Helen Oyeyemi, premiada em 2010 com o Prémio Somerset Maugham e destacada, pela Granta, como uma das novas melhores vozes da literatura inglesa, não facilita o caminho ao leitor. Os seus contos são labirínticos, intrincados e cheios de mistérios por desvendar. Seja pelo enredo, meio mágico meio onírico, seja pelo ambiente, que à primeira vista parece quotidiano mas facilmente trespassa a porta da fantasia e o mundo cintilante dos sonhos. Melhor, quase todos os contos têm chaves e parece que cabe ao leitor ir, de conto em conto, descobrir que portas abre cada uma. Cedo aprendemos o conceito de clidomância. Parece-me a mim que cada chave permitirá abrir sempre a porta do espanto e do transcendente, pois a imaginação da autora deslumbra e inebria o leitor, mas também o confunde e o mistura num universo muito próprio que Helen Oyeyemi cria em cada conto.
Invulgar talvez seja a definição que melhor veste estas narrativas. Podemos procurar o título «O que não é teu não é teu», mas não o acharemos entre o leque de contos, o que não deixa logo de ser diferente e nos coloca a pensar se este título, une ou estabelece, uma moral para todos eles, bem ao jeito dos contos de fadas. A actualidade e a critica social também se encontram de forma abundante, nomeadamente questões de orientação sexual, padrões institucionalizados de beleza e relações de poder, bem como, de forma metafórica, a necessidade de dar voz às minorias e promover, talvez desde a escola, a criatividade e a necessidade da arte, nas suas mais variadas formas, como mecanismo de defesa da dura e opressiva realidade.
No entanto, não é fácil encontrar explicações para o conteúdo dos contos e o caminho que a autora segue, que se torna por vezes incompreensível, deixa o leitor à procura de respostas. Talvez seja como as marionetas do conto "O teu sangue é assim tão vermelho?" que ora são obra completa e respeitam quem lhes dá vida, como têm vida própria e agem por si. Se isso se aplicar ao livro de Oyeyemi, temos de lhe conferir um estatuto mais híbrido e mutante, que o leitor terá dificuldades em acompanhar.
"«Como é que eu sei quando é que cresci?» Quando começasse a usar palavras cujo o significado não soubesse, respondeu ela. Disse-lhe que já fazia isso, e ela respondeu, «Pois, mas preocupas-te com isso, e os crescidos não.» (...) Por isso, há aquela ansiedade de, de repente, uma pessoas estar a ter uma conversa que a transforma em adulto, uma conversa que a impede de ver as coisas e pessoas que estão realmente lá."
Com os contos «Presença» e «Breve história da Sociedade das Jovens Feias», aliás como com quase todos, talvez consigamos também retirar outro significado para as chaves. Uma a uma, vão compondo um molhe, que podem, metaforicamente, corresponder às coisas que vamos guardando para nós e dentro de nós, fechadas à chave, e que a certo ponto, numa determinada fase da vida, temos de destrancar, abrir e deixar sair, para podermos continuar mais leves, mais livres. Será?
Gosto de livros que nos deixam com perguntas a ecoar na nossa cabeça. Foi uma boa leitura, estou cada vez mais fã de contos.
Antes de finalizar, quero, mais uma vez, salientar o trabalho maravilhoso de Lord Mantraste, pois esta capa capta totalmente o ambiente que a autora cria.
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