"Quer dizer que não sabe mesmo? Pensei que a luz fosse o meio mais rápido de propagação. Ah, é verdade. No buraco onde você está enfiada a luz não penetra. As partilhas de pó não lhe contaram?"
A direcção até esta casa é sinuosa. Podia ter sido bela, tinha tudo para o ser, mas a obsessão, o desejo, a aparência e a loucura perfumaram-na de um odor fétido. Corromperam o amor, traíram a beleza e incapacitaram a compaixão.
A dor é intensa, mas dissimulada, escapa-se pelas frinchas, pelos poros das superfícies corroídas pela posse e pela obsessão.
"O silêncio apenas escraviza."
Uma mulher, também mãe. Uma criança, protegida e resguardada, mais tarde, também ela mulher. Virgílio que carrega em si um qualquer complexo, encarrega-se do Inferno, gerando-o. Os restantes são cúmplices do silêncio.
Em todas as direcções que este livro pode tomar, há uma fome de amor, uma fome de normalidade e é essa brutalidade, essa dureza que o torna especial e impactante.
"A fome dói. (...) A fome não tem poesia."
Não, não deve ter. Aqui fez todo o sentido, transformou-a, moldou-a.
"Também era essa a sensação que tinha de mim própria - dissociação. Aquele «eu» lido não era eu, mas quem lia também não. Afinal onde estava eu? Quem se lembraria do meu verdadeiro eu?
Podemos dizer que as memórias foram "uma unha encrava na alma" que não permitiram a Eulália esquecer o seu passado. Havia a necessidade de apaziguar e nem sempre a Paz vem com palavras mansas ou actos nobres e pacatos, por vezes é mesmo preciso romper com as estruturas, vencer os monstros, atacando-os com o excesso com que nos surpreenderam um dia.
"O excesso é o alimento da paixão"
... e as paixões marcam, escravizam, doem, mas também nos transformam.
Explicar de outra forma ou sequer tentar explicar este romance de estreia de Andréa Zamorano será retirar ao leitor todo o fulgor e expectativa que cada página cria.
Uma leitura altamente recomendável.
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