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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

«A Psicologia da Estupidez» de Jean-François Marmion :: Opinião

"«O bom senso é a coisa mais partilhada do mundo», escrevia Descartes. Então e a estupidez?"

Em jeito de advertência, Jean-François Marmion, compilou uma série de textos de altas personalidades na análise da estupidez e em muitas outras questões inerentes à existência do ser humano, para nos alertar para o facto de que somos todos um bocado estúpidos (mesmo que inteligentes!). Pois só um estúpido reconhece outros estúpidos!

São mais de duas dezenas de textos, para tipificar a anatomia dos estúpidos, a fim de afirmar que a armadilha da estupidez é por vezes habilmente tecida e estrategicamente composta, levando individualmente um estúpido a engrandecer a sua estupidez, aderindo às massas que se metamorfoseiam em nome de ideias adulteradas, a tolice obstinada e a arrogância que cega.

"O estúpido por excelência condena sem apelo, de imediato, sem circunstâncias atenuantes, fazendo apenas fé nas aparências que, além disso, ele se limita a vislumbrar por entre os seus antolhos. Sabe mostrar-se zeloso para reunir os seus semelhantes, incitar ao linchamento, em nome da virtude, das conveniências, do respeito. O estúpido caça em matilha e pensa como uma manda."

Por entre uma manada de teorias espreme-se o lado científico que explica as atitudes dos estúpidos: "Ele tem dificuldades em compreender que a sorte é a interpretação que o estúpido dá às probabilidades" e começamos logo a rir e a constatar que realmente somos todos um bocado estúpidos, afinal quem é que não nomeia constantemente a sorte como escapatória para um comportamento, afinal, estúpido?

Abra bem o radar, pois as conclusões vão deixá-lo ainda mais sensível à estupidez. À sua e à dos outros, já que a teoria também explica que: "(...) é graças ao expediente de negatividade que somos capazes de detectar mais rapidamente um estúpido do que um génio num meio social complexo."

Claro que no capítulo dedicado à tipificação e em mais uma ou outra entrevista podemos perceber que, para além da estupidez ter vários níveis, tipologias e graus de imunização do sujeito estúpido, há todo um complexo índice de proporções quando falamos em estupidez colectiva. E essa é a mais preocupante. Seja pela forma como eleva a estupidez de cada indivíduo ou, quando em massa, tornando os actos galopantes e até descontrolados. Ou viralizando, estendendo os tentáculos numa escala desconhecida. 

Os tentáculos analisados nos vários textos tocam aspectos tão banais, como a simples tolice e idolatria quase inocente do tolo teimoso, mas inofensivo do que outros e depois exemplos mais sofisticados e maquiavélicos que estrategicamente alimentam teorias da conspiração e esta era do pós-verdade e da manipulação pela redes sociais. Por isso, temas como as eleições americanas, a vacinação, o coronavírus, a desinformação e o culto do falso, a idolatria fácil e instável, o negócio da felicidade ou os crescentes nacionalismos, são terrenos férteis par analisar comportamentos estupidificantes. Mas também se analisam livros, filmes, séries e temas em geral que estão presentes no nosso quotidiano e nesses casos as entrevistas são excelentes pontos de partida para o debate.

É importante também referir que são vários os textos que fazem a ponte entre a estupidez e outros traços de personalidade, sem esquecer o peso das emoções e até as terapias e a necessidade constante de autoanálise, relembrando que se a estupidez é uma armadilha, o tempo também o é: "(...) mesmo quando encontramos o tempo certo para interagir com o passado, nunca conseguimos alterá-lo." (Adelino Cunha) 

Em suma, é um livro ao qual devemos de vez em quando voltar, para que não nos percamos numa certa cegueira de achar que um produto acabado.



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