Quantas vezes não terminam um livro cheios de vontade de questionar o autor sobre uma personagem ou cena em especial?
Quase nunca temos a oportunidade de ver respondidas essas perguntas, mesmo quando lemos entrevistas atrás de entrevistas.
Ocasionalmente, surge a oportunidade de estar no papel de quem faz as perguntas e desta vez, tenho o Nuno Nepomuceno, autor de "O Espião Português" a responder às minhas.
Para quem ainda não conhece a história do romance de estreia do Nuno,
"O Espião Português" deu-nos a conhecer André
Marques-Smith, um jovem promissor, quer como agente secreto, quer como
responsável pelo Gabinete de Informação e Imprensa do Ministério dos Negócios
Estrangeiros Português.
– Como nasceu a ideia de tornar o
Chefe do Gabinete de Imprensa do MNE num espião?
Na verdade, surgiu um pouco ao contrário.
O desejo de escrever um romance de espionagem é algo que acalento há mais de
quinze anos, desde os tempos da universidade. Nunca pensei muito a sério no
assunto, já que tinha outros planos profissionais, mas quando decidi fazê-lo,
mesmo antes de redigir o primeiro parágrafo, comecei por definir as
personagens, bem como algumas linhas gerais sobre o rumo que desejava para a
narrativa. O protagonista tinha obviamente de ser um espião, mas queria que
viajasse imenso, por forma a dar um ar mais cosmopolita e variado à acção.
Contudo, como este seria um aspecto secreto na vida de André, tinha de o tornar
verosímil, credível. Foi então que pensei no Ministério dos Negócios
Estrangeiros. Pesquisei durante algum tempo sobre a sua orgânica interna,
ponderei as minhas opções, e cheguei ao Chefe de Gabinete de Informação e
Imprensa. Tudo o resto, como o percurso académico do André, o cargo ocupado
pelo pai, e até algumas personagens secundárias foram criadas com base neste
pressuposto. Só depois é que comecei a escrever o livro propriamente dito.
– A escolha do nome de código foi
um acto isolado ou podemos esperar uma revelação por detrás do nome Freelancer?
Sim e não. A escolha não foi
inocente, embora não seja de esperar uma ligação ao arco narrativo da trilogia.
Optei por Freelancer, por achar que era um nome de código adequado à
personagem. Apesar de ser muito eficiente nas suas funções ao serviço da
agência de espionagem para a qual trabalha, o André não se vê a continuar
ligado à mesma por muitos mais anos. O seu código ético e moral assenta em
valores muito clássicos como a família, o amor, ou a amizade. Do meu ponto de
vista, isto é algo limitativo para mim enquanto autor, já que não o posso
colocar a fazer tudo. Há determinadas atitudes que o André nunca tomará, seja o
que for que esteja em jogo. Por outro lado, é também a maior virtude da
personagem e o que a move. Ele quer construir algo mais, além da sua vida
profissional. Daí a ideia de alguma independência subjacente ao nome escolhido.
– Neste livro acompanhámos as
missões de André por cidades como Estocolmo, Londres ou Viena. Que cidades
serão palco das novas aventuras de André?
A minha intenção é que a
palavra-chave para o próximo volume seja evolução. Quer para mim enquanto
autor, mas sobretudo para o André e para a série. No primeiro volume optei
sempre por cenários muito clássicos como a Elsa destacou. Em simultâneo, tentei
apresentar uma narrativa inspirada em moldes mais contemporâneos, como são
exemplo os capítulos curtos ou as analepses, e assim criar uma espécie de
fusão.
No segundo tomo, estou a fazer
outras escolhas. Existe uma outra personagem que foi secundária em “O Espião
Português” e que aqui irá disputar o protagonismo com o André, além de outras
duas que também serão muito desenvolvidas. Isto vai adicionar um toque
extraordinário de exotismo e romance ao segundo livro, que espero vir a
contrastar com o seu predecessor. Por outro lado, irá também decorrer sobretudo
durante o Inverno, o que abre logo a porta a outros cenários. Sem querer
revelar muito, a segunda parte das aventuras do André irá iniciar-se nos
Emirados Árabes Unidos e fazer uma importante passagem por Courchevel, uma
estância de esqui nos Alpes Franceses. Duas das cidades presentes em “O Espião
Português” serão revisitadas, Lisboa será muito melhor explorada, com direito a
uma operação de espionagem, e teremos ainda a presença de Budapeste, a capital
húngara. Grande parte do segundo livro decorre em terras magiares.
– Pensaste em alguma série (de
livros ou televisiva) como inspiração? Tens alguma favorita que te inspire?
É difícil não nos deixarmos
influenciar por aquilo que vemos, lemos, ou vivemos. Se pensarmos bem, até as
nossas próprias relações interpessoais e daqueles que nos rodeiam podem ser uma
fonte de inspiração. Não escondo que sou um ávido consumidor do tema
“espionagem”, mas tento não copiar ninguém, ou pelo menos não o fazer de forma
intencional. Claro que há alguns pontos de contacto com os filmes do James Bond
(nunca li os livros, admito), o franchising da “Missão Impossível”, ou mesmo
com a série “A Vingadora”, protagonizada pela Jennifer Garner, já que são
produtos que ajudaram a construir o meu imaginário, além do de grande parte das
outras pessoas. Contudo, há sempre forma de incluir algo novo. Mais do que
escrever romances sobre espiões, quero desenvolver uma identidade e um estilo
enquanto autor, algo que me diferencie dos restantes. E se assim é, tenho de
conseguir ser original.
– A ideia de criar uma trilogia
surgiu logo de início ou desenvolveu-se com a escrita do “Espião Português”?
Foi algo que conceptualizei desde
o início. A escolha da Presidência Tripartida da União Europeia não foi inócua.
Defini desde cedo que cada um dos volumes corresponderia a um dos três períodos
de seis meses que perfazem a mesma. Depois, foi só criar uma história com
ramificações suficientes que pudessem perdurar ao longo de três livros. É um
risco grande, obviamente, ainda mais sublimado pelo meu desejo de criar tomos
independentes. Cada volume terá um arco narrativo com princípio, meio e fim,
para que os leitores possam desfrutar do livro sem se sentirem obrigados a ler
o que o antecede, o que não é fácil, mas que encaro como um desafio. Há muitas
pessoas que consideram “O Espião Português” uma obra de final aberto. Não penso
assim. Tudo o que nele é apresentado, tem uma conclusão. Esta poderá é não ser
a mais óbvia.
– Depois da reviravolta que André
sofreu na sua vida durante o primeiro livro, em que se irá concentrar o 2º
volume?
A ideia por trás do segundo
volume será o trinómio dúvida-confiança-traição. É nestas três palavras que
assentará o coração do livro. Se pensarmos bem, as revelações presentes nos
últimos capítulos de “O Espião Português” fazem com que todas as pessoas mais
importantes no círculo familiar, profissional e pessoal do André, o tenham
traído ou mentido de alguma forma. E isso será algo que ele terá de debelar
dali em diante. Em quem poderá ele confiar ou não? E que preço terá de pagar se
decidir fazê-lo de novo? Por outro lado, há toda uma série de relações que se
estabelecem com os acontecimentos de Viena que terão de ser condignamente
explorados. Falo por exemplo dos problemas no Ministério, ou mesmo no futuro da
organização rival e do Projecto Lebodin. Por fim, uma mulher entrará na vida do
nosso espião português. E esta vai mudar radicalmente.
Mal podemos esperar por ler o segundo volume da Trilogia Freelancer.
Em nome do Efeito dos Livros, gostaria de agradecer ao Nuno a sua simpatia e amabilidade durante o processo em que tivemos a oportunidade de ler, comentar e esclarecer dúvidas sobre "O Espião Português"
Obrigada!
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