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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

«não digas nada» de Brad Parks - Opinião



Brad Parks é um reconhecido autor de séries de detectives e multi premiado, acumulando o Shamus, o Nero e o Lefty Awards, prémios de destaque na ficção de crime. Este thriller «Não digas nada» é um livro único e despegado dos detectives que se lhe conhecem e que em muito boa hora chegou a Portugal, dando-nos a conhecer um enredo que cruza o mal que pode estar dentro da casa de cada um e a ganância transversal a tantos que se cruzam no nosso caminho. 

"O terceiro dia de uma crise é uma altura estranha. No primeiro dia, está-se em choque total. O segundo, é uma extensa sessão de triagem. Pelo terceiro dia, o mundo pode ter-se estilhaçado, mas começa a ter-se os primeiros sinais de que continuam a girar, quer se queira quer não."

É curiosa a frase se pensarmos que o juiz Scott Sampson perdeu os seus filhos às mãos de um esquema de rapto numa quarta feira. O terceiro dia da semana que marcava um momento entre pai e filhos, gémeos, que dava todo um outro sentido à semana rotineira e cansativa da vida do juiz. Nesse fatídico dia, uma mensagem da mulher, Alison, muda o curso destas quatro vidas de uma forma irreversível.

"É peculiar como certas frases ficam dentro de nós, coladas ao interior do nosso crânio.
Ao princípio, talvez, parece não haver uma boa explicação para isso. Depois começamos a perguntar-nos se haverá alguma razão mais profunda para que uma particular ordem de palavras se torne tão pegajosa."

Se esta frase viesse logo numa das primeiras 100-150 páginas não nos teríamos deixado enganar. Parks joga bastante bem com a areia que vai acumulando e que atira aos olhos do leitor. No entanto, as dicas talvez estejam lá, quase desde o início, seria era preciso virarmos a nossa "investigação" nesse sentido, mas é brilhante a maneira como, ao ir investigar a mulher, nos distraia apenas para dois potenciais cenários.
É igualmente muito interessante a forma como ele vai caracterizando a família, primeiro a central, a dele, chegando a dizer que ficaram num triângulo com mais arestas do que só as que se vêem e depois a forma como caracteriza as irmãs e a própria relação dos filhos gémeos.

"Em alguns aspectos, as irmãs conseguem ser particularmente duras umas com as outras. Como os pais, elas estão super conscientes dos pontos fracos e dos defeitos de cada uma; mas, sem a infinita capacidade parental para o amor e o perdão, julgam-se umas às outras com muito maior severidade.
Juro que houve alturas em que julguei que seriam capazes de se matar. Até, claro, uma delas ter um problema ou ser ameaçada por um agente externo, caso em que se juntavam numa força inquebrável.
Divididas por dentro, mas unidas por fora. Por todo o mundo, é a própria definição de irmãs."

«Não digas nada» está bastante bem engendrado, talvez não tenho, logo ao início, um ritmo tão alucinante como outros livros do género, mas com as reviravoltas impactantes que tem, apanha o leitor e domina-o até ao fim. E o fim... até para mim, que não sou de lágrimas, confesso que me caiu uma naquela imagem final em que Parks transporta completamente o leitor para aquele funeral.


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