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domingo, 28 de abril de 2024

«A mãe e o crocodilo» de José Gardeazabal - Opinião

“A minha mãe conta que comecei a caminhar para trás. Ela dava-me a mão e eu avançava de costas, sem sequer olhar. Não acredito. A minha mãe diz que foi precisa imensa paciência até eu me resigna a andar para a frente.”

“Os sentimentos são um lago onde as pessoas se molham até ao pescoço e eu estou do lado de fora porque não sei nadar.”

Este é Vladimir e nós vamos continuar na dúvida como ele. Ou vamos duvidar dele. É uma escolha do leitor e vai determinar o quanto nos podemos divertir, sensibilizar, rir ou chorar com as dúvidas dele, do crocodilo e do gato que domem juntos no cimento, com a mãe, os vizinhos e vamos ainda pensar nas suas dores e dúvidas perante o mundo. Vamos cavalgar juntos no crocodilo e filosofar com eles. 

“A minha mãe está há três anos a falar sozinha a tentar dizer o que pensa. Não é muito tempo.”

Vladimir é filho de pai solteiro e mãe solteira, vive a cuidar da mãe e de Benito, o crocodilo 🐊 Vivem os três à procura de se compreendem enquanto esperam o futuro, porque o futuro é um sítio onde se pode gritar, mas... “Na nossa casa, o passado e o futuro são tão iguais que não lhes vemos a cara quando dançam.” 


Fora de casa, divide as horas entre o trabalho, onde salva o mundo à mão, ou seja, recicla e o supermercado alemão que vende coisas baratas, ajudando assim a alimentar o mundo que lhe dá de comer. O mundo de flores de plástico, comida de plástico, ideias de plástico... tudo pronto a reciclar. É a era do capitalismo verde.

“Reciclar rima com ressuscitar. Foi a nós, pobres trabalhadores, a quem confiaram a ressurreição do mundo. Não é pouco.”

Mas e o amor? Como e onde se recicla?

“O amor, para mim, é primeiro imaginação e depois realidade. Para mim, amar uma mulher é ficção. Ficção e mentira são coisas diferentes, os pobres e os sozinhos precisam muito de ficção.”

Vladimir diz gostar de mulheres, mas não tem nenhuma para troca ou reciclagem, seja no passado ou para o futuro, mas isso que importa se o presente se faz de palavras alemãs, críticas ao progresso, debates sobre a Lua, a crise da habitação, a reciclagem e os subsídios, a emigração e a política... Eles (Vladimir e os amigos) avançam reacionários contra tudo e eles mesmos. Os despedimentos, os temporários, os arrendatários, os imigrantes, os plásticos e a fábrica. Reacionários e unidos eles sãi um substantivo maior - eles são sindicalizados.

“Os mais velhos lembram-se, normalização quer dizer que vai morrer gente. Racionalização, que a matança será organizada. (...) Um ano depois do fim da reciclagem (e já depois do fim da mina) as pessoas pareciam transparentes, de uma maneira má (…) a pobreza perdeu o seu romantismo, não há mais nada a perder.”

Mas o que interessa isso tudo se o que Vladimir quer gritar ao megafone 📣é sexualmente activo, já sem pausas, sem vírgulas... SexualmenteActivo, uma palavra só, uma palavras que rima sem coxear. Rima com Noor.

E afinal, onde entra a mãe e o crocodilo no meio disto tudo?

O leitor talvez saiba. Ou não! Vamos continuar na dúvida.

“Uma luzinha entra pela claraboia. Suspeito de um sol extraordinário do lado de fora. Não saio, para continuar em dúvida.”

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