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terça-feira, 6 de março de 2018

«Quando as girafas baixam o pescoço» de Sandro William Junqueira :: Opinião


"A gente é rascunho de pássaro
não acabaram de fazer"
Manoel de Barros

«Quando as girafas baixam o pescoço» (Caminho, 2017) parece compêndio de personagens; o leitor pede continuação.

Sandro William Junqueira tece um romance como quem junta retalhos, cose uns com linha, outros com lã, meia dúzia com pontos rebuscados e remates violentos e faz da sua galeria de inquilinos, tecidos criativos expostos na montra de uma retrosaria de bairro. 

"Naquela urbanização há um buraco", durante a leitura descobriremos outros. A Mulher Gorda é bem capaz de ter um buraco no coração. Os jacintos que carrega, equilibram-lhe os pratos da balança sentimental, descompensada e agitada pelas dores que o marido lhe dá e pelos prantos que podia fazer pela filha, a Rapariga Magra. A mulher gorda escreve. O leitor deseja achar-lhe o diário. 

No livro há iogurtes magros com adoçante, mas a instabilidade e o apetite de cada personagem tirará a fome ao leitor. Talvez alguns capítulos mais à frente, relembre que leu: "Os livros fazem fazer coisas. O amor também." mas rapidamente lembrará do "algodão impregnado de monotonia" e se aperceberá que a banalidade dos dias está presente em todas as páginas. A banalidade fragmentada, privada, a história do vizinho, os gritos na porta ao lado, o fantasma da vida alheia que se confunde com a história rotineira do dia a dia. Ou seja: a bisbilhotice que adoça os dias perdidos para o tédio.

"Havia pouco a fazer. É clara a dicotomia entre o que se passa no lado de dentro e o que escorre para fora. Ou seja: entre o revestimento, visível, e as costura, sempre ocultas. Muitas coisas na cabeça e quase nada para fazer. É por isso que a humanidade anda em busca de violência."

O livro cresce como quem tece um vestido, acrescenta-lhe detalhes, um fecho aqui, uns botões acolá, punhos trabalhados, bordados na gola, talvez uma girafa a adornar um bolso, um único, sozinho para guardar segredos. Um remate na bainha que deixa ver o joelho, ou não, dependendo se é Cátia com "C" ou Kátia com "K" que o usa.

"(...) O tédio é lugar confortável.
(...) Mas a frase sai sem temperatura.
Desde a última inconsequente entrevista de emprego raramente sai do esconderijo. Ou seja, conhece bem o território: a dureza da cadeira onde se senta para comer batatas cozidas. Os desenhos feitos a ponta de faca no tampo da mesa. A paisagem imóvel das paredes. A loiça suja empilhada no lava-loiça. O silêncio da biblioteca. Os gritos familiares dos vizinhos."




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