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quarta-feira, 3 de julho de 2019

“Alma e os mistérios da vida”, de Luísa Castel-Branco - Opinião


A minha mãe pede-me um livro e é assim que chego até este «Alma». Cheguei e fiquei até ao fim e não sei bem porquê, pois é uma leitura completamente fora das minhas escolhas, mas achei que um país mergulhado nas trevas da ditadura desse uma boa personagem, mas o país não se revela e a ditadura também não. São poucas as linhas que o descrevem, tal como a personagem que dá nome ao romance. Alma é uma personagem quase invisível, descrita pelas palavras dos outros e é a vida dos outros que vamos seguindo. 

"A sala estava à cunha e nem uma mosca zumbia, o ara estava pesado e peganhento. Com umas voz de cana rachada, tão fina como o bigode, o senhor inspector, sujeito atarracado, que tinha semelhança com o retrato do grande presidente, o Salvador da Nação, cujo o rosto presidia a todas as aulas numa moldura escrupulosamente limpa, procedeu à leitura das folhas de exame..."

Esta descrição, quase nas primeiras páginas, dão-nos o ambiente do Portugal de 70, mas o restante escrutinio passa rapidamente para as vidas de um leque amplo de personagens tapando a vida propriamente dita de Alma. No entanto, o tom em que o povo é descrito retrata muito bem a portugalidade da época e alguns traços que ainda hoje persistem.

"No Inverno, escondidas atrás das cortinas, espreitavam como gato castrados, e assim podiam recitar de cor a lista de quem tinha ido ao confessionário nos últimos anos..."

"(...) mesmo depois da Revolução, e durante uma época em que o ódio era o estrume das terras..."

Em parte, este romance alimenta-se muito desse estrume inerente à alma humana, uma estranha necessidade de dificultar a vida alheia, especialmente nesta época e essencialmente as vidas femininas, entregues aos caprichos das heranças de família e as falsas cortesias de homens que não as queriam, mas as precisavam desposar. Assim, as almas que povoam este livros estão entregues ao sofrimento. Seja ele por amor, ódio ou devoção.

"(...) e uma vez mais agradeceu ao bom Deus nunca lhe ter dado a conhecer o amor ou a paixão, livrando-o assim de ser barro nas mãos do destino."

Fruto da época, o medo também assume destaque: "O medo não morre de idade nem é passível de se perder nas brumas das memórias". Sentir medo, incutir medo, ter fé por ter medo... 

Existem, em certas passagens, descrições bem conseguidas das personagens, mas falta muito para ser um livro apetecível de ler e com um enredo bem entrelaçado.

"Tinha os olhos descaídos, como que prontos a tombar em cima da mesa ou de qualquer outra coisa, a todo o momento. Quando era criança, até que lhe emprestava um certo ar encantador, mas quando cresceu o rosto acabaria por descair como os seus olhos (...). Recordava um buldogue em poisio, um animal enroscado em si mesmo, cheio de pregas e mais pregas."