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terça-feira, 18 de abril de 2017

«O Paraíso segundo Lars D.» de João Tordo :: Opinião


Recuperada a leitura desta trilogia de João Tordo, com este delicioso e melancólico segundo volume, «O Paraíso segundo Lars D.» conhecemos Lars, o autor do romance, ao descobrirmos como surge o primeiro volume, «O Luto de Elias Gro», lido em 2015. O entusiasmo e deleite foi o mesmo em ambas as leituras e está para breve a possibilidade de finalizar a trilogia com, «O deslumbre de Cecilia Fluss» que é publicado no início de Maio.

"(Mas que «nós»?, pergunto-me. Se tudo é impressão dos sentidos, se o mundo é percepção do mundo, podemos algum dia dizer que encontramos qualquer outra coisa que não seja a nossa impressão ou percepção ou lastro da maneira como estamos ou sentimos? Tanta filosofia, e para nada!)"

Filosofado ou não, este paraíso ficcionado dá-nos dois lados de uma história, face a um evento que acontece na vida do casal, quando já nada parece vir a mudar. A clausura e solidão de Lars, como quem alimenta a tristeza como sua melhor companheira, contrasta com a espessura dos dias da esposa, engasgada com as coisas que ficaram por dizer, mas nunca esquecidas e que já se habitou ao seu espectro em vez da sua presença. E neste livro encontramos-lhe a voz e o tomar pulso perante um último livro do marido. 

"Conta a história de um homem que vai para uma ilha sofrer e, nessa ilha, descobre que o corpo, o lugar do martírio, é, igualmente, o lugar da ascese. Por outras palavras: o corpo é uma ilusão.
(...) a mortificação do corpo abre caminho ao transcendente."

É nesse corpo e nessa ilusão do que a solidão poderia curar que mais tarde encontramos as palavras de Lars, como se de uma despedida se tratasse, num encontro com o fim e a percepção da culpa, num misto de realidade e ficção... como sempre desejou viver.

"Talvez o fim fosse precisamente isso: um demorado e penoso trilho de esquecimento, como um quarto muito comprido, a cair de uma grande altura, com as coisas a voarem janela fora. Lars imaginou-se nesse quarto: o Homem Esquecido, velho como o Tempo, tentando agarrar aquilo que ia voando, para que o quarto não ficasse vazio, para sobreviver à voragem omnívora da existência."

A trilogia da tristeza alimenta-se de uma narrativa carregada de esplendor, mas ainda assim simula, muito bem, a noção de ter algo só pela metade, mesmo que a outra parte esteja mesmo ali à mão, debaixo de olho, cabe é a cada um querer encontrá-la ou escolher não a ver. 
Esperemos que se mantenha desta forma, no tão esperado desfecho.

"Isto tudo para te dizer, continuou a mulher, que, apesar de tudo, apesar desta sensação constante de que vivo com metade de ti, por vezes um quarto, ou mesmo quase nada, tudo está bem do meu lado. Há muitos anos que sei que tu és louco. Só um louco se propõe a tanta sofrimento, julgando que é uma virtude."

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