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terça-feira, 24 de abril de 2018

«Cuba Libre, desejo de liberdade» de Tânia Ganho - Opinião



«Cuba Libre, desejo de liberdade», diz-nos logo desde bem cedo que estamos na presença de uma mulher aprisionada. A ilha da Madeira rodeia de água, a família de tradições e costumes, Lisboa de pessoas por todos os lados e o namorado, enfadonho e estável, cansa-a com a rotina e acena-lhe com casamento, filhos e uma vivenda, como o melhor que o futuro tem para lhes oferecer. 

"(...) cada vez mais me convenço de que os meus sentidos se bloqueiam na presença de grandes aglomerados de gente e eu fico como que a nadar num aquário de água turva, onde está tudo desfocado."

Mas conseguirá Clara fazer por ser e sentir-se livre?

Tânia Ganho vai oscilando os períodos da narrativa entre a ilha da Madeira, a Lisboa movimentada e umas férias em Cuba. E em cada capítulo chega-nos uma Clara que tanto foge da Natureza abrupta como a aprecia; uma mulher preparada para abraçar a capital cosmopolita, mas que a esmaga e sufoca, quando sonha com Cuba, não pelo que lá viu, mas pelo que lá viveu. Conheceu Len, uma mulher igualmente aprisionada, mas que a fez sentir ela mesma numa época em que as dúvidas já a assombravam.

"O problema é que eu não sabia ter o coração vazio e tinha sempre de encaixar alguém dentro dele, à força, a golpes de martelo."

Também à força de golpes duros sobre si mesma e de algum tempo passado a navegar ao sabor das paixões momentâneas e infrutíferas, Clara foi vivendo e experimentando para se descobrir e conhecer, mas ela era abrupta como a ilha, com os sentimentos a bombar, a pique, num coração que só precisava de se sossegar e conhecer. 

"Só vejo um horizonte enorme, vastíssimo, (...). Nas ilhas, o perímetro da vida é reduzido (...) A Madeira é agreste e eu sou como ela, de arestas espetadas onde as pessoas tropeçam e se magoam. Não tenho paisagens de areia fina, não sou suave, nem macia, nem balsâmica. Sou dura e pedregosa, vulcânica e traiçoeira, e devia ter um cartaz a avisar: Perigo-Falésia."

Apesar de muito bem escrito e caracterizado, este «Cuba Libre» não fala só da mulher e da sua eterna condição de procura e de descoberta. Fala também de um tempo de mudança, de acontecimentos políticos e sociais, que vão desde o estado do país, à música ou aos destinos de férias. É um livro rico em conteúdos que pautaram a viragem para o século XXI e os seus primeiros anos. E isso, tão depressa parece ter sido ontem, como ter acontecido há uma eternidade. 

"(...) morreu Álvaro Cunhal, um homem de convicções casmurras, mas com um fibra que já não se encontra nos tempos que correm. (...), seguiram-se-lhe o «companheiro» Vasco Gonçalves, um dos capitães de Abril, e o Eugénio de Andrade, que escreveu que «passamos pelas coisas sem as ver, gastos, como animais envelhecidos» e me fez sentir como um «fruto sem sabor, que vai caindo ao chão apodrecido».



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