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terça-feira, 13 de maio de 2014

"Perfumes", de Philippe Claudel - Opinião


Era impossível resistir a este "Perfumes" de Philippe Claudel, com tão soberba referência logo na capa. A obra de Gustav Klimt, "As três idades da mulher".

Depois, é também impossível resistir a tão belo começo que se lê nas primeiras páginas, facultadas no site da Sextante, onde se lê a influência dos Abetos e das Acácias. Desde cedo se percebe a ligação
à Natureza nestes relatos perfumados, organizados alfabeticamente, como que controlando a possível fuga de algum desses cheiros e correndo o risco da biografia sensorial ficar incompleta.

Assim, de A a V, de Abeto a Viagem, Philippe Claudel traça um diário das suas memórias, desde a infância à idade adulta. Num livro pautado pelos cheiros, o autor dá corpo a um conjunto de episódios que se aproximam às vivências dos leitores, seja nos cheiros que nos são familiares ou nas memórias que também nos são comuns.

É então pela "Tábua de Perfumes" que vamos conhecendo o pai lenhador, camponês, operário químico, que no pós-guerra vira policia, mas não esquece as suas florestas, ou não fossem eles naturais dos Vosgos. É por linhas breves, mas intensas que a vida familiar do autor vai espelhando as raízes francamente encastradas neste cenário montanhoso.

"É um mundo de quietude, de zunidos de abelhas, de lentos trajectos de lesmas (...)" (pág. 12)  Entre couves, carvão ou estrume, mergulhando no forte odor do alho que lhe arde nos olhos, mas lhe satisfaz o paladar... esse que quase só anualmente sente o exótico da canela, mas não a esquece, quando misturada no vinho doce. É nesses cheiros inebriantes que se libertam da cozinha que relembra a avó.
Por entre cheiros, memórias e descrições breves, mas belíssimas, que ficamos a conhecer o pai, a avó, a mãe... as namoradas, os sonhos e os episódios com que se talha a tábua de cheiros de uma vida. É curiosa a forma como a memória olfactiva a que o autor apela me fez pensar nos cheiros que me têm acompanhado ... 
E você, já pensou quais os cheiros que têm perfumado a sua vida?

Quando começa esta viagem sensorial há uma referência a Einstein (pág.43) que diz: "A ordem é a virtude dos medíocre", o que não deixa de ser curioso face à forma caótica e repentina como os cheiros nos "atacam" nos dia a dia e puxam, arrebatam e nos assaltam os sentidos, deixando a marinar no nosso pensamento, memórias antigas... Nesse sentido ficamos a pensar até que ponto todo o livro não é um convite à desordem e a cheirarmos os capítulos que mais nos apeteça. 
Se assim for, eu começaria na "canela", que foi precisamente por onde comecei. Peguei no livro enquanto mexia uma marinada de vinho, noz moscada, aniz, canela... apurando o molho para umas pêras bêbedas.
Desta forma, defronte ao fogão, mergulhadas já as pêras, li em família esse capítulo. Recordámos cheiros, sabores e episódios que nos levaram a cantos como as nossas praias favoritas, relembrando o protector solar de cenoura.

Mas, as semelhanças e a aproximação que senti, vai mais além, o Citröen 2cv, a esferográfica Bic, os cromos da Panini ou as guitarradas de Mark Knoppler, são memórias que se cruzam com as minhas. Se bem que existem capítulos que me fazem sentir falta até de coisas que não tive, como uma lareira para as noites frias de Inverno... É este saber medir o avanço do Inverno pela pilha de lenha e de carvão que me fez inveja. Há também uma ligação à cozinha, uma divisão simples em torno de uma mesa. A mesa das refeições, dos deveres, dos jogos de Monopólio... a mesa onde hoje me sento e leio! O autor e eu.

"Eu estou nos livros (...) É o lugar onde habito, leitor e artesão, é o que melhor me define." 

"Perfumes" é um regresso à casa mãe, ao aconchego da infância, reavivando memórias dos cheiros de uma vida. Um livro que é um convívio comensal para os sentidos, numa prosa capaz de nos colocar a escrever sobre os cheiros da nossa própria vida!




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