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sexta-feira, 20 de maio de 2016

As cores de Branca de Lara Morgado - Opinião



António Galvão é herdeiro de uma terra com o mesmo nome. É um homem distinto e com história. E quando decido prolongar a sua, vê-se a braços com sete filhas. António e Branca são pais de sete meninas. Na raiva do momento que cada nascimento lhe traz, António chama a cada uma, Branca. Filhas de Branca. Filhas indesejadas, pouco amadas, uma com tanta importância como a anterior, pouca ou nenhuma, daí que o pai, desejando um filho varão, não as quisesse distinguir, amar ou conhecer. Trágica e misteriosa a história que se vai abatendo sobre esta família, ainda só com o nascimento de tantas meninas, ainda assim percebia-se que uma maior tragédia era inevitável.

"O amor e o prazer eram substituídos pela perícia. Como se de um procedimento se tratasse. (...) Tudo valia para que aquele momento decisivo esculpisse um pénis.
Mas, até àquela altura, Branca parira apenas desilusões. 
E assim eram as suas filhas: uns quantos rascunhos que respiravam e comiam. Umas vidas iguais à sua. Insignificantes.
(...) Mas as Brancas barulhavam alegres as suas vidas. Como condenados que desconhecem a sua sentença..."

Condenadas é sem dúvida um bom adjectivo para aplicar a estas vidas fragmentadas, amadas pela metade, sentidas como se de sobras se tratassem. A inevitabilidade da tragédia pesara para sempre na vida desta família e esse peso sente-se na narrativa, apesar da mesma avançar quase duas décadas em meia dúzia de páginas, numa escrita fluída, crua e muito rica em imagens. Porém, com o tempo, a vida que passa pelas personagens é como se a própria narrativa de Lara Morgado ganhasse a mesma subjectividade que acompanha Branca e a história da sua vida. Talvez o leitor sinta a necessidade de estabelecer certas analogias com os nomes, os números, os eventos, o regresso, o todo e as partes... as várias questões que vão sendo levantadas, de modo a compreender (ou aceitar!?) o enredo.

"Galvão tinha chamado os seus filhos. E todos se sentiam pertença daquele lugar. As memórias confundiam-se com o presente. Os lugares com os sentimentos. Tudo parecia renascer numa súbita e inesperada sensação de recomeço. E naquele salão forrado a requinte os galvenses enalteciam a sua, até então, vulgar existência."

Contrariando esta ligação e o estranho episódio que acontece na vila, mas que não deixa de ter contornos sociológicos muito interessantes, somos sempre levados a pensar mais além, na mensagem subliminar que a autora possa querer passar e para mim é esse o lado curioso deste romance. A importância de cada um de nós, com as suas qualidades, medos e vontades, no colectivo. Essa emboscada, quase um flagelo, que é o colectivo. Ainda assim, acho um pouco rebuscada a forma como encontrou para que a Branca, mãe de todas as Brancas, fizesse valer o seu nome; cor da luz que reflecte todas as outras, a espiritualidade, a calma, mas também o luto das culturas orientais, a fonte de renascimento e libertação.

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Não posso deixar de dizer que a capa funciona muito bem como ilustração, um resumo muito bem conseguido de todo o luto e fragmentação vivida nesta história. 


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Um edição, PORTO EDITORA.

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