"Se soubéssemos viver na incerteza, não precisaríamos de histórias."
João Tordo chama-lhes "a trilogia dos lugares sem nome" e eu fico a pensar se a solidão, a tristeza, a nostalgia e o ter algumas coisas apenas pela metade é uma forma de não nomear o que se sente ou onde se está. Talvez seja e se assim for, faz-me sentido que estes três livros sejam pautados por locais por identificar, lugares que poderão muito bem ser o que está dentro de nós, essa coisa desconhecida que nos revela e aprisiona, um pouco como dizia Saramago.
Depois do luto e do paraíso, é a vez do deslumbre, num intrincado leque de personagens que, mais tarde ou mais cedo, se cruzam e fazem de três livros, um só. E obrigam o leitor a caminhar com eles, ora por becos escuros ora por veredas íngremes e escorregadias, que nos fazem querer continuar atrás destas personagens de tom depressivo e melancólico. Todas elas fogem e se refugiam em locais onde a dor pulse, mas doa menos; onde a memória pese, mas não escureça os dias ou onde o desconhecimento os mova, mas não os limite tanto.
"Os anos ensinaram-me que a vida é o caminho percorrido; a angústia é a ilusão de terem existido outras possibilidades."
Talvez seja essa angústia o alimento para grande parte da narrativa que explora que o presente é uma rotina, "(...) porque a rotina só existe quando a nossa cabeça vive no futuro."
E talvez quem viva no futuro, viva em desamparo. Um terrível e profundo desamparo, tal como o que sentia Matias. Se este livro é sobre Cecilia, é mais ainda sobre Matias. ele e Elias. Aliás é sobre todos eles, do pouco que têm, em si, de cada membro da família. Das histórias dos outros que se embrenham nas suas, dos passados imiscuídos nos futuros, das possibilidades que a vida lhes negou e do consolo que buscam nos sonhos dos outros, aceitando que perder é dor, mas que só dói enquanto se resiste.
"Nada nos aprisiona, concluí. Somos nós que construímos a cela, que nos enclausuramos, e isso dói. Mas é preciso que doa, que doa muito, até que a dor de abrir uma brecha nesse muro seja menor que a dor de permanecer preso lá dentro. Na maior parte das vidas, tal nunca sucede."
Sem dúvida que esta trilogia explora um lado negro e denso da alma humana, perturbada pelas dores que são capazes de nos seguir e atormentar a vida toda. No entanto, julgo que são igualmente livros que mostram formas peculiares de superação, seja com tentativas de fuga, filosofia, literatura, sonhos ou a aceitação da vida como ela nos surge. O meu favorito foi mesmo «O Paraíso segundo Lars D.», mas todos eles são livros ímpares e merecedores de uma leitura dedicada e atenta.
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Um livro Companhia das Letras
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