ele é questionável?
Confuso? É capaz, mas afinal a sociedade e as relações entre indivíduos não é coisa fácil.
Espere um livro que o desperte para a desigualdade social e como percebemos essa desigualdade. Como assimilamos e aceitamos a desigualdade sem a questionar!?
É esse quotidiano nefasto que segrega e condiciona o cidadão brasileiro que o autor pretende explorar. O medo, a instabilidade, a violência e a cegueira do dia a dia, que criam mecanismos que nos "defendem" da desigualdade e da segregação social.
Mas ela está à porta de todos! Mas como vê-la? Aliás como fazê-la mostrar-se aos olhos de todos como algo que é de todos? A desigualdade é como o crime e a violência, não existe só quando nos bate à porta, existem mesmo quando não se pensa nela.
Não espere de «Passageiro do fim do dia» um romance ou um enredo complexo. Pedro é um personagem só e solitário, mas com um pensamento que engloba o mundo. O enredo não quer chegar a lado nenhum, talvez nem a Tirol, ou sequer a Rosanne. As divagações de Pedro, o presente preso ao passado e o futuro condicionado pelo presente pretendem chamar a nossa atenção para o hoje, a importância de entender o agora, compreendendo as metáforas da vida.
O livro deixa questões em aberto para que fiquemos a pensar: quando somos vespa e quando somos aranha? Talvez a intenção seja mostrar-nos que a sociedade actual nos transforma em vítimas, mas igualmente em agressores.
Curioso é ainda a forma como Pedro se isola nos seus pensamentos e como cada divagação o vai levando para fora da realidade e acção, passiva e opressiva, que se passa dentro do autocarro, será isso um mecanismo de defesa e de auto controlo? Será que este livro também nos ensina a camuflar medos e a ultrapassar barreiras do dia a dia?
Leiam! Recomenda-se a entrada no autocarro em hora de ponte, num lugar sentado e para uma viagem longa, assim irá lê-o de uma assentada e sentirá, de certeza, o peso que a sociedade actual exerce sobre todos nós e não deixará de tecer comparações entre a realidade brasileira e a portuguesa.
Deixo também uma entrevista ao autor que concluí muito bem a leitura do livro.
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