«verão sem homens» de Siri Hustvedt, Zambujeira do Mar 2017
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"Não lhe disse que tinha perdido e voltado a encontrar os meus parafusos, que perdê-los me pregara um suste de morte ..."
Depois de perder uns quantos parafusos, Mia, de cinquenta e cinco, poetisa laureada, respeita a «pausa» que o marido lhe pede e parte para aldeia da sua infância para passar o verão. Divida entre momentos de reflexão e momentos de convívio com os seus «Cinco Cisnes» (o grupo de idosas amigas da mãe) e um grupo de jovens a quem vai ensinar poesia, Mia tenta recuperar a liberdade e a tranquilidade que a loucura temporária lhe roubaram.
"Ataques de choros, uivos, gritos e gargalhadas sem motivo não eram assim tão invulgares na Unidade e, de um modo geral, passavam despercebidos. A loucura é um estado de profunda autoabsorção. É necessário um esforço extremo só para não perdermos o rasto ao nosso próprio eu, e a viragem para a cura acontece no momento em que permitimos a entrada a um pedaço do mundo exterior..."
Recuperando então desse período de autoabsorção, Mia verifica que quem a rodeia enfrenta outros períodos da vida. As descobertas e a crueldade da adolescência, já longe das suas memórias e por outro lado, a meidung, a morte lenta para a qual as anciãs caminham e que se assemelha mais ao futuro.
"É impossível adivinhar uma história enquanto estamos a vivê-la; é informe; uma procissão incoerente de palavras e coisas, e sejamos francos: nunca recuperamos o que já foi. (...) mas eu era incapaz de as perceber porque a minha visão das coisas se perdia na lhanura indiferenciada de viver momento atrás de momento. O tempo não está fora de nós, está dentro. Só nós vivemos com passado, presente e futuro, e em todo o caso, o presente é demasiado breve para ser experimentado; é retido, mais tarde, e então ou é codificado ou desaparece na amnésia."
Perdida nas suas reflexões e leituras, Mia falá-nos dos livros que lê, do que escreve e do que pensa, divagando por temas mais mundanos ou mais filosóficos, passando mensagens para o leitor, afirmando a complexidade da vida, mas também a aceitação da imperfeição que nos caracteriza. A repetição e a aceitação, naquela que será um pedido de consciencialização; a falha existe e é para ser aceite.
"Os cisnes estavam a morrer, um a um. Estamos todos a morrer. Todos cheiramos a mortalidade, e não podemos lavar o cheiro.
O tempo confunde-nos, não é? Os físicos sabem brincar com ele, mas o resto de nós tem de contentar-se com um presente que passa a correr e se transforma num passado incerto e, por mais baralhado que esse passado possa estar na nossa cabeça, estamos sempre a mover-nos inexoravelmente em direcção a um fim."
«verão sem homens» é um livro que realmente nos absorve, mas nos obriga a uma pausa, aqui e ali, na leitura, para reflectirmos e nos deixar-nos levar pelas nossas ideias, memórias e até ligações a outras leituras.
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