"Ouviu-se um repentino estalar de trovão, como se uma colossal embalagem de batatas fritas se tivesse rasgado mesmo por cima da sua cabeça, e o céu abriu-se."
Abriu-se:
"Rodando como
água contra as rochas,
o tempo gira."
Gira e desabrocha num orgasmo poético, recheado de cenários minimalistas e poesia nipónica. Do haiku ao tanka, num romance renku entre Bilodo e Ségolène.
Um livro mágico, meio surreal e onírico que encaminha o leitor à paixão pela cultura e tradição japonesa. Uma prosa poética que se perde no tempo e na razão e nos leva a travessar fronteiras. Acreditar depende do quanto o leitor se rende à escrita de Denis Thériault, essa sim, peculiar.
Julgo que todo este romance tem por enredo a palavra, a forma poética, a sonoridade, talvez mais isso que o próprio romance em si.
A vida em tom monocórdico e rotineira que Bilodo levava é completamente arrancada pela mesma enxurrada que leva a de Grandpré e é a partir daí que o imaginário ganha mais vida.
Nesta arte de se apaixonar por haikus, o autor traz-nos, por exemplo, detalhes da ilha de Guadalupe e das suas iguarias, descritas de forma a que o leitor saboreie e as imagine e creio que todo o leitor se sente tentado a escrever os seus próprios haikus.
A verosimilhança ou a lógica não interessam avaliar neste romance platónico. Interessa sim, o encantamento pela palavra e pela simplicidade, julgo que é aí que reside a beleza deste romance. Há também um desafio imposto pela barreira cultural de ver em tão parcas palavras, criatividade, tradição, equilíbrio, essência e até espiritualidade.
No final da leitura, fica a curiosidade pelo conceito de ensö, como símbolo zen de excelência, um círculo de encontro cósmico e de meditação... numa continuidade da vida.
A influência dos cenários mais
picos elevados
vales profundos
caminhadas longas
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