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sábado, 26 de março de 2016

As mulheres do Islão, trilogia de Marek Halter :: Opinião


A trilogia criada por Marek Halter traz-nos a vida do Profeta Maomé pela sua ligação com três mulheres que representam as figuras eternas da feminilidade: a mãe, Khadija; a guerreira, Fatima e a confidente, Aicha. Em três romances épicos e com uma escrita que seja a ser lírica, Halter invoca o feminino numa Arábia do século sexto quando os pilares do Islão se estavam a erguer pela voz de Muhammad ibn Abdallâh, Maomé. 


Volume 1 - «Khadija - A Mulher de Maomé»

"Se o homem fosse um rio, a mulher seria a ponte."

É assim, na voz deste provérbio árabe que se abre este primeiro volume perante o leitor. Khadija bint Khuwaylid é a mulher que fará a ponte para Muhammad chegar à vida social e às lides dos poderosos de Meca. Viúva e independente pela fortuna e poder económico que detêm, Khadija vê no beduíno, exímio condutor de caravanas, uma sensibilidade e uma energia que a fará desejá-lo como marido. No entanto, esta fugaz paixão e desejo de escolher o seu marido contraria as imposições da época, mas uma batalha faz virar o curso de ambas as vidas, deles e dos seus clãs, juntamente com a abertura de uma abismo, que se fará eterno, com Abu Sofyan al Çakhr.

Desde cedo estranhamos a forma peculiar desta narrativa, numa linguagem quase mística, com descrições que apelam aos sentidos e tentam alimentar o nosso imaginário, orientando para um destino tão longínquo e desconhecido. Inutilmente tentamos decorar os nomes, os clãs, as designações próprias do local onde se desenrola a acção, mas se inicialmente isso pode ser complexo ou quase desmotivador, julgo que com o capítulo «A batalha» passamos a olhar e a sentir este livro como um romance que nos transportará para um plano infinito, onde nos perderemos entre a felicidade, a luta, as aventuras, as profecias e a paixão plena e infinita entre Khadija e Muhammad.

As descrições alimentam o nosso conhecimento por detalhes da época, práticas costumeiras, desígnios pagãos e formas de lidar e amar que parecem muito longe de nós, tal como a aceitação das limitações da Meca medieval, leis tidas como ancestrais e por tal eternas e que a imposição de outras será uma ofensa maligna aos deuses. A admiração com que vamos avançando na história é forte e faz-nos querer continuar procurando a severidade que se anuncia, pondo termo à felicidade que o casal vive.

Khadija é dona de uma sabedoria sensorial e premonitória, talvez tenha sido por isso que perante as primeiras visões e anunciações de Muhammad ela tenha dito !Eu acredito!", impondo-lhe a fé e a força que eram necessárias para que uma nova fé nascesse. Não sem antes levantar inúmeras interrogações e revelações que trariam dor, morte, violência e o fim da Meca que conheciam.

No declínio da vida e dos ídolos que conheciam impõe-se sempre a força e as armadilhas de Abu Sofyan, como líder e oponente máximo às palavras e aos actos daquele que será o Profeta Maomé.

"Mais tarde, muito mais tarde, nas duras luas que se seguiram, Khadija lembrou-se dessa noite como a noite que encerrou a felicidade perfeita da sua vida, tal como, quando a noite se aproxima, os crepúsculos incendeiam os dias mais belos. Porque, no silêncio do tempo, o novelo da felicidade, que se mantivera enrolado durante tanto tempo, começou a desenrolar-se."

*

Volume 2 - «Fatima - A Filha de Maomé»

Após o fim de Khadija é chegado o tempo de Fatima, que tal como a mãe anunciou ela será o filho que o pai não teve, a sombra e a protecção de Muhammad, numa ligação transcendente para a época, negando-lhe, por seu próprio desejo, a simples mas cuidada condição de mulher.

«Fatima é uma parte de mim. O que a magoa magoa-me.»

Este segundo livro é mais guerreiro, mais movimentado, mais apelativo ao lado religioso, é nesta fase, com Fatima a cavalgar ao seu lado, que Muhammad é obrigado a abandonar Meca e a sua Caaba e dirigir-se a Yatrib, cumprindo-se assim a sua Hégira.

"O Mal espalhado por Satanás não está em ti, está em Meca e em todos os que o corporizam, como Abu Lahab, Gangrena todas as vidas e todas as pedras da nossa cidade, até à sagrada Caaba. Temos de tirar a lição do que se passou em Ta'if: é inútil pretender impedi-los de fazer o mal enquanto não formos suficientemente fortes. Chegou o momento de o seu Mensageiro fugir da gangrena dos pagãos, como Mûsâ fugiu da do Faraó."

É nesta fuga e neste fortalecimento que Muhammad, o Mensageiro, declara guerra aos pagãos, aos incréus, até conseguir preparar-se para peregrinar e regressar a Meca. Durante essa preparação a sua relação com a filha Fatima ressente-se e a mesma terá de redireccionar a sua força e a sua sabedoria perante a sua condição de mulher, mas também pela entrada de mais uma mulher na vida de Maomé. Aicha, a imprudente pela idade, mas a confidente que trará a palavra até aos fieis.

Este livro está pejado de discurso religioso, de pregação, tal como a época exigia. O desejo de uma oração comum que provocasse uma maior conversão, pois também em Medina ou Yatrib os clãs e os judeus se rebelavam uns contra os outros.

"- Estação, após estação, tememos que a divisão destrua a nossa cidade. Os nossos clãs e os dos judeus estão sempre em disputa. A terra de Yatrib é uma só. Conhecemos a verdade: sem união, o vento e o ódio acabarão por nos dispersar, como um cesto de tâmaras rançosas. Este enviado de Allah é a nossa oportunidade."

Nesta fase mais peregrina o relato apaixonado de Halter coloca o peso na palavra, na que Maomé espalha e espera que seja ouvida, mas também na sensibilidade de Fatima, anunciando a importância da memória que Aicha representará.

"As palavras são pássaros - disse-lhe. Se sabes abrir-lhes a gaiola, descobrem sempre para onde devem ir. E podes confiar nelas: conhecem os melhores ninhos."

*

Em breve, o terceiro e último volume.

Uma edição BIZÂNCIO, veja mais aqui.


2 comentários:

  1. Fiquei bastante interessada! Nunca tinha ouvido falar desse autor, mas parece-me ser bastante promissor!!
    Adorei o seu blog!! Já ganhou mais uma leitora assídua por aqui!! Convido-a a visitar também o meu blog e a deixar a sua opinião!
    Até lá!!
    http://thebooksonmyshelfs.blogspot.pt

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  2. Olá, obg

    Já lá passei, obg pelo link.
    Tb gostei bastante do "A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert" de Joël Dicker e o outro seguinte do autor é igualmente mt bom, se bem que diferente na forma, no conteúdo... é interessante ver um autor ser tão versátil.

    Boas leituras

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