José Ovejero venceu com este "A invenção do amor" o Prémio Alfaguara Romance em 2013 e em boa hora a vinda do autor a Portugal, para um evento na Fundação Saramago, me fez ler este livro arrebatador que prende o leitor com a força típica de um thriller.
"Nunca utilizo a palavra amor. Nunca leio romances de amor. (...) é impossível contar uma história de amor, porque já foram todas contadas.
Os amores felizes são todos parecidos; os desafortunados também."
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Um homem que não conhece uma mulher que lhe dizem ter sido sua amante, inventa para ambos um amor que não existiu, na esperança de contornar a passividade que tem sido a sua vida.
Infeliz ou sem força sequer para ser feliz; Samuel entra na vida da falecida Clara e por arrasto na da sua irmã Carina, tal como entra pela vida do leitor. Ele mente e arrebata-nos! Pouco depois do começo e da notícia da morte de Clara, somos completamente apanhados pela transformação que Samuel tenta viver, suplantando a sua própria existência banal e desconexa.
No entanto, é por essa existência moderadamente feliz que vislumbramos um personagem irónico e de um humor peculiar.
"Qual seria a sua estratégia para continuar a ser passivamente infeliz?
Adoro as nossas discussões inúteis, o gozo da repetição, que nos recorda quem somos. Não conversamos para chegar a uma conclusão, mas para ouvir os outros a rebater qualquer argumento nosso, saber que podemos contar com eles, que não nos vão deixar sozinhos com as nossas contradições.
(...)
E, depois de vislumbrarmos essa possibilidade, continuamos a ruminar placidamente as nossas vidas (...) moderadamente satisfeitos, fazemos a digestão dos nossos sonhos."
A ironia do que é dito revela-se logo de seguida, porém, quem é que nunca mentiu para sentir a adrenalina e a vertigem de seguir com uma mentira, apenas pelo fascínio de ficcionar sobre a sua própria vida, dando-lhe contornos mais vivos e talvez menos banais.
"(...) fecho os olhos e pergunto-me para qual Samuel será o conteúdo do envelope, se será para mim ou para o outro que começa a ser eu, pois ando a viver uma parte da vida que lhe caberia a ele..."
Podemos dizer que Ovejero alimenta uma esquizofrenia saudável no leitor, pois queremos tanto que Samuel siga sendo o Samuel do terraço, como sendo o Samuel do outro piso. E já por esta frase, que pouco sentido fará para quem não leu, se perceberá que é exactamente assim que se avança, conhecendo Samuel, mas também Clara, como peças de um puzzle que se tentam encaixar. E mais, o autor nunca deixa o leitor de fora, nem as outras pessoas todas com quem os personagens convivem, pois só assim o quadro fica completo e acrescenta mais visões. Qual será a mais real?
"(...) as pessoas que têm admiração por nós causam-nos desconforto porque não reconhecem as nossas fraquezas; admirarem-nos é uma maneira de negar as nossas fraquezas; admirarem-nos é uma maneira de negar quem na realidade somos."
E como isto o leitor não podia estar mais dentro do livro, e essa é a sua maior valia, o que o torna tão especial, estamos constantemente a sentir que o autor fala de nós e para nós. E essa tendência nunca se desvia, nunca se perde, nem mesmo no final.
"Não nos conhecemos. É impossível conhecer outra pessoa (...). Há sempre um recanto escuro, uma faceta que, mesmo ao fim de muitos anos, não deixaria de nos surpreender (...) Em algum lugar de nós mesmos estamos sozinhos, ninguém nos pode acompanhar (...).
Há um poder introspectivo e transformador neste livro.
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Um livro Alfaguara | Editora Objectiva
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