«Atlântico, leva-me contigo, o teu ventre amargo ser-me-á mais suave do que o meu leito. A lenda diz que dás asilo aos que to pedem."
É curiosa a forma como este romance, de inspiração autobiográfica, começa; levando-nos aos Europeu de Futebol de 2000, dando-nos a conhecer Salie e Maliché, ela imigrada e ele com desejos disso. O Europeu, que para nós, foi o fatídico jogo em que Zidane goleia Portugal, já depois do prolongamento e com um penalty, eliminando-nos. Curioso porquê? O futebol é o que une a narradora e o irmão, em Niodior, Senegal, enquanto ela está em Estrasburgo, França, entre chamadas que são autênticos relatos dos jogos, fala-se também, nas entrelinhas, de esperanças sonhos e decisões, que era muito do mesmo que me acompanhava aquando do tal jogo que acabei a reviver com este livro.
É também de memórias e de gerir expectativas que este «O Ventre do Atlântico» está cheio e traz até ao leitor as esperanças, os riscos e todo o desafio que é a imigração.
"Avanço, passos que carregam o peso dos sonhos deles com a cabeça repleta dos meus. (...) Este fogo tem de se alimentar. A escrita é a minha panela de feiticeira; à noite ponho aa aquecer a lume brando sonhos demasiado duros de cozer.
(...) O mundo oferece-se, mas não abraça ninguém e não se deixa abraçar."
Diome tem uma missão, a sua escrita está para o leitor como a manteiga de karité está para a sua pela; para se entranhar e provocar uma total absorção das tradições, das inquietudes e das provações que a imigração desperta. No entanto, a mesma alerta para o grito e o calvário, que não se sente só em África; a Europa também já grita, apesar de ser um grito diferente, nomeadamente volvidos mais de dez após a escrita deste livro.
"Cego pelas suas próprias chagas, o Terceiro Mundo não vê as da Europa: ensurdecido pelo seu grito, não ouve o da Europa."
"A nostalgia é o meu fado; tenho de domesticá-la, guardar a música das minhas raízes nas minhas gavetas de relíquias, tal como as fotografias do meus, para sempre deitados na areia quente de Niodior."
Mesmo assim, Diome não resiste a embalar-se nos cânticos da diva Serere e despertar-nos a curiosidade para a irmos ouvir, inebriando-nos com as histórias que nos conta e que revelam a forma de vida e a comunidade, as relações entre famílias e os clãs nas terras mais longínquas e dedicadas à pesca, afastadas das turísticas praias de M'Bour ou da famosa Dakar.
Coloca seu nome no finaldos comentários, é sempre vc que faz as resenhas?
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