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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

«Voar no Quarto Escuro» de Márcia Balsas :: Opinião



"Há mais calma na sinfonia de uma casa abandonada, do que no silêncio familiar do medo."

No desempoeirar de memórias e com personagens decididas a pisar no passado, Balsas leva-nos a diversos quartos escuros, mas talvez nenhum nos prepare para as bofetadas, mesmo às claras, que nos vai dando durante a leitura. 

"Os primeiros tempos de tratamento foram duros: sempre atordoada, um nó no pensamento, a cabeça vazia como se uma equipa de limpeza lhe tivesse esfregado o crânio por dentro. A brilhar como uma pista de gelo. Deixou deixou de ser ela. Se calhar por isso, tudo melhorou na sua vida. (...), e nada lhe tirava o sono à noite."

Com uma escrita seca e acutilante, dá-nos cenários muito transparentes enquanto nos envolve num labirinto de sentimentos e emoções de mulheres, cheias de pessoas que lhes passeiam por dentro e que se cruzam nas arestas vivas e tóxicas do mundo do trabalho. 

Há cenas bastante bem conseguidas, sejam no escritório - sempre com um humor retorcido; seja a reforma de sexo entre Adelaide e Jorge ou a barricada de livros entre este mesmo casal. As angústias de Ema ou a violência contra Eduarda. São imagens que perduram na cabeça do leitor pela caracterização inteligente que adensam cada personagem. 

"(...)um bebé sozinho, fechado numa caixa, rodeado de velas. (...) nenhuma da família da defunta. «Defunta.» A palavra a bailar-lhe na cabeça. Como se chama a um bebé morto antes de nascer? (...)
Agora estava tudo acabado, tudo debaixo de uma carpete verde, fofa. (...)
«Branco não!», recusa Ema perentória, a quem os caixões para bebés lembravam bolos de noiva mal acabados."

Em todas as mulheres é fácil reconhecer traços que se confundem com os nossos ou que outrora já pautaram as nossas vidas. Como Beatriz, que na erosão dos dias vê a sua angústia, tristeza e solidão aumentadas, mas retratadas pela autora de forma muito privada, no entanto, quando se revelam os seus textos, já mais para o final, a metáfora usada dá toda uma outra dimensão à solidão, ao medo e às diferentes prisões que permanecem em toda a narrativa.

"Procrastinação. (...) Envergonha-se das coisas que lhe ocorrem, materialismos que não a definem, só a atormentam por definirem o mundo. (...)
Dar tempo ao tempo, conceito obsoleto. Toda a ansiedade é destrutiva."

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