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domingo, 20 de março de 2016

«O rio do esquecimento» de Isabel Rio Novo - Opinião


"Todo o retrato que não toque a perfeição, a ponto de se representar diante dos olhos em tão fundo e alto-relevo que afigure um ente de carne e osso, que se vê, que se escuta, que se apalpa, todo o retrato que não toque a perfeição será, digo eu, vão e inútil. E conviria que a descrição fosse fiel e minuciosa..."

Diria que Isabel Rio Novo impôs a si própria esta premissa e criou um romance fiel e minucioso, que transporta o leitor para o século XIX, num Porto desconhecido, mas fabulosamente descrito que dá toda uma consistência ímpar ao seu romance, embrulhando em densas teias amores e desamores que corrompem os pensamentos, a moral e os costumes, minando as vidas destas personagens que se cruzam como as águas de um rio que não acha o sossego.

"O amor tem sempre o que quer que seja de crime; ou uma pessoa ama como quem se perde, ou não sente realmente o amor."

É sem dúvida o amor que pauta este belo romance, mas é a forma como a autora encontrou para o contar que deixará o leitor perplexo e encantado. Se desconfiarmos das longas frases, das descrições que transbordam de parágrafo em parágrafo ou dos detalhes que se demoram no caracterizar das personagens e dos pensamentos que as afrontam, ou então dos silêncios e acções mais misteriosas, cedo descobrimos que tudo faz parte da estratégia de Rio Novo em brindar o leitor com a exigência que a sua ficção requer e assim atentarmos melhor ao real.

"Há coisas que, ainda que contadas de modos diversos, desfigurados ou até inventados, são verdade, verdade absoluta. (...) Então, para quê contá-las, para quê escrevê-las, perguntar-se-á. Para quê?
Para que se preste ao fictício a atenção que não se prestou ao real."

À medida que avançamos na narrativa, vamos desmitificando as acções de cada personagem e deixamos que se desfigurem pelo bizarro das suas revelações, acreditando que todos procuraram o tal rio do esquecimento, pois talvez assim encontrem a redenção e a paz que não atingiram nas vidas tumultuosas que levaram. 


Nota extra: Por ir procurar melhor a mitologia associada ao rio do esquecimento e ao rio novo da omnisciência, fiquei a conhecer a lenda do Rio Lima. Um obrigado à Isabel e a este seu belo livro. 

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Uma edição DOM QUIXOTE, um livro finalista do Prémio Leya 2015.
Saiba mais aqui.

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