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quarta-feira, 6 de março de 2019

«O Desfile da Primavera» de Richard Yates :: Opinião



São tristes, são sós, chegam até a ser deprimentes, as personagens e os enredos de Yates, mas é tão bom, mas tão bom de ler que tive necessidade de repetir a incursão na obra do autor.
Descobri Richard Yates em 2017 com o fabuloso conjunto de contos «Onze tipos de solidão» e foi daqueles autores que me cativou desde logo.
Por isso, quando este ano começou, peguei logo num livro dele: «O desfile da primavera» que arranca assim: “Nenhuma das irmãs Grimes estava destinada a ser feliz, e olhando para o passado sempre houve a sensação de que os problemas começaram com o divórcio de seus pais.”

Se desde o início sabemos que nenhuma das irmãs Grimes será felizes, sabemos também que será a escrita de Yates que oferecerá algum tipo de redenção à descrição dos acontecimentos naquelas vidas. E é isso que é brilhante, a escrita de Yates. É impressionante como em tão poucas páginas o autor é capaz de enfiar anos de vida de duas mulheres perdidas na luta pela felicidade. Tentem elas atingi-la da forma mais segura e até banal ou, de forma aventureira e moderna. No entanto, o autor avisa-nos desde a primeira linha que o que lhes reserva não é bom.

"O olho de Sarah não sofreu danos - os seus grandes e profundos olhos castanhos continuaram a ser o traço dominante de um rosto que haveria de ser belo - mas ficou para o resto da vida com uma cicatriz azulada que descia da sobrancelha até à pálpebra, como o risco hesitante de um lápis, e Emily não podia nunca olhar para ela sem se recordar de como a irmã tinha aguentado tão bem a dor. Recordava-lhe também, vezes sem conta, da sua própria susceptibilidade para o pânico e do seu incomensurável pavor de estar só."

Yates tem esta capacidade de montar todo um cenário com frases aparentemente simples e capítulos breves. Numa frase curta ele é capaz de nos dar informação capaz de revirar tudo o que sabíamos até ali.

"Mas parou de chorar abruptamente quando se apercebeu que até isso era mentira: aquelas lágrimas, tal como todas as outras que derramara durante toda a sua vida, era apenas para ela - para a pobre e sensível Emily Grimes, que ninguém compreendia, e que não compreendia nada."

Quer parecer-me que todos os contos e romances de Yates têm sugestões musicais, algumas delas poderiam são até capazes de denunciar desejos dos personagens, mas o autor é implacável e o rumo é maioritariamente negro, com vidas preenchidas de solidão, ainda assim o lamento transmitido ao leitor perante algumas das situações vividas pelas personagens tem rasgos de humor, que chegam a ridicularizar a situação, revelando a desesperança.

"- Oh" Como lhes chamas os seus amigos? Andy?
- Oh, meu Deus, não. «Andy» não! Dá a ideia de um tipo demoníaco e desbragado, que não sou de todo. Sempre fui tratado por Andrew, assim mesmo, sem diminutivos (...)
Pela forma como comia, ela apercebeu-se que Andrew gostava de comida (...) não disse grande coisa até estar cheio, e por essa altura havia uma fugaz auréola de gordura em volta da sua boca. Depois começou a falar como se conversar fosse outro prazer sensual (...)"

A mim cativa-me sempre. E continuo com a mesma ideia: quero ler tudo o que houve para ler de Richard Yates.

*

Numa pesquisa sobre o livro encontrei o trabalho fotográfico de LIRON KROLL inspirado neste romance e de onde retirei as fotos para este post.

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