«Deste lado da luz» foi o primeiro livro lido em 2018. E
veio no seguimento da leitura do mais recente título: «Cartas a um jovem
escritor» que Colum McCann escreveu. Depois das cartas, com dicas muito
interessantes, a curiosidade por um romance escrito por McCann aumentou
bastante. E convêm já dizer que não desilude este aclamado autor norte
americano com raízes em Dublin, Irlanda que é de onde parte a história, dos
imigrantes irlandeses, entre outros, que foram essenciais para o
desenvolvimento desse colosso que é a América e em particular Nova Iorque e os
seus alargardos arrabaldes.
"Do lado de fora da câmara estanque, os sandhogs, ainda
com os seus chapéus, entram no meio do ar condensado do túnel. Mais de cem
homens chapinham através da lama. Waterboys e soldadadores, carpinteiros e
estucadores, manobradores de guindastes e electricistas tiram chapéus e
sobretudos com o calor. Uns têm tatuagens, outros barrigas salientes, alguns
têm um ar macilento, muitos são musculosos. Quase todos trabalharam
anteriormente como mineiros - no Colorado, Pensilvânia, Nova Jérsia... (...)
Tem havido muitas mortes dentro do túnel, mas há uma lei que
os sandhogs aceitam: vivemos o tempo que duramos. (...)
Mas os quatro muckers - Walker, O'Leary, Vannucci e Power -
não param de falar. Têm de caminhar ao longo de todo o túnel, sob os aros de
ferro fundido, passar por máquinas e tornos de serralheiro e cavilhas e
chaves-inglesas gigantescas e sacos empilhados de cimento ... continuam a
andar, directamente para as profundezas da escuridão."
É nessas profundezas e nessa escuridão que encontramos os
cenários que nos levam nesta caminhada, lado a lado, com esses homens,
especialmente Walker, que dão a sua saúde e força, em troca de um misero
ordenado, fazendo uma cidade avançar em direcção ao progresso projectado por
alguns visionários. Estes imigrantes escavam os acessos que deram origem ao
túnel do rio Hudson, ligando Nova Jérsia à ilha de Manhathan e mais tarde virão
a dar os acessos para circular o metropolitano.
Dentro já desses túneis do metropolitano encontramos o
cenário, povoado de excluídos da sociedade, tal como os primeiros também o eram
em grande medida, e é-nos apresentada outra personagem central, Treefrog, um
sem-abrigo, que conta ao leitor a continuidade da exclusão social, o racismo, a
dureza da vida à margem dos bem sucedidos e as mortes que continuam a
interessar pouco numa cidade sempre sedenta de inovação e crescimento.
"Um pedaço de jornal antigo pega-se-lhe ao pé e
envolve-se à volta do tornezelo, e ela leva a página consigo durante cerca de
vinte metros. Treefrog - escondido à muito tempo na penumbra - pensa nos
cabeçalhos que se abatem sobre os seus tronozelos e são transportados ao longo
dos túneis definitivamente, mas ela dá um pontapé no jornal e continua a
cambalear na direcção de Elijah- Deve ter estado aqui antes, pensa Treefrog,
pela maneira como se movimenta, pela forma como nunca olha por cima do ombro.
(...)
Ele vai descobrir mais tarde que o seu nome é Angela. Esteve
a viver no outro túnel, na baixa da cidade, entre a Second Avenue e a
Broadway-Lafayette, numa estação de metropolitano, a uns cem metros da
plataforma (...).
É muito interessante a forma como, capítulo a capítulo,
oscilando entre o princípio do século XX e a actualidade (1998 quando o livro
foi escrito), McCann descreve a história de uma família e a forma como ela
evoluiu, mesmo estando sempre ligada aos túneis, o autor narra quatro gerações
marcadas por eventos fortes que competem com a estrutura familiar e o amor que
os tente sempre salvar da dureza e da exigência de um século pejado de
transformações e discriminação. O "recheio" dado pelo lado histórico,
que não é de modo algum exaustivo, é bastante envolvente e por si só um
excelente fio condutor.
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