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segunda-feira, 31 de julho de 2017

«Uma conspiração de estúpidos» de John Kennedy Toole :: Opinião


"Por vezes, a Natureza cria um louco, 
mas um peralvilho é sempre obra do homem."


«Uma conspiração de estúpidos» ou a fatídica saga de Ignatius Reilly; uma personagem peculiar de traço caricaturial com um rabisco de racismo aqui, um toque de misoginia ali e um traço de misantropia acolá. Não sem esquecer inúmeras linhas de inteligência acima da média e um humor digno de medalhar. Reilly é ao mesmo tempo superficial e asqueroso e ao mesmo tempo um tipo com quem me sentaria a trocar umas ideias sobre teorias da conspiração e alguma psicologia de trazer por casa. Hilariante!? Sim, sem dúvida. E é isso que a narrativa de John Kennedy Toole dá ao leitor, um texto brilhante, recheados de personagens uma mais sui generis que a outra, uma trama non sense e um final expectável, mas tudo ardilosamente montado que mantêm o leitor agarrado e às constantes gargalhadas.

"(...) Mas a incapacidade de contactar com a realidade é a característica de quase toda a «arte» americana. Qualquer semelhança entre a arte americana e a natureza americana é pura coincidência, mas isso acontece apenas porque a nação, no seu conjunto, não tem contacto com a realidade. Esta é apenas uma das razões pelas quais sempre me vi obrigado a viver nas franjas da sociedade, confinado ao limbo reservado aos que conhecem a realidade quando a têm diante dos olhos."

Ignatius é isolado e radical nas suas ideia, mas é aparentemente inocente, no entanto toda a trama que se desenrola à sua volta, altera-se com a entrada no mercado de trabalho, fruto da insistência da mãe, que tem dificuldades em sustentá-lo. Ignacius, com muita relutância, desprende-se da sua inócua e repetitiva realidade para entrar em contacto com a dura realidade laboral e com os vícios da sociedade que despreza, e aí começa realmente a aventura desta persona non grata.

"Muito obrigado - respondeu Ignatius com ar condescendente. - Mas não poderia trabalhar aqui. Esta garagem é muito húmida e eu sou muito dado a maleitas respiratórias, para além de várias outras.
- Você não trabalharia aqui. Seria vendedor.
- O quê? - berrou Ignacius. - Lá fora, à chuva e à neve, durante todo o dia?
- Aqui não neva.
- Já tem nevado, embora seja raro. E, provavelmente, nevaria outra vez assim que eu saísse com um desses carrinhos. Talvez fossem encontrar-me nalguma sarjeta, com pingentes de gelo a saírem de todos os meus orifícios e gatos vadios a andarem por cima de mim para aproveitarem o calor do meu último sopro. Não, obrigado, senhor. Tenho de me ir embora. Parece-me que tenho um compromisso qualquer."

Os planos de Ignacius vão sendo relatados para confronto ou corroboração da implacável Myrna, a mulher que resolveria tudo com mais sexo para toda a gente. Uma manifestante incorrigível que é uma influência nas convicções inabaláveis do nosso proletário. Outra influência é o agente Mancuso, um policia azarado e vítima de coação, que no meio da sua vulnerabilidade se aproxima dos amigos da mãe de Ignacius. Com eles, uma panóplia de personagens, desde a equipa de Levy Pants ou o staaf explorado do bar de alterne Night of Joy. Todos juntos são um punhado de estúpidos e opinadores desta conspiração.

"Quase todos terão oportunidade de governar o mundo. Não vejo por que razão não deva dar-se oportunidade a essa gente. Decerto já viveram tempo suficiente abaixo de cão. A escalada para o poder será sempre, de certo modo, uma parte do movimento global no sentido das oportunidades, da justiça e da igualdade para todos. (Por exemplo, já viram algum travesti no senado? Não! Há muito tempo que essa gente não tem representantes. A sua situação é uma desgraça nacional, colectiva.)
A degenerescência, em vez de assinalar a derrocada da sociedade, como acontecia no passado, assinalará a paz num mundo conturbado. Temos de encontrar novas soluções para novos problemas."




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