A ideia é difícil, mas E. L. Doctorow consegue-o com uma estranha mestria, presa no binómio: bizarro e belo, tornando Homer num narrador que vê pelas palavras e sente pela musicalidade destas!
"Há música nas palavras, e isso ouve-se, sabe, através do pensamento.
"(...) as palavras têm música e, se o senhor é músico, escreverá para as ouvir."
Um livro quase místico, com traços de humor negro e piadas mórbidas, mas com os requintes das avenidas nova iorquinas. Se por um lado, a sumptuosa vida dos irmãos Collyer lhes permite determinados luxos, como é o caso da mansão na 5ª Avenida, ela é, ao mesmo tempo, o grande armazém da discórdia e do isolamento que abalroa, sufoca e soterra os vícios, as depressões e os temperamentos diabólicos e descompensados dos irmãos Collyer, essencialmente Langley.
Com a participação na Primeira Grande Guerra, Langley terá desenvolvido um comportamento obsessivo e depressivo, descuidando a relação social, aliás desconfiaria desta, bem como de toda a sociedade e o próprio contexto de Guerra e posteriormente de Crash da Bolsa ou até a Guerra do Vietname, criou nele um apego e uma necessidade extrema de açambarcar pertences, armazenando-os desequilibradamente.
Já Homer, recebe, interpreta, sente e conhece o pulsar da mansã
o, como organismo vivo que é e que se transforma, a passos largos para um endiabrado labirinto, que oprime e inibe a sua independência e livre circulação. Será a opressão e a redução de independência de Homer um sinónimo da vida em tempo de guerra?
A relação entre irmãos é descrita como um autêntico álbum de família, que passa do luxuoso livro com capa de pele e fotografias em papel cuidado, para um scrapbook, mal amanhado, recheado de pinceladas, tesouradas, receitas fitacoladas e recortes de memórias esborratadas, construídas entre os relatos de uma mente demente e uma mente sensorial, que vive pelas pontas dos dedos, tacteando os caminhos da vida entre um Modelo T e as teclas de um Aeolian ou ainda uma bicicleta tadem.
Se a cegueira é devastadora, a guerra corroeu-lhes a herança, os sonhos e a esperança.
"(...) talvez o Harold estivesse vivo. Obrigada, Jesus, obrigada, disse ela, chorando de alegria. Bateu as palmas e louvou ao Senhor e não quis ouvir a nossa explicação sobre a data do carimbo."
"Uma pessoa moribunda pergunta se há vida depois da morte. A resposta é sim, só que não é a tua!"
A casa foi um compêndio de relíquias americanas, um museu, à espera de catalogação e de curador, alguém que entendesse a sobrecarga emocional de mentes perturbadas e eu diria ainda obnubiladas (palavra que aprendi com este livro) pelo matraquear metálico de um disquinho em forma de pires em busca da sua chávena.
E para terminar fiquei com Strangers in the Night, uma música para Jacqueline.
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