Sou fã de livros como este, que me abraçam, me transportam, me fazem esquecer do tempo que passa e nos quais se sente que nada é forçado, nada é a mais, desnecessário ou mal calculado. Enquanto leio, sorrio, sinto uma falta imediata do que li e deixei para trás, marco frases e pequenos episódios dentro de momentos maiores... Não me apetece em fase alguma parar de lê-lo, mas depois sinto vontade de poupar aquelas histórias e fazê-las durar, para absorver mais lentamente todo o lado íntimo, sensível, familiar, oculto, desta narrativa de Faciolince.
Desde que li «Os dias de Davanzati» que sabia ter ficado fã deste autor colombiano. A sua escrita, sem uma estrutura muito habitual ou um enredo que caminhe para um desfecho, cria no leitor uma dependência pelas personagens e pelo envolvimento que cria. Somos levados para dentro das vidas daquelas pessoas quase com um instinto de expiar, de nos intrometermos e sabermos os seus segredos. Foi assim com Davanzati e é assim com a família Ángel. Desde o primeiro capítulo, onde conhecemos António pressentimos o desassossego que vai ser característico nesta família rodeados de emoções fortes que os ligam uns aos outros e à quinta, La Oculta, um pedaço de terra que chega a assumir proporções místicas, que ora os empurra e os afasta ora os arrasta até lá, perdidos de saudades e carregados de nostalgia.
Nas palavras de poéticas de Eva:
"Bastava eu chegar a La Oculta para sentir uma coisa especial, uma espécie de euforia interior misturada com serenidade, uma alegria tranquila, uma ligação com as montanhas, os barulhos, as infinitas cores das flores e da fruta, a brisa vinda do rio, a água escura do lago (...) o som das folhas de teca a cair no caminho de terra, o bafo da tarde e a frescura plena de orvalho da manhã.
Nas divagações de António:
"La Oculta faz sonhar (...)
(...) às vezes apodreço de frio e de nostalgia por não estar lá, em La Oculta. O Jon ensinou-me o significado da palavra nostalgia. Nostos, em grego, disse-me ele, quer dizer «regresso», e algia, «dor», e tal como mialgia é a dor dos músculos, a nostalgia é a dor do regresso.
E finalmente na crueza e na frontalidade de Pilar:
"Nostalgias parvas de um passado mais difícil e que as pessoas, por não terem noção de quão duro foi, idealizam."
É pela beleza mas também por algum tormento que conhecemos Eva, por alguma aspereza e ruralidade que conhecemos, mas menos tradicional do que se julga, Pilar e pelo carinho e pela memória com que narra a história dos seus anteriores que desde o início apreciamos o relato de António. Estes são os irmãos, filhos de Dona Ana e Jacobo Ángel, Anita e Cobo, como os filhos os tratavam. Por isso, esta não é só a história e a tradição que La Oculta encerra, nem podia, já que a terra é a família e todos eles lutam, à sua maneira, pela quinta que fez os Ángeles quem eles são.
Há algo de muito tradicionalista, algo muito colombiano em se ter um pedaço de terra!
"Nós já não éramos camponeses, como o avô, mas conversávamos o último quinhão das suas terras para honrarmos a sua memória, quem sabe, mas talvez para termos o prazer de ver os amanheceres de lá, de sentirmos o que se sente - é uma coisa profunda e antiga - quando se está num sítio que sabemos que é nosso e do qual ninguém nos pode tirar."
Há algo também profundo e de muita união entre os irmãos, nem que sejam as memórias e os segredos que nos revelam e que nos fazem dar corpo e alma a cada um deles, tornam-se pessoas completas, complexas, atormentadas, sofridas, mas também que partilham, que amam e que querem seguir as suas vidas, apesar de todas as contradições e dificuldades.
"A família é a mesma, mas é como diz o tango: uns nascem com boa estrela, outros nascem estrelados."
Um livro QUETZAL
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