A multiplicidade de capas que encontramos para esta obra de John Williams, revelam um cuidado extremo, quem as seleccionou, reuniu nelas a singularidade, a autenticidade, a persistência e a tenacidade que o próprio autor deu à sua personagem. William Stoner é um exemplo de resiliência, a sua força é profunda e talvez seja por aí que nos agarramos e nos deixamos levar, até que nos confrontamos com o fim e prestamos-lhe um certo culto.
Apesar de logo ao início toda a história apontar para Stoner como um homem que morreu sem deixar grande marca ou sem ser recordado com grande nitidez, julgo que ele causa exactamente o oposto no leitor. Ao lê-lo recordei algumas ideias e imagens que me assaltaram aquando da leitura de "O Deserto dos Tártaros" de Dino Buzzati. Há também aqui um certo deserto, talvez não tão permanente, mas a mesma falta de apego, de relações interpessoais, de objectivos subvertidos... mas por outro lado, há como que o encarar da vida como uma peregrinação singular, sem atalhos para voltar atrás, sem lugar a arrependimentos (que existirão, é certo!). Há um olhar a vida juntamente com os seus obstáculos, aqueles que podemos contornar e deixar pendentes e aquelas que nos surpreendem e que queremos mesmo galgar, ignorando a dificuldade, esperançosos apenas do que haverá do lado de lá.
Não sei se sou bem sucedida com a metáfora que escolhi, mas interpretar a mensagem nas entrelinhas de Stoner, foi para mim tão pessoal quanto o ensinamento que podemos retirar da mensagem de Buzzati. Para mim, ambos grandes livros, como mensagens duras que revelaram também muito do entendimento dos autores para a vida, a deles e a dos demais. Não digo que quem lê um tenha, obrigatoriamente de ler o outro, mas eu liguei-os muito.
Ultrapassando a introspecção a que o livro me levou, o autor é exímio em também nos fazer sentir um maior carinho pelos livros e pela literatura. Stoner teria nos seus livros uma maior herança do que aquela que a vida que escolheu lhe deixaria. A prisão de um casamento, o afastamento da filha, a perda de entusiasmo, a doença, a falta de amigos, tudo deixou a sua nódoa, a sua cicatriz, mas perder as suas capacidades ou lutar contra o esquecimento era uma ferida demasiado grande.
“Por vezes, imerso nos seus livros, tomava consciência de tudo o que não sabia, que não lera, e a serenidade à qual aspirava estilhaçava-se, quando percebia o pouco tempo de que dispunha na vida para ler tanta coisa, para aprender o que queria.”
Todo este livro um culto à literatura. É o poder redentor da paixão pelos livros, pela educação, pelo passar da palavra, da mensagem e das transformações que operam nas pessoas. Há uma amizade e uma paixão criadas através do gosto e do prazer que se tem pelos livros. É assim (inicialmente) com a filha e com alunos, mas também com alguém muito especial que nos faz ter um olhar inovador e quase desenfreado para este personagem até então, tão espartano e até melancólico.
Neste relato muito lúcido e até despojado, vemos, a certo ponto, o desfiladeiro, o abismo, a prova derradeira que a tal peregrinação terá de atravessar e aí lembrei-me de "Um Homem Singular", do quanto torci pelo personagem... nós sabemos que não vai dar certo, que existem obstáculos que causam sofrimentos atrozes e incuráveis, mas admiramos tanto a honestidade do personagem que queremos que ele vença.
Os livros não o acompanharam toda vida, mas a maior parte dela e ainda assim houve solidão, uma solidão que alimentou fragilidades, angústias e desamor, mas também foi essa solidão que lhe abriu portas à tolerância e a uma certa ingenuidade, mascarando o lugar frio que é mundo é, permitindo-lhe a paixão e a livre vontade do pensamento.
Leia mais sobre o livro aqui no site da Leya.
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