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sexta-feira, 3 de março de 2017

«Onze Tipos de Solidão», de Richard Yates :: Opinião


Um livro e uma banda sonora para as horas mais crepusculares. 


Yates escreve de forma assombrosa. Ao longo de onze contos tipifica um pouco de todo o tipo de solidões. A laboral, a escolar, a militar, a de ausência de um parceiro, a de um amor não correspondido, a da falta de um objectivo ou até a da escrita, entre outras. As suas descrições, breves mas acutilantes, caracterizam pessoas e lugares, emoções e atitudes com uma capacidade que chega a abalar o leitor. São onze relatos, todos eles diferentes, mas onde as pessoas tocam facilmente a realidade e até se podem assemelhar ao leitor.

"Ele chegou cedo e sentou-se na última fila - de costas muito direitas, os pés cruzados sob a carteira e as mãos entrelaçadas exactamente sobre o centro do tampo, como se a simetria o pudesse tornar menos visível..." 

Esta ideia de simetria versus invisibilidade cativou-me e não mais me largou logo desde o início. Mas muitos são os contos que marcam, aliás, eu diria que todos eles nos marcam, nem que seja com uma frase brilhante que descreve algo de uma forma que parece que nunca antes vimos. 

"Por toda a Unidade Sete deambulavam homens à procura de mãos para apertarem."

E é assim. Parece simples, mas numa frase Yates caracteriza e revira todo um conto, mexendo com as emoções do leitor e revelando solidões. 

"(...) mas foi o facto de o rosto dele ter assumido um ar que lhe era assustadoramente familiar, o mesmo rosto que ele, Banhas Platt, toda a sua vida tinha mostrado aos outros: assustado, vulnerável e terrivelmente dependente, tentando sorrir, um olhar que dizia «Por favor não me deixes só»."

Sós é o que estão todas as personagens destes onze contos, todos eles espelhando solidões muito diversas e que se expressam de maneiras tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão carregadas de angústia, máscaras, raiva, falhanços e falsas relações humanas, mas ainda assim, os contos estão carregados de gestos de amizade, amor, bons momentos e histórias donas de um humor particular e por vezes traçado numa só linha. Isso, e as descrições brilhantes. 

"(...) a caminhar, o seu traseiro parecia flutuar como se fosse uma desajeitada entidade distinta que lhe seguia o rasto."

"A senhora Snell tinha provavelmente sessenta anos, era uma mulher alta e magra, com cara de homem, e as suas roupas, senão mesmo os seus poros, pareciam exalar sempre aquela essência seca de aparas de lápis e pó de giz que era o cheiro a escola."

É extraordinária esta capacidade de retratar alguém com meia dúzia de palavras. A sua escrita chega a ser enérgica, pois o ritmo de leitura não quebra e ainda assim sentimos a solidão e o desespero das personagens, no entanto, é a forma de descrever que prima pela distinção. 

"(...) Finney com o sorriso imbecil que por vezes se vê nos ajuntamentos de gente que olha boquiaberta para um acidente na rua e Sobel, tão inexpressivo como a morte."

"Ele parecia determinado a gostar do trabalho. Até trouxe uma pequena fotografia da família - uma mulher cansada a sorrir com desdém e dois filhos pequenos - e pregou-a ao tampo da secretária (...) Mais ninguém alguma vez deixara ficar coisa mais pessoal do que uma caixa de fósforos (...)"

Todos os contos têm particularidades interessantes, mas confesso que «O Sofredor» arrebatou-me, pensar em alguém que havia nascido para sofrer e apreciava esse papel e o desempenhando grande parte da vida, para ser um bom perdedor, deixa qualquer um a pensar. 

"Quando Walter Henderson tinha nove anos, durante algum tempo pensou que o auge do romance era cair morto (...) 
Ninguém conseguia igualar o abandono com que ele atirava o corpo mole pela ladeira abaixo. (...)
Não havia certamente como negar que o papel de um bom perdedor tinha sempre exercido sobre ele uma atracção desmedida."

No conto «Os dados estão lançados» também fiquei a pensar na dualidade da vida militar e na solidão que pode ser ter e defender uma patente e Yates deixa-nos a pensar ainda mais nisto quando no mesmo parágrafo refere duas ideias tão díspares como estas:

"(...) Reese recusava fazer-se afável. Era o seu único defeito, mas era um grande defeito, porque o respeito não pode durar muito sem afeição (...)
Reese racionava a bondade da mesma forma que racionava água: podíamos apreciar o valor de cada gota (...) mas nunca tivemos o suficiente (...), para matar a sede."


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