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segunda-feira, 23 de junho de 2014

Opinião :: "Tampa" de Alissa Nutting

WOW!
É a minha primeira reacção ao fechar o livro. Depois de passarmos pelo nojo, espanto, incredulidade e uma multitude de outras sensações. No entanto este WOW não deixa de ser sinónimo de espectacular. "Tampa" é um livro que custa a digerir mas somos sugados para um vórtice de pensamentos contraditórios em que estamos completamente arrepiados pelos desvios comportamentais da personagem e da história mas sentimos um interesse verdadeiramente genuíno pelo seu desfecho. É quase como quando passamos por um acidente de carro. É mórbido sabermos que pode lá estar alguém morto mas continuamos a olhar.


Tenho lido muitos comentários sobre o livro,  feitos por pessoas de muitas idades e localizações. A sinopse chega para dividir as águas. Temos os leitores capazes de embarcar nesta leitura e os outros que nem chegam a tentar, visto que sabem de antemão não suportar o que lhes vai ser apresentado. No entanto, a prova dos nove são as primeiras 50 páginas. Estes momentos iniciais são decisivos para o leitor se indignar e virar costas ao livro ou para continuar no caminho tortuoso que é a jornada de Celeste na abertura do novo ano lectivo, que é para si a época de caça aos jovens franzinos de 14 anos cujas vidas ela acaba por destruir. 

A ideia inicial do livro dá-te voltas ao estômago? 
A mim também, até que me habituei ao que estava a ler. Temo em dizer isto e não me interpretem mal mas a história estão tão magnificamente bem escrita que, por mais demente que seja Celeste, os seus desejos, pensamentos e maquinações, que eu tive de colocar de lado a minha indignação para ler o livro até ao fim, para saber o seu desfecho, para saber como/quando/onde esta existência sórdida ia acabar.
Foram 288 páginas com muitos momentos de fazer arrepiar a espinha, de franzir o sobrolho e de levar as mãos aos olhos e forçar a pálpebras em jeito de "se fizer força suficiente talvez esta imagem não se grave no meu cérebro"
Pois, tarde de mais! Com Tampa, isso é impossível!  Tudo o que lemos, graficamente descrito fica gravado na mente como uma marca feita a ferro quente. Acho que há cenas que são bem capazes de revolver um estômago mais sensível. Dei por mim a fechar o livro e a dar uma volta só para ter coragem para pegar nele novamenet.
Este livro prometia chocar e elevar a barra no que toca a material propício a discussão. Como dizer a alguém que se está a ler este livro? Devo analisar este livro como mulher, como mãe ou apenas como um ser social e objectivo? Devo mandar para a fogueira e queimar? Devo preocupar-me quando a meio da leitura a ideia do puto ter 14 anos deixou de me fazer confusão? Será que ela se safa no fim? Seria diferente se fosse um homem no lugar de Celeste?
Há uma multitude de questões que me atacam com a conclusão deste livro e das vezes que desde então o tenho puxado para discussão com amigos (homens e mulheres) as reacções perante o meu resumo (Professora de 26 anos que se envolve com miúdos de 14 anos) criam uma miríade de expressões que vão do nojo à ideia de "só na minha altura é que não haviam professoras assim" (sendo esta última ideia quase exclusivamente masculina)

A verdade é que Alissa Nutting conseguiu contar uma história que inicialmente estranhamos mas que rapidamente se entranha e o problema é mesmo esse. Começamos por nos arrepiar com os pensamentos, as descrições detalhadas dos pensamentos secretos de Celeste e das suas acções que nos repugnam, a própria personagem é doentia nas suas relações adultas e quando ela finalmente tem o que quer, damos connosco a pensar "como, quando e onde esta gaja vai cometer um erro que arruíne tudo?"
Precisamos de saber o que lhe vai acontecer, se no fim é apanhada, julgada e culpada. Talvez seja um sentido de justiça que me fez passar o livro todo a pensar nisso, no momento em que a "festa" acaba para Celeste. Logo com a ideia inicial do livro senti um arrepio na espinha. Sou mãe, não consigo sequer conceber uma parte da história mas sou igualmente mulher, pessoa que tem dois olhos na testa e que consegue ver muito do mundo como ele realmente é. Embora não aprove que Celeste ande com miúdos de 14 anos levanto a questão: Eu sei que é abuso sexual de menores mas havendo consentimento, é o quê realmente? Que tipo de crime? Do que se culpa esta pessoa em questão? Se a vítima não foi forçada e até voltou várias vezes para repetir, de que se acusa o arguido? Conseguirá condenar-se esta...."pessoa"? Mesmo sendo acusada de crime contra menores, será que no fim não escapa?

Garantidamente se formos falar com mulheres de 26 anos e as questionarmos sobre o desejo de se enrolar com miúdos de 14 anos, a resposta será não. Mas e se a mesma pergunta fosse feita a homens de 26 anos? 
E se formos fazer a pergunta a miúdos de 14 anos ? Rapazes ou raparigas. Qual seria a resposta perante a possibilidade de ter um adulto, professor ou não, com boa aparência física e interessados em se envolver físicamente com eles....qual seria a resposta?
Eu sei, é errado, toda a ideia revolta-me mas agora digam-me, numa geração que cresce com cada vez menos pudor e tabus relacionados com sexo, será que a resposta era não?
Com isto não estou a tornar válida a conduta da personagem, nem a ideia geral do livro. "Tampa" não deixa de ser doentio, chocante e difícil de ler. O livro coloca acontecimentos na nossa cabeça que nos fazem olhar de maneira diferente para as pessoas mas acima de tudo lança tantas questões que acho que não devem existir duas pessoas, pelo menos que eu conheça, com opiniões iguais.
Se conseguirem arranjar estômago para o ler, força, depois venham falar comigo.

Um 4 que eu avaliei com um 3, pelas vezes que me arrepiou a espinho, pelas vezes que pensei "ela vai-se safar, eles safam-se sempre".
Um livro que por mais polémico que seja, nos faz querer ler umas quantas entrevista à autora e comentários de leitores, nem que seja para ver se o mundo começa a ficar dormente e acomodado à indiferença perante histórias que devíamos abominar do principio ao fim ou até mesmo antes de elas terem lugar para acontecer.

Um edição da Divina Comédia


Nota: Esta história tem como referência o caso real da Professora Debra Lafave, colega de escola de Alissa Nutting, que se envolveu sexualmente com um aluno do 8º ano. Estou a ganhar coragem para ver entrevista, onde ela alega um transtorno bipolar para o seu envolvimento com o aluno.
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4 comentários:

  1. Uma questão. estamos perante uma história inventada, com a história da Debra Lafave como inspiração, ou é o relato do que se passou?

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  2. Tendo em conta que o livro é todo contado nas perspectiva de Celeste (uma bem depravada e detalhada)creio que a autora tomou liberdade de compor a história com uns tantos pontos inventados. A Debra envolveu-se, supostamente, 4 vezes e maioritariamente em terreno escolar com um único aluno. A história contada no livro desenvolve por imenso tempo, passa por mais que um miudo e é extremamente sórdida nas extensão dos detalhes.
    Digamos que a inspiração em Debra é a ponta do iceberg e a história de Celeste o lado escuro que está escondido dentro de água.

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  3. O livro agarrou me e despachei o em dois ou três dias, as ferias ajudaram.
    Mas ficou aquém das expectativas... o que realmente me interessava neste livro era conhecer a mente(demente?)daquela professora explorar o lado obscuro de quem tem este tipo de preferencia sexual, mas o que me chegou foi só a parte física, o desejo e o ato.
    Ha um misto de sensações, sim, e acho que nisso a autora esteve bem, por vezes até nos conseguimos abstrair de que o miúdo ainda tem idade para brincar com os playmobil, e que se esta só a vivenciar uma cena entre duas pessoas.
    Mas para mim não chegou...queria ter ido até ao fundo da massa cinzenta e perceber qual era o fusível que estava avariado, segundo a nossa sociedade.
    Obrigado minha cara por mais este empréstimo ;)

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  4. Acho que mesmo sendo uma história chocante como é, me dá vontade de ler... vamos lá ver se consigo chegar ao fim!
    Obrigada pela tua review... super bem escrita e reveladora qb, sem destruir a curiosidade.

    * Blog mary red hair *

    *Canal mary red hair*

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