"Pela primeira vez, fiquei chocado perante o pensamento desconcertante de que o valor real da minha Felicidade Experimentada pudesse ter sido gravemente subvalorizado."
E você, já se perguntou qual é o seu índice de Felicidade Experimentada?
Com base na Felicidade Experimentada (FE) o destinatário desta factura é confrontado com um valor que lhe parece despropositado. Há que pagar a felicidade. E custa caro.
Espantado com os valores começa uma longa espera bem como longas horas passadas ao telefone para perceber que factores entrarão para os cálculos daquela factura e que fórmula usa aquela empresa de espiões dos sentimentos e experiências sociais alheias para contabilizar tão absurdas quantias.
Mas será que o endividado está a fazer as perguntas certas? Ou sequer estará a analisar-se bem?
"- Além do bem-estar excelente, brancura máxima, masculinidade máxima, também temos... vejamos... sem problemas de sono. Compatibilidade no local de trabalho a cem por cento. Só um velho amigo, Roger, com quem se encontra regularmente..."
Entre chamadas para Maud, que lhe vai desvendando o seu perfil, o cinéfilo que não se acha assim tão feliz, divaga ao som da Mahavishunu Oschestra e recorda Sunita, o amor proibido; divaga também entre filmes e tece uma das melhores "cenas" do livro, quando nos revela uma passagem do filme «A Ponte no Fim do Mundo», que faz todo o sentido no ponto mais tenso do enredo.
A certa parte Maud diz-lhe:
"Veja: olhamos para a vida como se fosse uma peça escrita em moldes clássicos. Aqueles com mais adereços não são necessariamente os melhores. As coisas também têm de acontecer pela ordem certa; caso contrário, não fazem sentido..."
Pouco depois, num acto meio irreflectido, mas na ordem certa das coisas temo-lo a atirar copos de água a uma planta já murcha e é inevitável rir ao imaginar a cena. Surreal, mas deliciosa.
O tom utilizado para descrever os itens desta factura é simultaneamente fantasioso, mas muito cheio de real; é quase fatídico, mas sem qualquer melodrama; é minimalista, mas está recheado de coisas boas; é ainda irónico, sem ser negro.
Não sei se «A Factura» o vai fazer ver a vida de outro modo, mas é bem capaz de pensar na felicidade que experimenta todos os dias e nem sabe.
*
Depois de ler «a factura», temos uma mão cheia de sugestões cinéfilas. A vontade é grande para ver o filme «Most na kraju svijeta», um filme Bósnio a que o autor dá destaque. Nesse «A Ponte no fim do Mundo» a cena descrita é tal modo minimalista, como muito do que se passa neste livro, que ficamos com curiosidade pela cena e para perceber quem tem razão, se ele se Maud.
Fica-se também com os sentidos em alerta para o filme de David Mamet (O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes, Hannibal ou Os Intocáveis) - O Prisioneiro Espanhol ou para «O Jogo» de David Fincher.
Um livro ALFAGUARA | Grupo Penguin Random House Grupo Editorial
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