Não sei se Bartleby é a personificação do ócio, da letargia ou do respeito pelos seus limites e vagareza peculiar ou se o relato de Melville é um apelo à passividade e à desaceleração, já nos idos de 1853, mas o que é que certo é que este pequeno tratado da inutilidade essencial, como disse Borges, releva uma ironia enorme cada vez que o personagem diz: "prefiro não fazer."
Apesar da aspereza com que certos colegas o julgam, Nippers, Turkey e Ginger Nut são personagens aos quais já nos habituámos e fez-me pensar na velha expressão:"cócó, ranheta e facada", levando um pouco ao extremo o quanto a noção de grupo pode influenciar as equipas e a tomada de decisão. No entanto, um personagem maior, é o próprio narrador e patrão, pois há nele, como que uma admiração e curiosidade, ao analisar e descrever o quão Bartleby é uma surpresa e até digno de contemplação. Ainda assim, o peso do trabalho, a repetição e o aborrecimento não são por ele analisadas, mas sim a tentativa de adivinhar e escrutinar o carácter e o futuro de Bartleby.
Essa curiosidade pauta todo o conto, bem como a ideia de deixar o destino entregue nas mãos do acaso, negando constantemente continuar a pertencer a uma engrenagem que despersonifica. Tudo ganha uma nova perspetiva mais para perto do final e um arrebatamento maior ainda num quase posfácio, dando a sugestão de uma falha na comunicação, fruto da má gestão, de linhas trocadas ou simplesmente por atraso na volta do correio. E talvez surja no leitor uma revolta, uma epifania, um desejo de também ele dizer "prefiro não fazer", mas mais cedo, muito mais cedo ainda.
«Bartleby, o Escrivão» será sem dúvida um texto intemporal, pejado de interpretações e resignificados, expandindo consoante seja a busca de quem o lê.
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