“Eu aninhada no corpo dele, o meu
peito encostado às suas costas, as nossas respirações sincronizadas, os pés
entrelaçados. Foi assim que dormimos mais de 5000 noites.
Mas agora dormimos em quartos
separados. Durante o dia, bailamos em ziguezague a dança da distância dos dois
metros. Abraços, carícias, beijos, a nossa estenografia diária, agora proibida;
«fica longe de mim» é a minha nova manifestação de ternura.”
Podia ser o início de um romance, tendo como pano de fundo
a pandemia mundial que a todos confinou. Uma pandemia também de isolamento que
a todos trouxe medo e uma outra dimensão da solidão e tantas questões de foro
psicológico levantou, juntamente com uma constatação: este é O Século da
Solidão e a culpa não foi da pandemia, como tão bem nos elucida Noreena Hertz
ao longo de uma boa dezena de capítulos onde percebemos quão longos são os
tentáculos da solidão.
Contrariando a ideia de global, de maior conexão, de mais
informação disponível, melhores condições e maior esperança de vida e de toda a
modernidade do nosso século, a verdade é que tudo parece contribuir para que
sejamos só mais um ratinho solitário numa roda movida a pilhas
inesgotáveis que nos torna cada vez menos sociáveis, mais tribais e mais
zangados. Nunca a busca por sentido foi tão complexa e vasta, alimentada por
tanta informação dispersa e desconectada. Numa era onde tudo pode ser
personalizado, também a solidão atingiu números assustadores e conclusões
científicas tão claras e alarmantes: a solidão consegue ser medida no quanto é nefasta
e tóxica num corpo e permite afirmar: a solidão mata!
“(…) a nossa capacidade de nos sentirmos sós e a nossa dor
e inquietação quando nos sentimos distantes de outros seres humanos, são uma
brilhante característica evolutiva. «Nunca devemos querer desligar o estímulo
da solidão», disse John Cacioppo (…)”
“Por um lado, um corpo solitário é um corpo stressado: é
um corpo que se fatiga facilmente e está excessivamente inflamado. (…) Com a
solidão crónica, não existe interruptor para desligar que lembre o corpo que se
deve acalmar. Por isso, a inflamação induzida pela solidão pode tornar-se
crónica - «o novo normal». (…) a solidão é um tipo de stress que pode
amplificar maciçamente os efeitos de outros stresses. (…) Um estudo influente
sugeriu que a solidão prejudica o funcionamento de várias glândulas endócrinas
que segregam as hormonas em todo o corpo e estão relacionadas com a nossa
resposta imunológica.”
O mundo actual padece de solidão e o seu eco propaga-se a
todas as dimensões da sociedade. Explicando diversos fenómenos, como por
exemplo o aumento da viragem para a aceitação de políticas extremistas, mas
também a exploração da solidão como negócio. Os exemplos são variados e Hertz
relata episódios dos mais variados países e classes sociais para que percebamos
que a solidão está generalizada e apresenta-se à frente dos nossos olhos das
mais variadas maneiras. Cabe-nos observamo-nos bem, a nós mesmos e aos outros e
agir: «fazer para não perder!»
“Para Arendt, o totalitarismo
«baseia-se na solidão […] que é uma das mais radicais e desesperadas
experiências que o Homem pode ter.»
Encontrando os seus adeptos nas pessoas cuja «principal
características […] não é a brutalidade nem a rudeza, mas o seu isolamento e a
sua falta de relações sociais normais», ela argumenta que, para quem «sente não
ter lugar na sociedade, é na entrega do seu eu individual à ideologia que o
solitário redescobre o seu propósito e amor-próprio.»”
A bibliografia é vasta e detalhada
e as leituras são inúmeras para o leitor que quiser mais informação além da
aqui compilada por Hertz, embora apenas esta leitura já possa desencadear um
sem número de pensamentos e acções com vista ao objetivo proposto pela autora:
reconectar, recuperar o sentido de comunidade, partilhar, repensar e agir.
Precisamos agir!
Precisamos recuperar ligações com
os que nos rodeiam, desde a família, aos vizinhos, aos colegas de trabalho ou
ao simples acto de falar com desconhecidos, quebrando a corrente da era digital
e deixando o “sem fios” apenas para os dispositivos eletrónicos, sendo capazes
de nos desligar da coisa certo ou seja, fugir ao chicote digital das redes
sociais e tantas outras aplicações que mascaram as relações interpessoais.
A epidemia do século é a solidão e
é disso que precisamos ter consciência, compreendendo até onde chega essa
doença e como afecta a todos. A todos, mesmo! E só assim poderemos actuar.
Sendo assim, anote algumas ideias-chave:
é preciso restaurar o conceito de comunidade e humanizar as cidades e bairros; queira
participar activamente no seio de sua comunidade; é preciso reaprender a
conversar para “discutir” melhor; olhar os outros nos olhos para nos
sincronizarmos uns com os outros; abraçar, abraçar mais e mais prolongado, pois
abraçar cura; sentir-se útil por participar, pertencer, cuidar e ser cuidado;
informe-se melhor para compreender melhor e aceitar, mas também para desconfiar
menos; tire os olhos do telefone e foque-os no mundo à sua volta; cuide da sua
saúde física e mental sem medos; avalie aspectos negativos do que o rodeia,
especialmente no trabalho e avalie para equilibrar melhor o binómio
vida-trabalho.
Em suma, para equilibrar uma série
de aspectos nas nossas vidas modernas o melhor será mesmo fazer algumas coisas
à moda antiga!
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