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quarta-feira, 16 de julho de 2014

"Marginal", de Cristina Carvalho - Opinião


Confesso que o destaque dado a um breve excerto como sinopse deste "Marginal", me deixou desde cedo meio siderada, perdida, introspectiva.
O que tanto nos acontece na vida para que, em determinada idade ou fase da vida, desejemos desaparecer?

«Sabes o que é que eu gostava mesmo? Era de me enterrar completamente nua na areia e sentir a areia húmida nas pernas, que me chegasse até às coxas, até às ancas e que eu me deixasse enterrar tanto e tanto e tanto que pudesse desaparecer para nunca mais ser vista…»

"Marginal", como localização, dá-nos logo um cenário. No entanto, não nos coloca logo a pensar em nos sentirmos marginalizados. Postos de parte. Sentirmo-nos à margem. A mais. Sentirmo-nos tanto a mais que passamos a sentir tudo de menos. Será possível!?
Fiz esta alusão ao título, mas o mesmo não quer dizer que assim siga o enredo. Mas pode. E parece-me assim a mim, que em muitos momentos me apartei do livro e me perdi em memórias.

Que impacto tem uma série de instantâneos, encontrados ao acaso? Até que ponto, até que profundidade o peso das memórias embate com o vazio da realidade?
É ao entrar na vida, que parece ser de outra pessoa, que a pessoa que somos hoje volta a despertar para a vida?
Será o livro de Cristina Carvalho um convite a olharmos também a todos os "outros" dentro de nós? Aquele que fomos e perdemos no tempo. Aqueles que queríamos ser e que o tempo nos roubou. Aquele que somos hoje e jamais reconhecemos...

Um livro revelador. Um tanto cru. É aquilo que é, que ali está dito, exposto, evidente. Mas também, não só isso. Porque afinal somos mais... sempre mais qualquer coisa.

Há sempre um episódio mais rebuscado, mais arisco, com cheiro a aventura, mas desfecho de dissabor... como a vida da tia Milu. O quanto eu apreciei ler sobre a tia Milu... "(...) daquelas vidas sem remédio." (pág.94)
Há por toda a narrativa, recheada de saltos temporais, uma certa maldade, quase só de língua, meia inocente, por onde se arrasta o desejo de libertação, revolução, emancipação... afinal os rasgos de memórias atravessam os idos de Abril de 74. É como se os cravos tivessem espinhos, afiados, pontiagudos... prontos a espetar quem reviravolteasse, quem no passado fosse mexer.

Uma leitura para aguçar a vontade de ler mais de Cristina Carvalho.

*

Um livro, um música - A Whiter Shade Of Pale – Procol Harum – 1967


Um livro, outro livro. "As recordações" de David Foenkinos



Uma leitura com o apoio Editorial PLANETA

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