Esta poderia ser a minha adaptação à sinopse original. Apeteceu-me dar-lhe um toque de comentário a quadro exposto em museu, já que neste livro tudo tendo a ser belo e perfeito, cuidado e harmonioso. Até mesmo o inspector, recorrendo a um modelo clássico, um homem bem vestido, culto, aparentemente sem fantasmas ou esqueletos no armário, sensível, muito humano, que surpreende pelo lado metódico, sem atingir contornos de autoritário ou psicótico com o rigor com que actua e como quer que os seus subordinados actuem.
Gostei de Gamache, mas gosto mais do típico anti-herói.
Este "Natureza Morta" é tão perfeito que parece limado para, em nada, ferir o leitor, até a situação com o casal homossexual é contida e pouco acusatória, sempre sem ferir susceptibilidades. É como se tudo tivesse sido avaliado ao mais pequeno milímetro para que nada, efectivamente nada, ganhasse vida! Estou a fazer-me entende!?
Natureza Morta é, em si, o retrato da moderação, da tolerância, do moralismo, do politicamente correcto... ou seja, fictícia!!!
O que eu realmente gosto mais é mesmo essa alusão no título, essa metáfora tão bem conseguida. Uma sociedade, mesmo que mini, que pretende ser tão perfeita e bela que não é, nada mais nada menos, que um emaranhado de segredos e falsidades.
É nesse novelo que se traça a investigação e bem ao jeito clássico, se vai, destapando os buracos de cada vida, sejam eles importantes ou não, mas só se saberá depois de desvendados e enquanto isso, o leitor vai espiando essas tais vidas perfeitas, cheias de falsas aparências.
Nas pinceladas deste Natureza Morta nem o crime choca, nem a forma de o conceber é hedionda, como se também disso as pessoas devessem ser protegidas. Tudo está emoldurado, a cobiça, o crime, o medo, as falsas intenções... tudo é plácido e pouco instigado, para que a paz não seja perturbada.
Mas até a paz tem sombra e nessa sombra, nessa escuridão, o que se esconde?
Digamos que este livro explora aquilo a que podemos chamar de uma paz podre.
«Quem sabe o mal que se esconde no coração dos homens?» (pp.88)
Acredito que este primeiro livro da série Gamache seja como uma obra de arte, quer isto dizer, cada leitor fará a sua própria avaliação e sentir-se-á mais ou menos próximo com o elenco. Se isto fosse adaptado ao cinema ou série, seria fã do casal homossexual.
É curioso estar agora a escrever sobre este livro e ter marcado uma passagem sobre a importância de saber perder e aceitar a mudança e ter sublinhado uma frase, sussurrada, impronunciável por uma psicóloga "(...) acho que muitas pessoas amam os seus problemas. Eles proporcionam-lhes uma série de desculpas para não crescerem e seguirem em frente." Todo esse diálogo com Myrna é muito real, muito próximo. Gostei.
A parte curiosa é estar a ler "Saber perder" e "As três da felicidade" e todos os livros irem nesta direcção e seguirem esta premissa de Júlio César, em Shakespeare.
«Não é dos astros, caro Bruto, a culpa, mas de nós mesmos, se nos rebaixamos ao papel de instrumentos.» (pp.164)
Apesar de este ter sido um policial adocicado e sem me causar arrepios, a procura pela má semente assemelha-se em algumas partes à minha série favorita, especialmente por me fazer pesquisar por nomes e suas respectivas frases imortalizadas.
“Sou a favor do canibalismo compulsório. Se as pessoas fossem obrigadas a comer o que matam, não haveria mais guerras.”, Abbie Hoffman
Uma leitura com o apoio, DOM QUIXOTE
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