De forma galante e com um charme inebriante, Georges, o homem com ar de cavaleiro prussiano, conduz Liberty Bojangles, a mulher que podia ser muitas mulheres, numa dança interminável. Ao som de Mr. Bojangles, na voz de Nina Simone, o casal enfeitiça o filho, o mesmo que nos relata a maior parte desta espera, desvendando uma vida pautada pela luta contra a normalidade e a vontade de fazer da vida uma festa contínua.
"Bastou um cocktail e uma música dançada a dois para que uma mulher doida e com um chapéu coberto de penas me fizesse apaixonar loucamente por ela, convidando-me a partilhar a sua demência."
Oiça aqui, a maravilhosa Nina Simone - «Mr Bojangles»
A música será sempre a mesma e faz todo o sentido ouvi-la todas as vezes que conseguirmos. É um bálsamo. A voz de Nina Simone é determinante para que nos apaixonemos por completo por toda a bolha de loucura em que vemos crescer um menino que tem um ave como irmã. Vê-mo-lo crescer e aprender a lidar com pequenas mentiras e outros rasgos de loucura que contornam o sentido da vida, pelo menos o sentido esperado para alguém da sua idade.
"Escrevia como «um espelho», disse-me a professora, embora eu soubesse muito bem que os espelhos não escrevem. (...) A minha mãe gostava muito da minha caligrafia de espelho (...)
- Que maravilha! Escreva lá o meu nome em caligrafia de espelho para eu ver! - dizia com um olhar cheio de admiração.
Depois guardava os papelinhos onde eu escrevera no cofre das jóias, porque, dizia:
- Uma caligrafia destas é como um tesouro...
(...)
Para que a caligrafia se desenvolvesse no bom sentido, a professora mandou-me para uma senhora que corrigia as letras sem nunca lhes tocar e que, sem qualquer ajuda, sabia trabalhá-las para as recolocar no seu devido sítio. E então, para grande desgosto da minha mãe (...) fiquei quase curado."
Existe uma constante algazarra, uma bipolaridade divertida que entretém o leitor e o delicia de episódio em episódio, numa fuga constante à razão. Importa dançar e assumir o controlo da vida nessa fracção de poucos minutos em que esquecemos as coisas que constantemente nos deixam à espera.
"Não lamentava nada, não podia nunca lamentar uma tão doce marginalidade, as nossas permanentes caretas de desprezo pela realidade, os manguitos às convenções, aos relógios, às estações, a língua de fora ao 'que irão pensar as pessoas».
Porque é preciso virar a página, leiam «À espera de Bojangles»!
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